Opinião
- 11 de julho de 2022
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Sobre racismo em desconstrução
Por Ivan Abreu Figueiredo
Obrigado, Laurentino Gomes, por sua trilogia sobre a escravidão, leitura obrigatória, facho de luz para entender muita coisa ainda presente na nossa desigualdade social.
A chaga de um se considerar superior ao outro devido à cor da pele ainda nos flagela. E tem ressonância em discursos preconceituosos apoiados e elogiados por uma parcela assustadora de nossa população.
Passagem impressionante do terceiro volume do livro, entre tantas, o anúncio do "Diário de Pernambuco" datado de 1859: "Vende-se na Rua do Sebo, casa defronte ao número 24, nos dias úteis, das 4 às 6 horas da tarde, uma negra crioula, idade 25 anos, parida há 10 meses, com leite, sem cria, cozinha, faz doce, engoma, cose".
A cruel explicação para esta mulher ser "com leite" e "sem cria" tem duas possibilidades: ou seu bebê morrera logo após o parto ou, como muitos donos de escravos faziam, sequestravam o recém-nascido ou forçavam a mãe a doá-lo de imediato às instituições de caridade que cuidavam de órfãos. Assim, explicava um médico da época, a "ama escrava, quando é alugada, não leva em sua companhia o seu filho; ela é obrigada pelo seu senhor, a fim de lhe dar um aluguel maior, a abandoná-lo".
Impossível não se chocar com tamanha maldade. Incômodo perceber a persistência desse estado de espírito em nosso país, tão necessitado de arrependimento como sociedade, tão acostumado a negar suas mazelas.
A saga dessas mulheres, a violência física e emocional, o desprezo social que teve a cumplicidade até do que se considerava ciência então ao categorizar como inferior uma raça.
A doutrina do pecado original individual evidenciada em sua dimensão social, mostrando não haver exceções, todos termos passados comprometedores.
Ler "Escravidão" é um choque necessário para demolir o mito do brasileiro cordial e das relações de dominação brandas, assim como o da miscigenação racial que supostamente neutraliza o racismo entre nós.
É um chamado ao arrependimento de posições ambíguas e cautelosas como as de muitos cristãos diante da flagrante injustiça de se aproveitar de outras pessoas e de seu suor.
Passo a olhar com mais nitidez na beleza da São Luís colonial, que tanto nos orgulha, o sangue negro que a edificou. Levantando os sobrados onde só teriam como espaço as sujas senzalas, em paralelo com os operários pobres de hoje erguendo os prédios de luxo onde jamais poderão morar.
A segregação que equivale elevador de serviço e transporte de cargas a elevador dos serviçais subalternos (eta expressão pesada!). O deboche de se expressar a respeito de gente com medidas em arrobas como se faz com os animais, refletindo no hoje o anúncio do aluguel da negra "com leite e sem cria". A desfaçatez de uma parte infelizmente ainda numerosa de nosso povo que se percebe destinado a mandar, e outros a obedecer-lhes.
Volto ao Salmo 139, à coragem convocada pela Palavra, ao "Sonda-me, Senhor", que revela a realidade do meu interior tão necessitado de uma faxina, inclusive daquilo que me é ainda oculto. Olho com repulsa para a discriminação racial e acabo sendo confrontado com a necessidade de destruí-la dentro de mim mesmo.
Muito bom quando o aprendizado é usado pelo Pai para corrigir nossas vidas.
Volto às amas de leite, forçadas a cuidar dos filhos dos outros e ao mesmo tempo impedidas de cuidar dos seus. Impossível não pensar em suas descendentes de hoje, percorrendo longos trajetos para cuidar de casas e crianças, lojas e escolas, deixando para trás os seus da maneira que podem, corações divididos, mentes doloridas, dores cotidianas. Detonada a ilusão de em nada sermos parecidos com os opressores, constatada nossa indiferença diante de tantos que cruzam anonimamente nossos caminhos em ocupações modestas, abre-se o caminho do arrependimento, única alternativa decente e digna de seguidores de Jesus.
RACISMO – A BÍBLIA, A IGREJA E UMA CONVERSA QUE NASCE DA DOR
A Igreja deve agir em duas direções. Ela deve voltar-se para si mesma e caminhar em direção à diversidade e unidade desejadas por Deus. Mas deve voltar-se também para a sociedade, a fim de enxergar e, intencionalmente, combater a injustiça contra as pessoas negras.
É disso que trata a matéria de capa da edição 385 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
A Igreja deve agir em duas direções. Ela deve voltar-se para si mesma e caminhar em direção à diversidade e unidade desejadas por Deus. Mas deve voltar-se também para a sociedade, a fim de enxergar e, intencionalmente, combater a injustiça contra as pessoas negras.
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Saiba mais:
Ivan Abreu Figueiredo, médico, professor universitário, membro da Igreja Batista Plenitude, São Luís, MA.
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