Opinião
- 27 de agosto de 2013
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Sobre o perigo do muito estudo
Depois da tensão veio o silêncio. Inclinou sua cabeça e antes de ir-se, disparou: “seu problema é que você leu e estudou muito”. Orgulhosa de sua suposta ignorância, partiu dando o assunto por encerrado. Foi já há alguns anos. Eu estava nesse lindo estado com o nome de uma das pessoas da trindade, onde me cabia expor todo um livro da Bíblia durante uma semana. Verdade que eram somente quatro capítulos, mas ainda assim uma tarefa tanto prazerosa quanto exaustiva.
A jovem estudante universitária que levantou a “acusação” do primeiro parágrafo não o fez devido à minha exposição do texto bíblico, levada a cabo cada manhã. Na verdade, o que a havia incomodado era minha posição (ou a falta de) com relação a uma festa à fantasia que os estudantes alegremente haviam organizado naquele evento da ABU.
Não sei bem se foi algo quanto às fantasias usadas, ou se pelo ar de festa, ou se o fato que havia alguma tímida dança (os evangélicos não somos muito bons nisso), ou ainda devido a alguma das músicas tocadas. Talvez a minha improvisada e precária fantasia do Laterna Verde não tenha ajudado muito na questão. Não gostaria de me justificar, já que o protótipo de fantasia nem era lá muito vistoso. Mas fiz o que pude com as únicas peças verdes que casualmente havia levado ao acampamento.
Já havia perdido boa parte da festa nessa conversa com a estudante. Tudo bem que possivelmente as preocupações pastorais devam vir antes do lazer, mas naquele momento em que fui “acusado” sobre minhas supostas “muitas leituras”, quase me arrependi de haver dado prioridade ao seu aborrecimento e julgamento dos demais. Já quase pensava que “o mais fraco na fé” (aquele que vale seu peso em ouro e todo o cuidado que possamos lhe oferecer) possivelmente não era, nesse caso, aquela que me julgava e espetava seu dedo recriminador no meu verde nariz.
Interessante essa ideia sobre como o excesso de leitura pode prejudicar a nossa fé. E olha que segundo uma pesquisa feita no Reino Unido, muitos mentem sobre o que leem para impressionar as pessoas. E outros ainda ocultam o que leem de verdade, temendo ficar negativamente associados a alguns autores ou a certo tipo de literatura. Bizarro, não?
Seria comum encontrar essa associação entre o muito estudar e a falta de fé? Unamuno nos conta desse quadro em um seminário da Companhia de Jesus, em que Satanás, enquanto era pisado pelo arcanjo Miguel, tinha em suas mãos um microscópio! “No que diz respeito aos chefes daquele estabelecimento, investigar demasiadamente a natureza e o significado das coisas era assunto diabólico”1. Ah, então é coisa antiga esse negócio de achar que estudar, ler e investigar são tarefas diabólicas!
Para mim, o maior perigo é outro. É o de eu achar-me sábio, crendo que não preciso ouvir o outro e suas percepções muitas vezes distintas das minhas. Por isso, ainda acredito que fiz bem em dedicar meu tempo àquela conversa pastoral com a jovem estudante em dificuldades. O dia em que eu imaginar que minhas leituras e meu suposto saber me bastam e presumir ser autossuficiente em minha jornada, então haverei trocado de bando e terei que conseguir uma fantasia de vilão para a seguinte festa.
Falando em festa, lhes conto que voltei a tempo para participar do concurso de fantasias. Claro que perdi. Quem sabe vou de arcanjo na próxima. Será melhor, e mais seguro, do que ir com um microscópio nas mãos.
Nota:
1. A história sobre Unamuno e a citação são de Juan A. Mackay, em “El Otro Cristo Español”, Ediciones La Aurora, p. 127.
Leia mais
O teólogo a serviço de Deus e não da teologia (revista Ultimato 338)
Ser é o bastante (Carlos Queiroz)
A falência dos deuses (Vinoth Ramachandra)
A jovem estudante universitária que levantou a “acusação” do primeiro parágrafo não o fez devido à minha exposição do texto bíblico, levada a cabo cada manhã. Na verdade, o que a havia incomodado era minha posição (ou a falta de) com relação a uma festa à fantasia que os estudantes alegremente haviam organizado naquele evento da ABU.
Não sei bem se foi algo quanto às fantasias usadas, ou se pelo ar de festa, ou se o fato que havia alguma tímida dança (os evangélicos não somos muito bons nisso), ou ainda devido a alguma das músicas tocadas. Talvez a minha improvisada e precária fantasia do Laterna Verde não tenha ajudado muito na questão. Não gostaria de me justificar, já que o protótipo de fantasia nem era lá muito vistoso. Mas fiz o que pude com as únicas peças verdes que casualmente havia levado ao acampamento.
Já havia perdido boa parte da festa nessa conversa com a estudante. Tudo bem que possivelmente as preocupações pastorais devam vir antes do lazer, mas naquele momento em que fui “acusado” sobre minhas supostas “muitas leituras”, quase me arrependi de haver dado prioridade ao seu aborrecimento e julgamento dos demais. Já quase pensava que “o mais fraco na fé” (aquele que vale seu peso em ouro e todo o cuidado que possamos lhe oferecer) possivelmente não era, nesse caso, aquela que me julgava e espetava seu dedo recriminador no meu verde nariz.
Interessante essa ideia sobre como o excesso de leitura pode prejudicar a nossa fé. E olha que segundo uma pesquisa feita no Reino Unido, muitos mentem sobre o que leem para impressionar as pessoas. E outros ainda ocultam o que leem de verdade, temendo ficar negativamente associados a alguns autores ou a certo tipo de literatura. Bizarro, não?
Seria comum encontrar essa associação entre o muito estudar e a falta de fé? Unamuno nos conta desse quadro em um seminário da Companhia de Jesus, em que Satanás, enquanto era pisado pelo arcanjo Miguel, tinha em suas mãos um microscópio! “No que diz respeito aos chefes daquele estabelecimento, investigar demasiadamente a natureza e o significado das coisas era assunto diabólico”1. Ah, então é coisa antiga esse negócio de achar que estudar, ler e investigar são tarefas diabólicas!
Para mim, o maior perigo é outro. É o de eu achar-me sábio, crendo que não preciso ouvir o outro e suas percepções muitas vezes distintas das minhas. Por isso, ainda acredito que fiz bem em dedicar meu tempo àquela conversa pastoral com a jovem estudante em dificuldades. O dia em que eu imaginar que minhas leituras e meu suposto saber me bastam e presumir ser autossuficiente em minha jornada, então haverei trocado de bando e terei que conseguir uma fantasia de vilão para a seguinte festa.
Falando em festa, lhes conto que voltei a tempo para participar do concurso de fantasias. Claro que perdi. Quem sabe vou de arcanjo na próxima. Será melhor, e mais seguro, do que ir com um microscópio nas mãos.
Nota:
1. A história sobre Unamuno e a citação são de Juan A. Mackay, em “El Otro Cristo Español”, Ediciones La Aurora, p. 127.
Leia mais
O teólogo a serviço de Deus e não da teologia (revista Ultimato 338)
Ser é o bastante (Carlos Queiroz)
A falência dos deuses (Vinoth Ramachandra)
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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