Opinião
- 06 de outubro de 2023
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Sobre a #normalidade que nos cerca
O sentimento de estranhamento deveria nos impulsionar a ser uma comunidade que não se conforma com o que vê
Por Davi Daniel de Oliveira
“Não sejam iguais a eles...” (Mt 6.8)
Convido você a um experimento social: vá até seu perfil no Instagram e busque por #normalize. Não se assuste: as respostas serão as mais distintas, amplas e curiosas. As pessoas querem normalizar tudo: acne, raiva, amamentação pública, morte, luxúria, celulite, cabelos grisalhos, dar cano no trabalho... Poderíamos passar horas discutindo o que cada uma dessas hashtags incentivam com esses “manifestos”, mas esse não é o propósito deste texto. Contudo, não deixa de ser sintomático da época em que vivemos a necessidade de “normalizar” coisas e comportamentos, como se tudo que foi feito e pensado anteriormente não atendesse mais às exigências de nosso tempo e nos tornasse obrigados a buscar novas respostas, antes, anormais, e, agora, normais.
É óbvio que os desafios da sociedade contemporânea exigem respostas diferentes das do passado. Por isso, apesar do uso indiscriminado da expressão, eu apoio a aplicação da normalização em algumas causas como a autista, por exemplo . Esse texto não fala sobre as importantes mudanças que queremos ver em nossa sociedade. Racismo, igualdade de oportunidades para pessoas de diferentes sexos, cuidado com o meio ambiente, combate à fome, ao trabalho escravo e infantil e outros temas devem ser enfrentados, e sua luta “normalizada”. O Corpo de Cristo não pode tolerar abusos em nenhuma dessas frentes.
O que me choca é o fenômeno da “normose” no seio da igreja brasileira. Caminhamos a passos largos para uma completa cauterização de nossas mentes, para uma indiferença e insensibilidade constantes e completas para com o próximo, caminhamos para uma incapacidade de discernir tempos e os efeitos do pecado na jornada cristã. Nos aproximamos tão perigosamente da normalidade do mundo que não conseguimos mais distinguir quem é quem, quando na verdade o nosso Senhor em seu Manifesto da Montanha nos pede para “não sermos iguais a eles” (Mt 6.8).
O filósofo espanhol Ortega y Gasset nos lembra que nós somos “nós e nossos contextos”. Estamos presos ao contexto que nos cerca – contexto muitas vezes marcado pela indiferença com as coisas do Reino – e, gradativamente, estamos nos tornando igualmente indiferentes. O chamado urgente à Igreja é para, como o filho pródigo, “cair em si” (Mt 15.17), incomodar-se com o que a cerca e voltar aos braços do Pai. Frente ao pecado e à indiferença, mossa postura não pode ser de normalização, mas de “estranhamento”.
Precisamos estranhar os efeitos da corrupção que corrói as estruturas de nosso país.
Precisamos estranhar a violência que nos faz reféns em nossas próprias casas.
Precisamos estranhar a manipulação de sacerdotes que abusam psicologicamente de seu rebanho em nome da fé.
Precisamos estranhar os insultos racistas diante da luta empenhada contra o racismo ao longo das últimas décadas.
Precisamos estranhar a dita polarização política que mina o tecido social e provoca cisões irreparáveis entre pessoas que pensam diferente.
Precisamos estranhar a oferta abundante que igrejas fazem de uma graça barata – usando o célebre conceito de de Bonhoeffer – e estranhar as pseudoteologias da prosperidade e coach.
Precisamos estranhar o consumismo onipresente
São tantas as coisas que precisamos estranhar. Nada disso é normal. Pode ser comum, mas, jamais, normal. O sentimento de estranhamento deveria nos incomodar e nos impulsionar a ser uma comunidade que contrasta com seu entorno, que não se conforma com o que vê. Sem apatia ou escapismo. Nas palavras de John Stott, em seu comentário do Sermão do Monte, ser cristãos que observam as palavras de Jesus implica em ser “contraculturais”. Esse sentimento de estranhamento é retratado por Pedro na carta, direcionada aos estrangeiros que viviam nas províncias de Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia:
“Amados, eu os advirto, como peregrinos e estrangeiros que são, a manter distância dos desejos carnais que lutam contra a alma. Procurem viver de maneira exemplar entre os que não creem. Assim, mesmo que eles os acusem de praticar o mal, verão seu comportamento correto e darão glória a Deus quando ele julgar o mundo (1Pe 2.11,12).”
Estranhar o mundo é viver de maneira exemplar, negando-se a si mesmo e aos desejos inoportunos que são rivais caminhada e união com Cristo. Estranhar o mundo é viver de tal forma que nosso procedimento demonstre muito claramente que não somos “iguais a ele”. Estranhar o mundo é viver o Evangelho em sua forma mais simples, mas revolucionária – amar ao próximo como a si mesmo.
REVISTA ULTIMATO | DOXOLOGIA NO CULTO PÚBLICO E NA VIDA DIÁRIA
A matéria de capa desta edição convida o leitor ao exercício da doxologia: a afirmação vibrante sobre o que Deus é e o que ele faz. Uma afirmação que traduz a nossa opinião sobre Deus forjada pelas Escrituras e pelas experiências com ele. Isso vai contra a correnteza do mundo em que vivemos, tão pouco propício à solitude, à contemplação e à adoração.
É disso que trata a matéria de capa da edição 403 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Como Ser Cristão – Um guia prático para a fé cristã, John Stott
» A Vida em Cristo, John Stott
» O Evangelho Em Uma Sociedade Pluralista, Lesslie Newbigin
» Seguir a Jesus; uma trilha guiada, edição 373 de Ultimato
Por Davi Daniel de Oliveira
“Não sejam iguais a eles...” (Mt 6.8)
Convido você a um experimento social: vá até seu perfil no Instagram e busque por #normalize. Não se assuste: as respostas serão as mais distintas, amplas e curiosas. As pessoas querem normalizar tudo: acne, raiva, amamentação pública, morte, luxúria, celulite, cabelos grisalhos, dar cano no trabalho... Poderíamos passar horas discutindo o que cada uma dessas hashtags incentivam com esses “manifestos”, mas esse não é o propósito deste texto. Contudo, não deixa de ser sintomático da época em que vivemos a necessidade de “normalizar” coisas e comportamentos, como se tudo que foi feito e pensado anteriormente não atendesse mais às exigências de nosso tempo e nos tornasse obrigados a buscar novas respostas, antes, anormais, e, agora, normais.
É óbvio que os desafios da sociedade contemporânea exigem respostas diferentes das do passado. Por isso, apesar do uso indiscriminado da expressão, eu apoio a aplicação da normalização em algumas causas como a autista, por exemplo . Esse texto não fala sobre as importantes mudanças que queremos ver em nossa sociedade. Racismo, igualdade de oportunidades para pessoas de diferentes sexos, cuidado com o meio ambiente, combate à fome, ao trabalho escravo e infantil e outros temas devem ser enfrentados, e sua luta “normalizada”. O Corpo de Cristo não pode tolerar abusos em nenhuma dessas frentes.
O que me choca é o fenômeno da “normose” no seio da igreja brasileira. Caminhamos a passos largos para uma completa cauterização de nossas mentes, para uma indiferença e insensibilidade constantes e completas para com o próximo, caminhamos para uma incapacidade de discernir tempos e os efeitos do pecado na jornada cristã. Nos aproximamos tão perigosamente da normalidade do mundo que não conseguimos mais distinguir quem é quem, quando na verdade o nosso Senhor em seu Manifesto da Montanha nos pede para “não sermos iguais a eles” (Mt 6.8).
O filósofo espanhol Ortega y Gasset nos lembra que nós somos “nós e nossos contextos”. Estamos presos ao contexto que nos cerca – contexto muitas vezes marcado pela indiferença com as coisas do Reino – e, gradativamente, estamos nos tornando igualmente indiferentes. O chamado urgente à Igreja é para, como o filho pródigo, “cair em si” (Mt 15.17), incomodar-se com o que a cerca e voltar aos braços do Pai. Frente ao pecado e à indiferença, mossa postura não pode ser de normalização, mas de “estranhamento”.
Precisamos estranhar os efeitos da corrupção que corrói as estruturas de nosso país.
Precisamos estranhar a violência que nos faz reféns em nossas próprias casas.
Precisamos estranhar a manipulação de sacerdotes que abusam psicologicamente de seu rebanho em nome da fé.
Precisamos estranhar os insultos racistas diante da luta empenhada contra o racismo ao longo das últimas décadas.
Precisamos estranhar a dita polarização política que mina o tecido social e provoca cisões irreparáveis entre pessoas que pensam diferente.
Precisamos estranhar a oferta abundante que igrejas fazem de uma graça barata – usando o célebre conceito de de Bonhoeffer – e estranhar as pseudoteologias da prosperidade e coach.
Precisamos estranhar o consumismo onipresente
São tantas as coisas que precisamos estranhar. Nada disso é normal. Pode ser comum, mas, jamais, normal. O sentimento de estranhamento deveria nos incomodar e nos impulsionar a ser uma comunidade que contrasta com seu entorno, que não se conforma com o que vê. Sem apatia ou escapismo. Nas palavras de John Stott, em seu comentário do Sermão do Monte, ser cristãos que observam as palavras de Jesus implica em ser “contraculturais”. Esse sentimento de estranhamento é retratado por Pedro na carta, direcionada aos estrangeiros que viviam nas províncias de Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia:
“Amados, eu os advirto, como peregrinos e estrangeiros que são, a manter distância dos desejos carnais que lutam contra a alma. Procurem viver de maneira exemplar entre os que não creem. Assim, mesmo que eles os acusem de praticar o mal, verão seu comportamento correto e darão glória a Deus quando ele julgar o mundo (1Pe 2.11,12).”
Estranhar o mundo é viver de maneira exemplar, negando-se a si mesmo e aos desejos inoportunos que são rivais caminhada e união com Cristo. Estranhar o mundo é viver de tal forma que nosso procedimento demonstre muito claramente que não somos “iguais a ele”. Estranhar o mundo é viver o Evangelho em sua forma mais simples, mas revolucionária – amar ao próximo como a si mesmo.
- Davi Daniel de Oliveira é casado com Raquel e tem dois filhos. É Mestre em Teologia (M.Div) pelo Seminário Teológico Servo de Cristo; Licenciando em Filosofia e serve no ministério infantil da Igreja Batista Memorial em Alphaville, campus de São José dos Campos.
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É disso que trata a matéria de capa da edição 403 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
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» Como Ser Cristão – Um guia prático para a fé cristã, John Stott
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