Opinião
- 09 de setembro de 2009
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Síndrome de aletofobia e cultura da repressão
Neste contexto, a ‘ética do bom’ (Baruch Spinoza) convenciona sua linguagem e fortalece sua psicologia. Numa ordem social em que o “bom” se torna o critério de validação psicológica das escolhas, a “necessidade neurótica de autoafirmação” (Karen Horney) do ego pulveriza qualquer realidade que pretenda se opor à sua autorrealização. A base psicológica da opção que se faz aí pela mentira está no medo de alienação do ego. Enquanto a realização do prazer for o tributo pago pelo senso de permissividade da sociedade destradicionalizada, a mentira será colocada a serviço de um ego que não quer ser flagrado em sua “psicologia de insaciabilidade”. Neste sentido, ele (o ego insaciável) sempre buscará abrigo no refúgio da mentira, na caverna da falsidade ideológica.
Mas a existência humana trás consigo ainda uma outra marca de sua contingência histórica: a constatação de um irredutível “déficit ontológico”.4 O hiato que separa o presente do futuro foi compreendido pela filosofia da esperança nos termos de uma “alienação ontológica” (Ernst Bloch). Nela, a consciência de incompletude na História torna o sujeito humano consciente de sua condição de “insaciabilidade constitutiva”. A autorrealização inalienante só pode ser então uma condição humana projetada para um futuro escatológico (ultimum) compreendido como “pátria da identidade”: situação de reconciliação plena do ser humano consigo mesmo, com o próximo e com a natureza.
Neste ínterim contingencial (entre o presente e o futuro), o ser humano se vê como um “ser incompleto”. É nele que ele constata seu “déficit ontológico”. Mas esta constatação não nasce de sua consciência histórica, mas sim de sua “interação” com outros sujeitos. Pois nela a avaliação das competências morais, estéticas ou cognitivas é processada na dinâmica de uma eleição de predicados. Por esta razão, há sempre a intenção de se construir uma “autoimagem” condicionada pela expectativa que se move do “Tu” em relação ao “Eu” no processo de interatividade.
Frequentemente, o retrato que revela a autoimagem do “ego” é moldado pela expectativa que o “alter” produz em sua consciência (do ego) na interação. O medo de ser rejeitado pelo “outro” acaba produzindo no “eu” a necessidade de “alterar semanticamente” os elementos estruturantes/constitutivos de sua própria identidade-personalidade. Assumir predicados alheios quase sempre pode ser um meio de se construir pontes para a socialização das diferenças sem que esta produza a experiência do trauma, da vergonha e da autonegação. A necessidade de se esconder do outro torna a “produção do falso” um hábito convencional dos processos interativos na sociedade da mentira. Eis aí a operacionalidade mecânica da “síndrome aletofóbica”.
Desta forma, volto ao problema relacionado ao prólogo desta reflexão: será que a “heurística da verdade” deixou de ser objetivo cognitivo-moral da “razão libertadora” que se desenvolveu a partir do século 18? Por que desenvolvemos uma necessidade “compulsiva” para o consumo numa sociedade que se diz herdeira dos “postulados racionais” da filosofia do século das luzes? A síndrome de consumismo não estaria aí intimamente ligada à síndrome de aletofobia?
É fato que a sociedade do prazer decretou seu nómos (lei) de sobrevivência: o abandono intencional da fé cristã considerada, pelos herdeiros do niilismo nietzschiano, como “religião da repressão”. Se há um nómos que deva ser instituído na sociedade da mentira, esse deverá ser concebido na moldura ontológica de uma “ética do prazer”.5 A capacidade de discernimento psicocognitivo das pessoas, no entanto, se dissolverá completamente nela. O nómos aí opera com a lógica de sobrevivência de um “ego” faminto de autorrealização psicofísica.
Neste sentido, a sociedade que produziu a “morte de Deus” é a mesma que criou sua própria sepultura no cemitério da “deseticização do senso do dever”. O amoralismo instituído na sociedade do prazer dissolveu a consciência dos limites éticos para a sobrevivência moral do ego. Não se busca mais nela um princípio de legitimação ética em relação aos valores de uma existência fundamentada no “ethos da verdade”. Pois a ontologia da verdade, neste ambiente sociocultural, reprime a vontade e produz a doença do ego. A “morte de Deus” conduziu a sociedade do prazer ao fenômeno da “morte do ethos da verdade”, algo mais grave do que a “morte do sujeito” preconizada na epistemologia do estruturalismo de Michel Foucault.
Ora, sem o holofote da verdade, estruturado no esqueleto traditivo da fé cristã, o senso de direção moral do ser humano acaba escoando para o vácuo de uma existência insignificante. A fé cristã fincou sua tradição moral no ethos da verdade. Pois nele ela entendeu que a existência humana não perderia sua identidade, tampouco caminharia em direção ao futuro sem o Logos da esperança.
O declínio da tradição no Ocidente cristão (ou pós-cristão) representa uma obliteração psicológica tanto do olhar prospectivo da existência humana em direção ao seu futuro na História, quanto do futuro da interação do ego com o alter na dinâmica relacional do capital afetivo. A necessidade de produzir uma falsa identidade para justificar a durabilidade pretendida da interação “eu-tu” acaba assumindo a função de reforço de uma “cultura da não-repressão”, o que acaba por produzir no ser humano uma incurável “alergia à/da verdade”.
Mas a existência humana trás consigo ainda uma outra marca de sua contingência histórica: a constatação de um irredutível “déficit ontológico”.4 O hiato que separa o presente do futuro foi compreendido pela filosofia da esperança nos termos de uma “alienação ontológica” (Ernst Bloch). Nela, a consciência de incompletude na História torna o sujeito humano consciente de sua condição de “insaciabilidade constitutiva”. A autorrealização inalienante só pode ser então uma condição humana projetada para um futuro escatológico (ultimum) compreendido como “pátria da identidade”: situação de reconciliação plena do ser humano consigo mesmo, com o próximo e com a natureza.
Neste ínterim contingencial (entre o presente e o futuro), o ser humano se vê como um “ser incompleto”. É nele que ele constata seu “déficit ontológico”. Mas esta constatação não nasce de sua consciência histórica, mas sim de sua “interação” com outros sujeitos. Pois nela a avaliação das competências morais, estéticas ou cognitivas é processada na dinâmica de uma eleição de predicados. Por esta razão, há sempre a intenção de se construir uma “autoimagem” condicionada pela expectativa que se move do “Tu” em relação ao “Eu” no processo de interatividade.
Frequentemente, o retrato que revela a autoimagem do “ego” é moldado pela expectativa que o “alter” produz em sua consciência (do ego) na interação. O medo de ser rejeitado pelo “outro” acaba produzindo no “eu” a necessidade de “alterar semanticamente” os elementos estruturantes/constitutivos de sua própria identidade-personalidade. Assumir predicados alheios quase sempre pode ser um meio de se construir pontes para a socialização das diferenças sem que esta produza a experiência do trauma, da vergonha e da autonegação. A necessidade de se esconder do outro torna a “produção do falso” um hábito convencional dos processos interativos na sociedade da mentira. Eis aí a operacionalidade mecânica da “síndrome aletofóbica”.
Desta forma, volto ao problema relacionado ao prólogo desta reflexão: será que a “heurística da verdade” deixou de ser objetivo cognitivo-moral da “razão libertadora” que se desenvolveu a partir do século 18? Por que desenvolvemos uma necessidade “compulsiva” para o consumo numa sociedade que se diz herdeira dos “postulados racionais” da filosofia do século das luzes? A síndrome de consumismo não estaria aí intimamente ligada à síndrome de aletofobia?
É fato que a sociedade do prazer decretou seu nómos (lei) de sobrevivência: o abandono intencional da fé cristã considerada, pelos herdeiros do niilismo nietzschiano, como “religião da repressão”. Se há um nómos que deva ser instituído na sociedade da mentira, esse deverá ser concebido na moldura ontológica de uma “ética do prazer”.5 A capacidade de discernimento psicocognitivo das pessoas, no entanto, se dissolverá completamente nela. O nómos aí opera com a lógica de sobrevivência de um “ego” faminto de autorrealização psicofísica.
Neste sentido, a sociedade que produziu a “morte de Deus” é a mesma que criou sua própria sepultura no cemitério da “deseticização do senso do dever”. O amoralismo instituído na sociedade do prazer dissolveu a consciência dos limites éticos para a sobrevivência moral do ego. Não se busca mais nela um princípio de legitimação ética em relação aos valores de uma existência fundamentada no “ethos da verdade”. Pois a ontologia da verdade, neste ambiente sociocultural, reprime a vontade e produz a doença do ego. A “morte de Deus” conduziu a sociedade do prazer ao fenômeno da “morte do ethos da verdade”, algo mais grave do que a “morte do sujeito” preconizada na epistemologia do estruturalismo de Michel Foucault.
Ora, sem o holofote da verdade, estruturado no esqueleto traditivo da fé cristã, o senso de direção moral do ser humano acaba escoando para o vácuo de uma existência insignificante. A fé cristã fincou sua tradição moral no ethos da verdade. Pois nele ela entendeu que a existência humana não perderia sua identidade, tampouco caminharia em direção ao futuro sem o Logos da esperança.
O declínio da tradição no Ocidente cristão (ou pós-cristão) representa uma obliteração psicológica tanto do olhar prospectivo da existência humana em direção ao seu futuro na História, quanto do futuro da interação do ego com o alter na dinâmica relacional do capital afetivo. A necessidade de produzir uma falsa identidade para justificar a durabilidade pretendida da interação “eu-tu” acaba assumindo a função de reforço de uma “cultura da não-repressão”, o que acaba por produzir no ser humano uma incurável “alergia à/da verdade”.
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