Opinião
- 13 de julho de 2018
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Sexualidade, verdade e graça
Por David Riker
Aproximamo-nos de um grupo de travestis. A intenção era gerar amizade. Não queríamos lançar folhetos “apocalípticos” e expulsar pombas giratórias (ou qualquer outra entidade voadora). Nosso objetivo era descobrir as pessoas por trás dos estigmas da prostituição e partilhar um pouco sobre Cristo, sobre nós.
Naquele ambiente, alguns tinham histórias problemáticas com a igreja, cujo representante era eu, filho obediente, “escolhendo esperar” e lidando com masturbação adolescente, além de um punhado de pornografia. Ali, diante da promíscua comercialização do sexo, tudo que eu tinha a confessar parecia inviolada castidade. A pergunta que me impunha na ocasião era:
Como a igreja deve responder a este ambiente sexual contemporâneo?
Primeiramente, precisamos desenvolver nossa capacidade de acolhimento e dar cabo à missão seminal da igreja: proclamar as Escrituras a todos, cuidando para que nem o interlocutor, nem o conteúdo da mensagem (nem o Senhor da mensagem) sejam desrespeitados. Para tanto, podemos tomar como paradigma a fala de João: “[Jesus] era cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Aqui, deixo uma ressalva: para muitos, graça e verdade parecem ser antagônicas. Geralmente, isto se dá por confundirmos graça com aprovação irrestrita às escolhas e comportamentos, e na contra mão, por acharmos que ter a verdade e defender a sã doutrina (verdade e sã doutrina: sinônimos) nos autoriza a usar expedientes arrogantes no trato com aqueles que consideramos imorais/diferentes. Em suma, a igreja precisa das duas “pernas” (graça e verdade), senão será manca e perigosa.
Vamos refletir mais nestas duas espécies de “manquidão”:
1. O “gracismo” e o Deus amoral (graça sem verdade): Imagine um Deus que sempre concorda com você. Não se engane: esse Deus lhe é inútil; esse Deus é você divinizado; esse Deus é inimigo do seu amadurecimento. Assim é o teísmo concebido por aquilo ironicamente chamado neste texto de “gracismo”. Nele, o evangelho não produz desafios à maturidade, nem renuncia às mentiras nas quais baseamos nossas falsas identidades e comportamentos, não há arrependimento nem vereda escura que se torna dia (Pv 4.18). Em resumo, “gracismo” é o barateamento e degeneração populista de um dos mais caros conceitos da verdade bíblica, a saber: a graça que nos educa a “renegar às paixões mundanas e a viver de maneira sensata (...) na presente era” (Tt 2.11).
Voltemos a imaginar uma Bíblia reinterpretada para não ferir as sensibilidades contemporâneas, uma de versão “Nutela”; um Novo Testamento atingido por um raio relativizante pelo qual são enxertadas polêmicas inexistentes na época de Cristo. Exemplo? O casamento gay. Coisa nem sequer mencionada nas Escrituras que consagram definitivamente o casamento homem/mulher. Imagine um Deus emasculado incapaz de condenar moralmente nada nem ninguém, por isso amoral e amigão da galera. Enfim, longe disso, a graça de Deus é a intenção longânime do Criador de nos resgatar desta “bolha” infantilizadora e nos ensinar quem somos.
2. Legalismo e os (des)assessores de Cristo (verdade sem graça): veem a verdade como rolo compressor cuja energia é oriunda do seu próprio desempenho. Para aprofundarmos, voltemos a falar da noite com travestis. Minha tentação ali era considerar-me superior, menos carente da misericórdia de Deus devido ao meu curriculum moral. Pois bem, aí se encontra parte da igreja, que se arvora orgulhosa, auto justificada, embaraçando certas pessoas que desejam se aproximar do Pai. Em geral, julgam tudo pela aparência e não entendem que transformações levam tempo.
Vamos mais fundo nisto. O evangelho de Marcos registra crianças tentando chegar a Jesus (Mc 10.13-14). Os pequenos foram impedidos e seus pais repreendidos. Quem as embargou? (ainda não respondo).
Seguindo o mesmo capítulo, vemos um cego rogando compaixão a Jesus (10. 47-49). Sem meio termo, foi repreendido, afinal, no juízo de alguns que acompanhavam o Mestre, o deficiente estava atrapalhando a cruzada evangelística. Repergunto: quais sujeitos tomaram tal atitude contraditória? (Sem spoiler).
Por último, vamos a outro episódio exemplar. Nele há uma mulher, um poço, um Rabi. É João 4.27. Lá, pessoas próximas a Cristo “se admiravam de que [Jesus] estivesse falando com uma mulher”. Quem se escandalizou?
Três questões, uma só resposta. Aqueles discípulos ou pessoas que acompanhavam Cristo. Estes definiam as pessoas a partir de seus critérios artificiais sobre quem podia ou não estar com Ele. Tal atitude indignou Jesus que agiu no sentido contrário promovendo empatia e acessibilidade completas.
Para finalizar, vale considerarmos a verdade e a graça como parte uma da outra. Capaz de encher o Filho, como nos diz João, e, hábil para travestir a igreja da bendita disposição de amar a todos sem se desconstruir.
• David Riker é casado e pai de um casal de filhos. É graduado em Teologia e Arte-educação e graduando em Filosofia. Ademais, pela graça de Deus, serve como pastor na Terceira Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte/MG além de liderar o Ministério SER e a Rede Ministerial Exodus Brasil, cujo objetivo é a capacitação da igreja para atuar diante dos conflitos contemporâneos da sexualidade.
Leia mais
» Escola SER aborda a cosmovisão cristã frente aos desafios da sexualidade
» A sexualidade na igreja: vida, luz e santidade
Aproximamo-nos de um grupo de travestis. A intenção era gerar amizade. Não queríamos lançar folhetos “apocalípticos” e expulsar pombas giratórias (ou qualquer outra entidade voadora). Nosso objetivo era descobrir as pessoas por trás dos estigmas da prostituição e partilhar um pouco sobre Cristo, sobre nós.
Naquele ambiente, alguns tinham histórias problemáticas com a igreja, cujo representante era eu, filho obediente, “escolhendo esperar” e lidando com masturbação adolescente, além de um punhado de pornografia. Ali, diante da promíscua comercialização do sexo, tudo que eu tinha a confessar parecia inviolada castidade. A pergunta que me impunha na ocasião era:
Como a igreja deve responder a este ambiente sexual contemporâneo?
Primeiramente, precisamos desenvolver nossa capacidade de acolhimento e dar cabo à missão seminal da igreja: proclamar as Escrituras a todos, cuidando para que nem o interlocutor, nem o conteúdo da mensagem (nem o Senhor da mensagem) sejam desrespeitados. Para tanto, podemos tomar como paradigma a fala de João: “[Jesus] era cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Aqui, deixo uma ressalva: para muitos, graça e verdade parecem ser antagônicas. Geralmente, isto se dá por confundirmos graça com aprovação irrestrita às escolhas e comportamentos, e na contra mão, por acharmos que ter a verdade e defender a sã doutrina (verdade e sã doutrina: sinônimos) nos autoriza a usar expedientes arrogantes no trato com aqueles que consideramos imorais/diferentes. Em suma, a igreja precisa das duas “pernas” (graça e verdade), senão será manca e perigosa.
Vamos refletir mais nestas duas espécies de “manquidão”:
1. O “gracismo” e o Deus amoral (graça sem verdade): Imagine um Deus que sempre concorda com você. Não se engane: esse Deus lhe é inútil; esse Deus é você divinizado; esse Deus é inimigo do seu amadurecimento. Assim é o teísmo concebido por aquilo ironicamente chamado neste texto de “gracismo”. Nele, o evangelho não produz desafios à maturidade, nem renuncia às mentiras nas quais baseamos nossas falsas identidades e comportamentos, não há arrependimento nem vereda escura que se torna dia (Pv 4.18). Em resumo, “gracismo” é o barateamento e degeneração populista de um dos mais caros conceitos da verdade bíblica, a saber: a graça que nos educa a “renegar às paixões mundanas e a viver de maneira sensata (...) na presente era” (Tt 2.11).
Voltemos a imaginar uma Bíblia reinterpretada para não ferir as sensibilidades contemporâneas, uma de versão “Nutela”; um Novo Testamento atingido por um raio relativizante pelo qual são enxertadas polêmicas inexistentes na época de Cristo. Exemplo? O casamento gay. Coisa nem sequer mencionada nas Escrituras que consagram definitivamente o casamento homem/mulher. Imagine um Deus emasculado incapaz de condenar moralmente nada nem ninguém, por isso amoral e amigão da galera. Enfim, longe disso, a graça de Deus é a intenção longânime do Criador de nos resgatar desta “bolha” infantilizadora e nos ensinar quem somos.
2. Legalismo e os (des)assessores de Cristo (verdade sem graça): veem a verdade como rolo compressor cuja energia é oriunda do seu próprio desempenho. Para aprofundarmos, voltemos a falar da noite com travestis. Minha tentação ali era considerar-me superior, menos carente da misericórdia de Deus devido ao meu curriculum moral. Pois bem, aí se encontra parte da igreja, que se arvora orgulhosa, auto justificada, embaraçando certas pessoas que desejam se aproximar do Pai. Em geral, julgam tudo pela aparência e não entendem que transformações levam tempo.
Vamos mais fundo nisto. O evangelho de Marcos registra crianças tentando chegar a Jesus (Mc 10.13-14). Os pequenos foram impedidos e seus pais repreendidos. Quem as embargou? (ainda não respondo).
Seguindo o mesmo capítulo, vemos um cego rogando compaixão a Jesus (10. 47-49). Sem meio termo, foi repreendido, afinal, no juízo de alguns que acompanhavam o Mestre, o deficiente estava atrapalhando a cruzada evangelística. Repergunto: quais sujeitos tomaram tal atitude contraditória? (Sem spoiler).
Por último, vamos a outro episódio exemplar. Nele há uma mulher, um poço, um Rabi. É João 4.27. Lá, pessoas próximas a Cristo “se admiravam de que [Jesus] estivesse falando com uma mulher”. Quem se escandalizou?
Três questões, uma só resposta. Aqueles discípulos ou pessoas que acompanhavam Cristo. Estes definiam as pessoas a partir de seus critérios artificiais sobre quem podia ou não estar com Ele. Tal atitude indignou Jesus que agiu no sentido contrário promovendo empatia e acessibilidade completas.
Para finalizar, vale considerarmos a verdade e a graça como parte uma da outra. Capaz de encher o Filho, como nos diz João, e, hábil para travestir a igreja da bendita disposição de amar a todos sem se desconstruir.
• David Riker é casado e pai de um casal de filhos. É graduado em Teologia e Arte-educação e graduando em Filosofia. Ademais, pela graça de Deus, serve como pastor na Terceira Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte/MG além de liderar o Ministério SER e a Rede Ministerial Exodus Brasil, cujo objetivo é a capacitação da igreja para atuar diante dos conflitos contemporâneos da sexualidade.
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