Opinião
- 06 de agosto de 2010
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Saudade do meu velho
Marcos Amazonas
Parecia que seria um dia como outro qualquer. Um dia normal, dentro das atividades normais. Levantei-me cedo para levar os filhos à escola e depois encontrei-me com um amigo para levá-lo ao aeroporto. Decidi pegar alguns CD’s para podermos ouvir durante o percurso que faríamos.
A vida nos apronta cada surpresa. Estávamos falando tranquilamente. Conversamos sobre família e, sem perceber, o CD que ouvíamos era “A Luz do Solo”, de Toquinho. Fui levado para minha querida Manaus, minha terra natal, que trago impregnada em mim. Lembrei-me das tardes que ficava deliciando-me com as músicas de Vinícius e Toquinho. Foi neste momento que bateu uma saudade danada do meu “velho”.
Falei ao meu amigo que o “velho” era especial, mas disse-lhe que a minha grande confidente era minha mãe. Ela foi modelo de cristianismo. Mas meu Pai, ah, o “velho” era especial.
A saudade chegou sem pedir permissão. Alojou-se no meu peito e apertou todo meu ser. Deixou-me sem palavras, com um grande nó na garganta...
Minha memória é musical. Tenho músicas para ocasiões especiais da minha vida e para pessoas especiais, e o meu “velho” era muito especial. Aquele jeito brincalhão dele... amigo dos seus amigos. Generoso e uma pessoa que dizia o que tinha que ser dito sem medo. O “velho” era um cara sensacional, alguém que amou do seu jeito, e isto foi complicado no princípio, mas lembro-me do dia da formatura da minha irmã em direito. Ele estava realizado. Já não era o mesmo, estava debilitado por causa dos AVCs, mas falamos e disse-lhe que o seu grande sonho estava concretizado, pois agora tinha um filho formado em direito e ele me disse que ainda havia tempo para eu estudar.
Falei um pouco com o meu “velho” e naquele dia ele falou com a voz embargada que nunca nos pode dar grandes coisas, mas deu-nos o que podia: educação e um nome. Disse-lhe que ele nos tinha dado o melhor. Falei que sentia orgulho de tê-lo como pai. Como gosto de contar suas histórias e ouvir as histórias acerca daquele “velho”...
O CD de Toquinho ficou tocando o tempo todo. Ouvi o CD o dia todo. Ouvi a música com meu filho que se encanta com a musicalidade de Toquinho, mas eu a ouvia recordando aquele adolescente que desfrutava momentos a escutar músicas no seu aparelho 3 em 1. Lembrei daquele menino que sonhava com o seu futuro ao ouvir a canção “O Filho Que Eu Quero Ter”. Imaginava-me como meu “velho”, querendo ser como ele, e hoje olho e vejo que paradoxalmente tudo aquilo que eu negava naquele Velho carrego em mim. Seus gestos e trejeitos. A aparência física e até mesmo a capacidade de falar que ele tinha como um dom natural.
Vai fazer dois anos que meu “velho” dormiu. Parece que foi ontem; tive a oportunidade de dizer-lhe adeus. Saí de Coimbra para Manaus só para me despedir. E pude dizer ao meu “velho” o que diz a canção de Toquinho:
“Dorme meu pai sem cuidado,
Dorme que ao entardecer,
Teu filho sonha acordado,
Com o filho que ele quer ter”
Sonhei antes com o filho que queria ter. Hoje tenho um filho, mas tive a oportunidade e o privilégio de dizer ao meu “velho” que podia dormir descansado, pois nós estávamos bem.
Só espero que meus filhos um dia tenham o mesmo orgulho do pai como eu tive e tenho do meu “velho”, que foi colega de ministério, amigo, pai e acima de tudo irmão.
• Marcos Amazonas, “caboclo amazonense”, é pastor da Igreja Batista em Coimbra, Portugal.
Siga-nos no Twitter!
Parecia que seria um dia como outro qualquer. Um dia normal, dentro das atividades normais. Levantei-me cedo para levar os filhos à escola e depois encontrei-me com um amigo para levá-lo ao aeroporto. Decidi pegar alguns CD’s para podermos ouvir durante o percurso que faríamos.
A vida nos apronta cada surpresa. Estávamos falando tranquilamente. Conversamos sobre família e, sem perceber, o CD que ouvíamos era “A Luz do Solo”, de Toquinho. Fui levado para minha querida Manaus, minha terra natal, que trago impregnada em mim. Lembrei-me das tardes que ficava deliciando-me com as músicas de Vinícius e Toquinho. Foi neste momento que bateu uma saudade danada do meu “velho”.
Falei ao meu amigo que o “velho” era especial, mas disse-lhe que a minha grande confidente era minha mãe. Ela foi modelo de cristianismo. Mas meu Pai, ah, o “velho” era especial.
A saudade chegou sem pedir permissão. Alojou-se no meu peito e apertou todo meu ser. Deixou-me sem palavras, com um grande nó na garganta...
Minha memória é musical. Tenho músicas para ocasiões especiais da minha vida e para pessoas especiais, e o meu “velho” era muito especial. Aquele jeito brincalhão dele... amigo dos seus amigos. Generoso e uma pessoa que dizia o que tinha que ser dito sem medo. O “velho” era um cara sensacional, alguém que amou do seu jeito, e isto foi complicado no princípio, mas lembro-me do dia da formatura da minha irmã em direito. Ele estava realizado. Já não era o mesmo, estava debilitado por causa dos AVCs, mas falamos e disse-lhe que o seu grande sonho estava concretizado, pois agora tinha um filho formado em direito e ele me disse que ainda havia tempo para eu estudar.
Falei um pouco com o meu “velho” e naquele dia ele falou com a voz embargada que nunca nos pode dar grandes coisas, mas deu-nos o que podia: educação e um nome. Disse-lhe que ele nos tinha dado o melhor. Falei que sentia orgulho de tê-lo como pai. Como gosto de contar suas histórias e ouvir as histórias acerca daquele “velho”...
O CD de Toquinho ficou tocando o tempo todo. Ouvi o CD o dia todo. Ouvi a música com meu filho que se encanta com a musicalidade de Toquinho, mas eu a ouvia recordando aquele adolescente que desfrutava momentos a escutar músicas no seu aparelho 3 em 1. Lembrei daquele menino que sonhava com o seu futuro ao ouvir a canção “O Filho Que Eu Quero Ter”. Imaginava-me como meu “velho”, querendo ser como ele, e hoje olho e vejo que paradoxalmente tudo aquilo que eu negava naquele Velho carrego em mim. Seus gestos e trejeitos. A aparência física e até mesmo a capacidade de falar que ele tinha como um dom natural.
Vai fazer dois anos que meu “velho” dormiu. Parece que foi ontem; tive a oportunidade de dizer-lhe adeus. Saí de Coimbra para Manaus só para me despedir. E pude dizer ao meu “velho” o que diz a canção de Toquinho:
“Dorme meu pai sem cuidado,
Dorme que ao entardecer,
Teu filho sonha acordado,
Com o filho que ele quer ter”
Sonhei antes com o filho que queria ter. Hoje tenho um filho, mas tive a oportunidade e o privilégio de dizer ao meu “velho” que podia dormir descansado, pois nós estávamos bem.
Só espero que meus filhos um dia tenham o mesmo orgulho do pai como eu tive e tenho do meu “velho”, que foi colega de ministério, amigo, pai e acima de tudo irmão.
• Marcos Amazonas, “caboclo amazonense”, é pastor da Igreja Batista em Coimbra, Portugal.
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