Opinião
- 23 de março de 2021
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Salvar vidas ou proteger a economia?
Por William Lane
Desde o início da pandemia e as primeiras medidas dos governos estaduais e municipais para conter o avanço da doença, o isolamento e as restrições têm sido apresentados de modo polarizado como uma escolha entre vida e economia. Um ano depois do início da pandemia estamos enfrentando de modo ainda mais intenso a questão uma vez que o sistema de saúde está colapsando. Os governantes, obviamente, continuam reticentes quanto a um fechamento radical do comércio e de todas as atividades uma vez que o custo econômico disso é muito alto. Por outro lado, há fortes recomendações de epidemiologistas de que o lockdown é inevitável e a única saída para salvar vidas e permitir que o sistema de saúde consiga ainda atender a todos.
Além de tantas questões políticas e práticas que estão em jogo, há naturalmente uma questão de fundo de caráter ético. Na ética estudamos não só os valores e comportamentos morais, mas, sobretudo, se é possível falar de valores absolutos. O absolutismo ético pressupõe que existe, sim, um certo e errado. Contraria, assim, um relativismo ou um utilitarismo que entendem que o certo e errado são circunstanciais ou dependem da finalidade e utilidade que se têm em vista.
Mas mesmo no absolutismo ético, há diferentes perspectivas. Numa perspectiva, chamada por alguns de absolutismo não qualificado, há regras invioláveis. Quando duas regras estão em conflito, esse conflito é apenas aparente, pois as regras não se conflitam, mas, ainda que seja preciso escolher entre uma e outra, não há como negar que uma regra absoluta foi quebrada. Neste caso, o conflito entre salvar vidas e preservar a economia é um conflito aparente. Só existe uma regra inviolável que é a vida. Em outra perspectiva, admite-se o conflito de valores e regras absolutas e quando isso acontece, escolhe-se o “mau menor”. Ainda que o indivíduo tenha de responder pela violação de uma regra absoluta, a sua transgressão é justificada. Este é o caso, por exemplo, que justificaria tirar a vida de alguém que está ameaçando outras vidas. Matar entra em conflito com preservar a vida, mas matar alguém que está ameaçando a vida de outros, em última instância, é também preservar vidas. Mas há também um absolutismo que pressupõe que existe uma hierarquia de regras e valores. Desse modo, salvar vidas se sobrepõe à necessidade de salvar a economia. Embora pareça resolver essa questão em particular, não é tão simples, uma vez que, como também tem sido repetidamente lembrado, uma economia estagnada também coloca em risco a vida das pessoas.
Provavelmente seja esse um dos motivos que tem levado os governantes e gestores a resistirem a medidas mais restritivas mesmo diante da grave crise sanitária do país. Além da impopularidade das medidas e da pressão que sofrem de setores da economia, os governantes receiam comprometer a atividade econômica. Deste modo, o aparente conflito entre salvar vidas e preservar a atividade econômica, no fundo, é uma só: salvar vidas, seja por medidas sanitárias ou por medidas econômicas. Até aqui o país tem tomado uma posição conciliatória e evitado restrições mais enérgicas e defendido o distanciamento em vez do isolamento. Entretanto, ainda não chegamos a resultados satisfatórios nem quanto a evitar mortes nem quanto à preservação da economia. Ambas estão em risco.
Mas, talvez, exista uma peça nesse quebra-cabeça que pode ser determinante. É a responsabilidade individual. Independente das medidas que vigoram, cada indivíduo responde por seus atos e decisões. É verdade que a liberdade que as pessoas assumem colocam em risco não só suas próprias vidas, mas a de outros. Infelizmente parece prevalecer o valor do direito particular. Muitos contestam as medidas restritivas porque elas lhes negam o seu direito de ir e vir, ou de cultuar a Deus na igreja, etc. Mas é óbvio. Muitas vezes precisamos sacrificar um direito social para preservar nossa própria vida e a de outros. Lamentavelmente, só perceberemos isso quando a enfermidade nos atingir pessoalmente. Porém, quando estivermos em uma cama de hospital (se houver uma disponível), tenho certeza que não brigaremos pelo direito de ir e vir. Reivindicamos o direito de acesso ao tratamento da saúde.
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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