Opinião
- 16 de fevereiro de 2007
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Sair da caverna
por Carlos Nejar
"Perdoamos aos outros quando nos convém" — admitiu o escritor italiano Cesare Pavese.
E não nos lembramos que perdoar é a única forma de nos libertarmos. E o maior peso não é o outro. Somos nós e os nossos altos conceitos. Entramos como Elias na caverna, este eu aterrador, informe, escondendo-nos de sentir e pensar, não existindo mais nada, senão o nosso clamor ou desespero. E Deus chamou Elias para fora da caverna com voz doce e delicada, tal como nos chama — porque não é a úmida escuridão nossa casa. Não nos conformamos sem a luz.
O fato é que perdemos a noção do nosso ridículo e nos tomamos muito a sério. Sair da caverna é uma exigência não só de plenitude, por não podermos nos isolar. É exigência da respiração no corpo, a comunidade da Igreja, onde o Senhor, acima das denominações, “procura nesta hora, os verdadeiros adoradores, que o adorem em Espírito e Verdade”.
Sim, nos levamos muito a sério, por nos acharmos importantes, sem nos darmos conta de que não é Deus que carece de nós, nós é que carecemos de Deus.
E na medida em que formos capazes de rir um pouco do que fazemos, começaremos a ver, com olhos livres, com mais misericórdia, como os demais agem. O que nos torna tão peremptórios, se somos falíveis? Perdoar é esquecer, ainda que as cicatrizes demorem a sair da pele da alma. Há que esquecer, assim como temos que aprender — até por sobrevivência — a nos perdoar. É o começo do amor. E se não nos amarmos, de que maneira amaremos o próximo, que vemos, ou ao Senhor, que não vemos ?
Há um texto bíblico que me toca: “...do rio de Deus que está cheio de água” (Sl 65.9). E está tão pleno, que é um rio de rios, de água límpida e corrente: o mesmo que procede do trono do Altíssimo. Este rio de Deus nos purifica com a palavra, pão, que atirado, adiante se recolhe. Este rio de Deus faz frutificar o coração do homem. E apenas nessas águas é que saciamos a sede, bebemos perdão, piedade, lavando as feridas.
E não nos iludamos, leitores, apenas Deus nos satisfaz. Criou-nos com um espaço que é só dele e ninguém ou nada preencherá.
Perdoamos aos outros quando nos convém? Perdoamos aos outros, porque também necessitamos ser perdoados. E como a perfeição não é atributo humano, teremos que conviver — ainda que relutando — com a fraqueza, a penúria, o erro, e mesmo a traição. Difícil coisa é essa! Porém indispensável. E é na dependência e fraqueza que Deus opera. Por isso: diz o fraco, sou forte!”
Há que ter neste século atribulado, a alma descalça, atentando para o belo, o bom, reparando com mais avidez os amanheceres e crepúsculos, menos ao tempo, mais soltos, libertos em Deus. Ele está em nós, mas por que não ousar além, penetrando no seu terrível e miraculoso território, nadando em suas águas purificadoras, deixando que o Espírito nos conduza de uma margem à outra. Atravessar a nado Deus, o espantoso e sempre jovem rio de Deus. Iniciando, aqui, a Eternidade.
• Carlos Nejar, poeta, crítico e ficcionista, é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia. É autor de “Todas as Fontes estão em Ti” (Editora Hagnos) e “Rio Pampa — o moinho das tribulações” (Editora Bertrand Brasil).
"Perdoamos aos outros quando nos convém" — admitiu o escritor italiano Cesare Pavese.
E não nos lembramos que perdoar é a única forma de nos libertarmos. E o maior peso não é o outro. Somos nós e os nossos altos conceitos. Entramos como Elias na caverna, este eu aterrador, informe, escondendo-nos de sentir e pensar, não existindo mais nada, senão o nosso clamor ou desespero. E Deus chamou Elias para fora da caverna com voz doce e delicada, tal como nos chama — porque não é a úmida escuridão nossa casa. Não nos conformamos sem a luz.
O fato é que perdemos a noção do nosso ridículo e nos tomamos muito a sério. Sair da caverna é uma exigência não só de plenitude, por não podermos nos isolar. É exigência da respiração no corpo, a comunidade da Igreja, onde o Senhor, acima das denominações, “procura nesta hora, os verdadeiros adoradores, que o adorem em Espírito e Verdade”.
Sim, nos levamos muito a sério, por nos acharmos importantes, sem nos darmos conta de que não é Deus que carece de nós, nós é que carecemos de Deus.
E na medida em que formos capazes de rir um pouco do que fazemos, começaremos a ver, com olhos livres, com mais misericórdia, como os demais agem. O que nos torna tão peremptórios, se somos falíveis? Perdoar é esquecer, ainda que as cicatrizes demorem a sair da pele da alma. Há que esquecer, assim como temos que aprender — até por sobrevivência — a nos perdoar. É o começo do amor. E se não nos amarmos, de que maneira amaremos o próximo, que vemos, ou ao Senhor, que não vemos ?
Há um texto bíblico que me toca: “...do rio de Deus que está cheio de água” (Sl 65.9). E está tão pleno, que é um rio de rios, de água límpida e corrente: o mesmo que procede do trono do Altíssimo. Este rio de Deus nos purifica com a palavra, pão, que atirado, adiante se recolhe. Este rio de Deus faz frutificar o coração do homem. E apenas nessas águas é que saciamos a sede, bebemos perdão, piedade, lavando as feridas.
E não nos iludamos, leitores, apenas Deus nos satisfaz. Criou-nos com um espaço que é só dele e ninguém ou nada preencherá.
Perdoamos aos outros quando nos convém? Perdoamos aos outros, porque também necessitamos ser perdoados. E como a perfeição não é atributo humano, teremos que conviver — ainda que relutando — com a fraqueza, a penúria, o erro, e mesmo a traição. Difícil coisa é essa! Porém indispensável. E é na dependência e fraqueza que Deus opera. Por isso: diz o fraco, sou forte!”
Há que ter neste século atribulado, a alma descalça, atentando para o belo, o bom, reparando com mais avidez os amanheceres e crepúsculos, menos ao tempo, mais soltos, libertos em Deus. Ele está em nós, mas por que não ousar além, penetrando no seu terrível e miraculoso território, nadando em suas águas purificadoras, deixando que o Espírito nos conduza de uma margem à outra. Atravessar a nado Deus, o espantoso e sempre jovem rio de Deus. Iniciando, aqui, a Eternidade.
• Carlos Nejar, poeta, crítico e ficcionista, é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia. É autor de “Todas as Fontes estão em Ti” (Editora Hagnos) e “Rio Pampa — o moinho das tribulações” (Editora Bertrand Brasil).
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