Opinião
- 21 de fevereiro de 2022
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Rookmaaker e o significado da arte
Por José de Segovia
Muitos continuamos crendo, como ele, que “toda vida e realidade está relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ação e sentimento é, em certo sentido, religião”.
Este ano é o centenário do melhor amigo de Francis Schaeffer – de acordo com a biografia de Colin Duriez –, o holandês Hans Rookmaaker (1922-1977). Esse professor mudou a visão da arte de muitos evangélicos. A melhor introdução a seu pensamento é uma série de conferências publicadas em espanhol em 1995 sob o título El arte no necesita justificación (A Arte Não Precisa de Justificativa, Ultimato, 2010). A Facultad Latinoamericana de Estudios Teológicos também reeditou recentemente o livro intitulado A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura (Ultimato, 2015).
Essa obra pretende “mostrar a relação entre a grande revolução cultural de nosso tempo e o espírito geral da época”, com exemplos provenientes geralmente da pintura, embora também haja citações de músicos dos anos 60 como Bob Dylan ou Paul Simon. Sua tese fundamental é que a arte é sempre “uma interpretação de uma certa visão da realidade”. Por isso a arte moderna, segundo Rookmaaker, reflete uma cultura agonizante, que parte da Era da Razão, ou Iluminismo. O livro traça as origens desse movimento de uma forma clara e comovente. Não é um livro sistemático. Às vezes é algo repetitivo, mas tem uma mensagem poderosa.
Rookmaaker significa em holandês “aquele que faz fumaça”, apropriado para alguém que todos recordam com uma imagem tão incomum no mundo evangélico como a de um fumante empedernido. Os estudantes na Inglaterra costumavam chamá-lo carinhosamente de Rooky. Na Holanda, muitos iam à casa dele nas noites de domingo, quando Hans expunha a Epístola aos Romanos, cachimbo na mão, e respondia perguntas.
Tinha fama de extravagante e excêntrico. Em viagens à Grã-Bretanha a partir de 1967, o professor era conhecido pelas conversas até tarde da noite, que eram o pesadelo dos assessores dos Grupos Bíblicos Universitários que o acompanhavam. Os evangélicos norte-americanos ficavam escandalizados com suas palestras, em que mostrava slides que frequentemente incluíam a nudez. Usava ainda ilustrações musicais dos Beatles ou dos Rolling Stones, ou até mesmo do rock californiano mais ácido, como Grateful Dead ou Jefferson Airplane.
Vítima do nazismo
Rookmaaker vinha de uma família não cristã. Seu avô era um diplomata que abandonou o protestantismo ao se casar com uma católica e anunciar sua separação de qualquer igreja conhecida. Quando Hans nasceu em Haia, no início dos felizes ano 20, seus pais viviam entre Sumatra e a Holanda. Não foi batizado quando criança. Era bastante introvertido e cresceu protegico pelas duas irmãs, sempre mudando de casa. A guerra separou sua família entre os campos de concentração japoneses na Indonésia e as prisões nazistas na Polônia.
Na prisão nazista, o único livro a que Rookmaaker tinha acesso era a Bíblia. Em 1943, foi deportado junto com dez mil holandeses a um campo de guerra em Nuremberg. Ali passa fome, mas começa a fazer grandes descobertas na Escritura. Depois é levado para a Ucrânia, passa pelos pés dos montes Cárpatos e termina na costa báltica, continuando seus estudos pelo correio. Lá conhece um capitão chamado Mekkes, que mais tarde será professor de filosofia. Através dele, se torna cristão.
Amigo de Shaeffer
Após sua libertação, Hans fala de sua nova fé a uma das amigas que sobreviveram ao Holocausto. Anky trabalhava como secretária em Haia. Iam juntos ao cinema, mas ela não foi à igreja até o dia em que Rookmaaker foi batizado em uma Igreja Reformada Livre, uma denominação conservadora que havia saído da igreja reformada fundada pelo teólogo e primeiro-ministro holandês Abraham Kuyper. Anky tinha idéias orientais, como a reencarnação, mas quando se tornou cristã eles se casaram.
No meio protestante conservador no qual Hans e Anky circulavam, surgiu uma oportunidade de trabalho na primeira Conferência do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs, realizada em Amsterdã em 1948, como uma alternativa fundamentalista ao ecumênico Conselho Mundial de Igrejas que se estabeleceu nesse mesmo ano naquela cidade. Um jovem pastor presbiteriano norte-americano chamado Francis Schaeffer (1912-1984) militava então nas fileiras do neo-fundamentalismo que aquele concílio representava, com a separação da Igreja Presbiteriana Ortodoxa e do Seminário de Westminster após a morte de Machen, por uma disputa sobre o direito à liberdade de consciência de professores e estudantes, para fumar, beber ou dançar.
Aquele estudante que fumava cachimbo e perguntava sobre música negra chamou a atenção de Schaeffer, que se impressionou ainda com a conversão de Rookmaaker durante a guerra. Andaram pela cidade, tão interessados na conversa que Hans esqueceu de buscar Anky. Assim começou uma amizade que duraria a vida toda. Schaeffer foi depois enviado como missionário à Europa para trabalhar com crianças. Lá teve a crise de fé que o levou a começar uma comunidade nas montanhas em 1954, que chamou de L"Abri (Refúgio). Rookmaaker passou muito tempo lá conversando com não-crentes sobre a fé. Seu pensamento está por trás do livro de Schaeffer, A Arte e a Bíblia, publicado pela Ultimato em 2010.
Arte, música e cinema
Hans estudou História da Arte e fez seu doutorado sobre Gauguin. Ensinava em uma escola secundária e escrevia críticas de arte para um jornal, enquanto Anky continuava trabalhando como secretária em um hospital. Não tinham muito dinheiro. Ele gastava muito em livros e discos. A verdade é que era pouco prático, mas sua fé preenchia toda a sua vida. Começou uma reunião de oração em sua igreja, na qual foi escolhido como ancião nos anos 60. O teólogo e primeiro-ministro da Holanda Abraham Kuyper havia fundado a Universidade Livre de Amsterdã, inspirado por sua fé cristã. Lá Rookmaaker se tornou professor de História da Arte. Era muito popular entre os estudantes, que vinham de muitos países para estudar com ele. Saía com eles para ver galerias, e faziam até excursões à Alemanha.
Nos anos 60, visita várias universidades americanas, frequenta igrejas negras e conhece a famosa cantora gospel Mahalia Jackson. Publica então um livro sobre jazz, blues e spirituals, e chega a ser responsável pela conhecida coleção de discos chamada Riverside, que recuperava gravações desse tipo de música para a gravadora Fontana. Rookmaaker gostava de Bach, mas depois não se interessava por praticamente nada até as origens do jazz. Nisso, como em tantas outras coisas, não era nada convencional. Sua esposa costumava se levantar cedo, mas ele era praticamente intratável até o meio da manhã. Sua vida noturna o tornava incapaz de pronunciar qualquer palavra a essas horas que não fosse um gesto de irritação.
Rookmaaker lia muito, mas não romances, exceto os de C. S. Lewis. Não entendia nada de esporte, mas era um grande cinéfilo. Foi até mesmo membro do conselho estatal de censura de filmes que havia na Holanda. Suas decisões eram tão curiosas quanto era grande sua aversão ao moralismo. Preferia uma visão honesta da vida, por exemplo, ainda que mostrasse uma clara permissividade sexual, à violência gratuita dos filmes de ação. Aprovava por isso os obras de Buñuel ou Fellini, e rechaçava os filmes de Kung-Fu. Em 1962, publicou um livro sobre arte e entretenimento, que mostra seus critérios de avaliação a esse respeito.
Seu legado hoje
Em 1970, publica seu livro sobre arte moderna, dois anos depois de outro sobre a arte e o público de hoje. A obra foi traduzida para muitos idiomas. O jornal britânico Observer a escolheu como um dos livros do ano em 1972. Aqui encontramos uma autêntica perspectiva bíblica sobre a história da arte. Não muito depois, em 1977, Rookmaaker partia para o Senhor com um ataque cardíaco repentino, aos 55 anos de idade. Em seu funeral, tal como ele queria, foi tocado um dos spirituals de Mahalia Jackson.
Um de seus discípulos ingleses, Graham Birtwistle, o sucedeu na Universidade. Outros continuaram sua obra, como Marc de Klijn, um pintor e pianista de jazz que vinha de uma família artística de judeus não crentes, e que se tornara cristão através de Rookmaaker. Embora atualmente viva em Israel, ensinou ilustração para minha esposa na Academia Cristã de Belas Artes que foi fundada no final dos anos 70 na cidade de Kampen - onde estudei teologia, sendo membro de sua igreja.
Uma filha de Rookmaaker, Marleen, estudou musicologia. Tive a oportunidade de conhecê-la alguns anos atrás, em uma conferência sobre a Reforma em Wittenberg. Ela publicou a obra completa do pai em inglês, em seis volumes. Não há dúvida de que seu legado continua vivo hoje. Pois, como ele dizia, “a fé não é só uma questão de religião, da alma e de sua salvação no céu, mas da salvação de toda a pessoa, um modo de vida e pensamento que afeta todos os aspectos da vida humana”.
Muitos de nós continuamos a acreditar que “toda vida e realidade está relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ação e sentimento é, em certo sentido, religião”. Portanto, “não é só a alma em um sentido estritamente religioso que pertence a Deus, mas toda a vida”. Esses “grandes princípios bíblicos da Reforma dão resposta não só à questão de qual é a atitude cristã em relação à cultura, mas também qual deve ser a atitude do crente em relação a uma cultura não-cristã”.
Acredito, como ele, que “Deus quer que seu povo viva, já que ele é Deus de vida, de vida plena, em toda a realidade humana”. E que “Seus mandamentos não são simplesmente religiosos ou éticos, mas princípios básicos de vida”. Como Rookmaaker, para mim a arte não é uma questão de gosto. O que sempre me pergunto é o que ela diz sobre a vida humana. Acredito que aí está o seu significado.
• José de Segovia Barrón, pastor da Igreja Evangélica do bairro de San Pascual em Madrid. Professor da Faculdade Internacional de Teologia IBSTE de Castelldefels, do Centro Evangélico de Estudos Bíblicos (CEEB) de Barcelona, da Faculdade de Teologia UEBE (FTUEBE) de Alcobendas (Madrid) e da Escola de Estudos Bíblicos e Teológicos de Welwyn (Inglaterra). Autor dos livros Entrelíneas, Ocultismo, Historias Extrañas Sobre Jesús, El Príncipe Caspian y La Fe de C. S. Lewis, Huellas del Cristianismo en el Cine e El Asombro del Perdón. É casado com Anna, e tem quatro filhos: Lluvia, Natán, Noé e Edén.
Traduzido por Davi A. O. Pinto
Artigo originalmente publicado em Rookmaaker y el sentido del arte. Reproduzido com permissão.
Leia mais:
» Celebrando a vida com arte
» Fé Cristã e cultura pop: o que e como consumir?
Conheça mais:
> A Arte Não Precisa de Justificativa
> A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura
Muitos continuamos crendo, como ele, que “toda vida e realidade está relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ação e sentimento é, em certo sentido, religião”.
Este ano é o centenário do melhor amigo de Francis Schaeffer – de acordo com a biografia de Colin Duriez –, o holandês Hans Rookmaaker (1922-1977). Esse professor mudou a visão da arte de muitos evangélicos. A melhor introdução a seu pensamento é uma série de conferências publicadas em espanhol em 1995 sob o título El arte no necesita justificación (A Arte Não Precisa de Justificativa, Ultimato, 2010). A Facultad Latinoamericana de Estudios Teológicos também reeditou recentemente o livro intitulado A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura (Ultimato, 2015).
Essa obra pretende “mostrar a relação entre a grande revolução cultural de nosso tempo e o espírito geral da época”, com exemplos provenientes geralmente da pintura, embora também haja citações de músicos dos anos 60 como Bob Dylan ou Paul Simon. Sua tese fundamental é que a arte é sempre “uma interpretação de uma certa visão da realidade”. Por isso a arte moderna, segundo Rookmaaker, reflete uma cultura agonizante, que parte da Era da Razão, ou Iluminismo. O livro traça as origens desse movimento de uma forma clara e comovente. Não é um livro sistemático. Às vezes é algo repetitivo, mas tem uma mensagem poderosa.
Rookmaaker significa em holandês “aquele que faz fumaça”, apropriado para alguém que todos recordam com uma imagem tão incomum no mundo evangélico como a de um fumante empedernido. Os estudantes na Inglaterra costumavam chamá-lo carinhosamente de Rooky. Na Holanda, muitos iam à casa dele nas noites de domingo, quando Hans expunha a Epístola aos Romanos, cachimbo na mão, e respondia perguntas.
Tinha fama de extravagante e excêntrico. Em viagens à Grã-Bretanha a partir de 1967, o professor era conhecido pelas conversas até tarde da noite, que eram o pesadelo dos assessores dos Grupos Bíblicos Universitários que o acompanhavam. Os evangélicos norte-americanos ficavam escandalizados com suas palestras, em que mostrava slides que frequentemente incluíam a nudez. Usava ainda ilustrações musicais dos Beatles ou dos Rolling Stones, ou até mesmo do rock californiano mais ácido, como Grateful Dead ou Jefferson Airplane.
Vítima do nazismo
Rookmaaker vinha de uma família não cristã. Seu avô era um diplomata que abandonou o protestantismo ao se casar com uma católica e anunciar sua separação de qualquer igreja conhecida. Quando Hans nasceu em Haia, no início dos felizes ano 20, seus pais viviam entre Sumatra e a Holanda. Não foi batizado quando criança. Era bastante introvertido e cresceu protegico pelas duas irmãs, sempre mudando de casa. A guerra separou sua família entre os campos de concentração japoneses na Indonésia e as prisões nazistas na Polônia.
Seu pai morreu de ataque cardíaco durante a ocupação alemã, aos 55 anos. Com o fechamento da escola de marinha onde estudava, Hans começa a cursar engenharia em Delft. Torna-se um grande fã de jazz, e em um baile conhece sua namorada, uma judia chamada Riekie. Quando seus amigos começam a ser enviados para campos de extermínio, Hans decide começar a colaborar com a Resistência, distribuindo um jornal clandestino, até finalmente ser preso. Enquanto isso, sua namorada morre em Auschwitz.
Na prisão nazista, o único livro a que Rookmaaker tinha acesso era a Bíblia. Em 1943, foi deportado junto com dez mil holandeses a um campo de guerra em Nuremberg. Ali passa fome, mas começa a fazer grandes descobertas na Escritura. Depois é levado para a Ucrânia, passa pelos pés dos montes Cárpatos e termina na costa báltica, continuando seus estudos pelo correio. Lá conhece um capitão chamado Mekkes, que mais tarde será professor de filosofia. Através dele, se torna cristão.
Amigo de Shaeffer
Após sua libertação, Hans fala de sua nova fé a uma das amigas que sobreviveram ao Holocausto. Anky trabalhava como secretária em Haia. Iam juntos ao cinema, mas ela não foi à igreja até o dia em que Rookmaaker foi batizado em uma Igreja Reformada Livre, uma denominação conservadora que havia saído da igreja reformada fundada pelo teólogo e primeiro-ministro holandês Abraham Kuyper. Anky tinha idéias orientais, como a reencarnação, mas quando se tornou cristã eles se casaram.
No meio protestante conservador no qual Hans e Anky circulavam, surgiu uma oportunidade de trabalho na primeira Conferência do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs, realizada em Amsterdã em 1948, como uma alternativa fundamentalista ao ecumênico Conselho Mundial de Igrejas que se estabeleceu nesse mesmo ano naquela cidade. Um jovem pastor presbiteriano norte-americano chamado Francis Schaeffer (1912-1984) militava então nas fileiras do neo-fundamentalismo que aquele concílio representava, com a separação da Igreja Presbiteriana Ortodoxa e do Seminário de Westminster após a morte de Machen, por uma disputa sobre o direito à liberdade de consciência de professores e estudantes, para fumar, beber ou dançar.
Aquele estudante que fumava cachimbo e perguntava sobre música negra chamou a atenção de Schaeffer, que se impressionou ainda com a conversão de Rookmaaker durante a guerra. Andaram pela cidade, tão interessados na conversa que Hans esqueceu de buscar Anky. Assim começou uma amizade que duraria a vida toda. Schaeffer foi depois enviado como missionário à Europa para trabalhar com crianças. Lá teve a crise de fé que o levou a começar uma comunidade nas montanhas em 1954, que chamou de L"Abri (Refúgio). Rookmaaker passou muito tempo lá conversando com não-crentes sobre a fé. Seu pensamento está por trás do livro de Schaeffer, A Arte e a Bíblia, publicado pela Ultimato em 2010.
Arte, música e cinema
Hans estudou História da Arte e fez seu doutorado sobre Gauguin. Ensinava em uma escola secundária e escrevia críticas de arte para um jornal, enquanto Anky continuava trabalhando como secretária em um hospital. Não tinham muito dinheiro. Ele gastava muito em livros e discos. A verdade é que era pouco prático, mas sua fé preenchia toda a sua vida. Começou uma reunião de oração em sua igreja, na qual foi escolhido como ancião nos anos 60. O teólogo e primeiro-ministro da Holanda Abraham Kuyper havia fundado a Universidade Livre de Amsterdã, inspirado por sua fé cristã. Lá Rookmaaker se tornou professor de História da Arte. Era muito popular entre os estudantes, que vinham de muitos países para estudar com ele. Saía com eles para ver galerias, e faziam até excursões à Alemanha.
Nos anos 60, visita várias universidades americanas, frequenta igrejas negras e conhece a famosa cantora gospel Mahalia Jackson. Publica então um livro sobre jazz, blues e spirituals, e chega a ser responsável pela conhecida coleção de discos chamada Riverside, que recuperava gravações desse tipo de música para a gravadora Fontana. Rookmaaker gostava de Bach, mas depois não se interessava por praticamente nada até as origens do jazz. Nisso, como em tantas outras coisas, não era nada convencional. Sua esposa costumava se levantar cedo, mas ele era praticamente intratável até o meio da manhã. Sua vida noturna o tornava incapaz de pronunciar qualquer palavra a essas horas que não fosse um gesto de irritação.
Rookmaaker lia muito, mas não romances, exceto os de C. S. Lewis. Não entendia nada de esporte, mas era um grande cinéfilo. Foi até mesmo membro do conselho estatal de censura de filmes que havia na Holanda. Suas decisões eram tão curiosas quanto era grande sua aversão ao moralismo. Preferia uma visão honesta da vida, por exemplo, ainda que mostrasse uma clara permissividade sexual, à violência gratuita dos filmes de ação. Aprovava por isso os obras de Buñuel ou Fellini, e rechaçava os filmes de Kung-Fu. Em 1962, publicou um livro sobre arte e entretenimento, que mostra seus critérios de avaliação a esse respeito.
Seu legado hoje
Em 1970, publica seu livro sobre arte moderna, dois anos depois de outro sobre a arte e o público de hoje. A obra foi traduzida para muitos idiomas. O jornal britânico Observer a escolheu como um dos livros do ano em 1972. Aqui encontramos uma autêntica perspectiva bíblica sobre a história da arte. Não muito depois, em 1977, Rookmaaker partia para o Senhor com um ataque cardíaco repentino, aos 55 anos de idade. Em seu funeral, tal como ele queria, foi tocado um dos spirituals de Mahalia Jackson.
Um de seus discípulos ingleses, Graham Birtwistle, o sucedeu na Universidade. Outros continuaram sua obra, como Marc de Klijn, um pintor e pianista de jazz que vinha de uma família artística de judeus não crentes, e que se tornara cristão através de Rookmaaker. Embora atualmente viva em Israel, ensinou ilustração para minha esposa na Academia Cristã de Belas Artes que foi fundada no final dos anos 70 na cidade de Kampen - onde estudei teologia, sendo membro de sua igreja.
Uma filha de Rookmaaker, Marleen, estudou musicologia. Tive a oportunidade de conhecê-la alguns anos atrás, em uma conferência sobre a Reforma em Wittenberg. Ela publicou a obra completa do pai em inglês, em seis volumes. Não há dúvida de que seu legado continua vivo hoje. Pois, como ele dizia, “a fé não é só uma questão de religião, da alma e de sua salvação no céu, mas da salvação de toda a pessoa, um modo de vida e pensamento que afeta todos os aspectos da vida humana”.
Muitos de nós continuamos a acreditar que “toda vida e realidade está relacionada com Deus, de modo que cada pensamento, ato, ação e sentimento é, em certo sentido, religião”. Portanto, “não é só a alma em um sentido estritamente religioso que pertence a Deus, mas toda a vida”. Esses “grandes princípios bíblicos da Reforma dão resposta não só à questão de qual é a atitude cristã em relação à cultura, mas também qual deve ser a atitude do crente em relação a uma cultura não-cristã”.
Acredito, como ele, que “Deus quer que seu povo viva, já que ele é Deus de vida, de vida plena, em toda a realidade humana”. E que “Seus mandamentos não são simplesmente religiosos ou éticos, mas princípios básicos de vida”. Como Rookmaaker, para mim a arte não é uma questão de gosto. O que sempre me pergunto é o que ela diz sobre a vida humana. Acredito que aí está o seu significado.
• José de Segovia Barrón, pastor da Igreja Evangélica do bairro de San Pascual em Madrid. Professor da Faculdade Internacional de Teologia IBSTE de Castelldefels, do Centro Evangélico de Estudos Bíblicos (CEEB) de Barcelona, da Faculdade de Teologia UEBE (FTUEBE) de Alcobendas (Madrid) e da Escola de Estudos Bíblicos e Teológicos de Welwyn (Inglaterra). Autor dos livros Entrelíneas, Ocultismo, Historias Extrañas Sobre Jesús, El Príncipe Caspian y La Fe de C. S. Lewis, Huellas del Cristianismo en el Cine e El Asombro del Perdón. É casado com Anna, e tem quatro filhos: Lluvia, Natán, Noé e Edén.
Traduzido por Davi A. O. Pinto
Artigo originalmente publicado em Rookmaaker y el sentido del arte. Reproduzido com permissão.
Leia mais:
» Celebrando a vida com arte
» Fé Cristã e cultura pop: o que e como consumir?
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