Opinião
- 12 de março de 2018
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Rio de Janeiro: A intervenção federal vai nos redimir?
Por Antonio Carlos Costa
As reformas do sistema de justiça criminal e das instituições responsáveis pela segurança pública do Estado do Rio de Janeiro se tornaram impossíveis de ser realizadas na nossa geração. Dentre as razões estão a falta de legitimidade e vontade políticas, a apatia da sociedade, os interesses daqueles que fazem da barbárie fonte de lucro, a busca por cargos públicos, o amor doentio pela instituição posto acima dos interesses do povo, as discussões ideológicas sem propostas práticas, a disputa pelo poder político, a corrupção sistêmica, o medo, a falta de solidariedade ao morador de favela, a cultura do “deixe para fazer amanhã o que pode ser feito hoje”.
As consequências diretas da falência institucional podem ser medidas de modo objetivo. Entre 2007 e 2017, amargamos 66.380 mortes violentas e 60.045 casos de pessoas desaparecidas, entre as quais há muita gente assassinada. Deveríamos estar envergonhados por permitirmos que isso acontecesse com o nosso Estado.
Entre 2007 e 2018, 44 meninos e meninas de 0 a 14 anos foram vítimas de bala perdida ou achada. Onde estávamos após o menino João Hélio ser arrastado por automóvel, em uma tentativa de assalto, pelas ruas da capital do Estado, com pedaços do seu corpo sendo deixados pelo caminho? Onde estávamos enquanto famílias pobres gritavam: “Quem matou Juan?”, "Quem matou Eduardo?”, "Quem matou Maria Eduarda?”. Onde estávamos enquanto nossos jornalistas tombavam nas ruas fazendo cobertura sobre o cotidiano da carnificina? Onde eu e você estávamos?
Onde estávamos quando foi anunciado que o Maracanã seria reformado com verba pública? Onde estávamos enquanto o Governo Municipal torrava bilhões de reais para organizar as Olimpíadas de 2016? Por que não lutamos para que esse tempo, energia e recursos públicos fossem investidos nas favelas? Quem blindou o ex-governador que está preso? Onde estávamos enquanto ele saqueava os cofres públicos? Onde estávamos enquanto o Estado botava nossos policiais militares para trabalhar dentro de container em áreas conflagradas? Onde estávamos enquanto o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora era usado como plataforma política, fazendo com que o ex-governador se reelegesse com o sangue da Polícia Militar, derramado dentro das próprias UPPs? Onde a direita estava enquanto essa orgia ocorria no Rio de Janeiro? Onde a esquerda estava enquanto Lula e Dilma mantinham-se no mais alto posto da República, incapazes de apresentar um plano nacional de segurança pública com metas de redução de homicídios?
Uma decisão drástica e legal foi tomada pelo Governo Federal, usando a Constituição Federal: “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para… pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”. Podemos ser contra a decisão tomada, mas não podemos ignorar o banho de sangue. Nunca vi nada igual. Falo a partir de experiência de campo. Declaro que fatos gravíssimos escapam ao conhecimento público. O que tenho testemunhado no Rio de Janeiro corresponde às mais repugnantes atrocidades da história da humanidade. O morador de comunidade pobre geme.
A intervenção mexe diretamente com tantas questões explosivas e, caso fracasse, apresenta cenários sombrios. Por isso, a todo cidadão responsável cabe se dirigir democraticamente, sem prejulgamentos, aos interventores, a fim de que sejam atendidas as expectativas inegociáveis de uma população farta de enterrar seus mortos.
Em primeiro lugar, a intervenção do governo federal só será bem-sucedida se houver o mínimo de transparência de seus executores, assim como integração entre os diversos atores do sistema de Justiça criminal e o máximo de interlocução com o Poder Legislativo e a sociedade civil, por meio de seus representantes.
O sucesso da intervenção vai depender também da implementação de políticas públicas na segurança, que contemplem mudanças sociais estruturais para o êxito no combate ao crime, entre as quais estão uma reforma nas polícias e ações concretas na direção da redução da desigualdade – o imenso muro que separa as classes sociais no RJ.
Essas medidas é que vão garantir o legado da intervenção, para que tudo isso não se resuma a mais uma medida de emergência até as próximas eleições e nem sirva de trampolim político para eventuais oportunistas. Vale lembrar que se trata da primeira intervenção federal desde a Constituição de 1988.
É justo que reivindiquemos dos interventores um programa de metas, com a responsabilização dos executores, assim como cronograma de ações e um protocolo de atuação dos militares, tanto no asfalto como nas favelas. Acima de tudo, que sejam subordinadas à Constituição e às leis as operações policiais-militares que possam advir da intervenção.
O Governo Federal optou pela intervenção com a anuência de um governador que perdeu a capacidade de governar. Torcer contra é desumano e nada republicano. É momento, guardadas as devidas proporções, de seguirmos o exemplo inglês na Segunda Guerra Mundial, quando a nação se uniu para debelar um mal que a todos ameaçava. Palavras do primeiro-ministro Winston Churchill sobre os dias de “sangue, suor e lágrimas”:
“Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca. Homens e mulheres esfalfavam-se nos tornos e máquinas das fábricas até caírem no chão, exaustos, e terem de ser arrastados para longe e mandados para casa, enquanto seus lugares eram ocupados por outros que já haviam chegado antes da hora... o sentimento de medo parecia ausente do povo, e seus representantes no parlamento não ficaram aquém deste estado de ânimo... muitíssima gente se mostrava decidida a vencer ou morrer”.
Podemos nos redimir da nossa omissão histórica, buscando a vitória da vida sobre a morte, por meio de ampla conjugação de esforços, trabalho incansável e vigilância constante. Entretanto, precisamos responder uma pergunta: qual o meu lugar nessa tarefa?
• Antonio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz.
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As consequências diretas da falência institucional podem ser medidas de modo objetivo. Entre 2007 e 2017, amargamos 66.380 mortes violentas e 60.045 casos de pessoas desaparecidas, entre as quais há muita gente assassinada. Deveríamos estar envergonhados por permitirmos que isso acontecesse com o nosso Estado.
Entre 2007 e 2018, 44 meninos e meninas de 0 a 14 anos foram vítimas de bala perdida ou achada. Onde estávamos após o menino João Hélio ser arrastado por automóvel, em uma tentativa de assalto, pelas ruas da capital do Estado, com pedaços do seu corpo sendo deixados pelo caminho? Onde estávamos enquanto famílias pobres gritavam: “Quem matou Juan?”, "Quem matou Eduardo?”, "Quem matou Maria Eduarda?”. Onde estávamos enquanto nossos jornalistas tombavam nas ruas fazendo cobertura sobre o cotidiano da carnificina? Onde eu e você estávamos?
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Uma decisão drástica e legal foi tomada pelo Governo Federal, usando a Constituição Federal: “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para… pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”. Podemos ser contra a decisão tomada, mas não podemos ignorar o banho de sangue. Nunca vi nada igual. Falo a partir de experiência de campo. Declaro que fatos gravíssimos escapam ao conhecimento público. O que tenho testemunhado no Rio de Janeiro corresponde às mais repugnantes atrocidades da história da humanidade. O morador de comunidade pobre geme.
A intervenção mexe diretamente com tantas questões explosivas e, caso fracasse, apresenta cenários sombrios. Por isso, a todo cidadão responsável cabe se dirigir democraticamente, sem prejulgamentos, aos interventores, a fim de que sejam atendidas as expectativas inegociáveis de uma população farta de enterrar seus mortos.
Em primeiro lugar, a intervenção do governo federal só será bem-sucedida se houver o mínimo de transparência de seus executores, assim como integração entre os diversos atores do sistema de Justiça criminal e o máximo de interlocução com o Poder Legislativo e a sociedade civil, por meio de seus representantes.
O sucesso da intervenção vai depender também da implementação de políticas públicas na segurança, que contemplem mudanças sociais estruturais para o êxito no combate ao crime, entre as quais estão uma reforma nas polícias e ações concretas na direção da redução da desigualdade – o imenso muro que separa as classes sociais no RJ.
Essas medidas é que vão garantir o legado da intervenção, para que tudo isso não se resuma a mais uma medida de emergência até as próximas eleições e nem sirva de trampolim político para eventuais oportunistas. Vale lembrar que se trata da primeira intervenção federal desde a Constituição de 1988.
É justo que reivindiquemos dos interventores um programa de metas, com a responsabilização dos executores, assim como cronograma de ações e um protocolo de atuação dos militares, tanto no asfalto como nas favelas. Acima de tudo, que sejam subordinadas à Constituição e às leis as operações policiais-militares que possam advir da intervenção.
O Governo Federal optou pela intervenção com a anuência de um governador que perdeu a capacidade de governar. Torcer contra é desumano e nada republicano. É momento, guardadas as devidas proporções, de seguirmos o exemplo inglês na Segunda Guerra Mundial, quando a nação se uniu para debelar um mal que a todos ameaçava. Palavras do primeiro-ministro Winston Churchill sobre os dias de “sangue, suor e lágrimas”:
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