Opinião
- 30 de julho de 2015
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René Padilla: John Stott, um discípulo radical
Em setembro de 2008, eu e minha esposa visitamos John Stott em St. Barnabas College, um asilo para pastores anglicanos jubilados localizado em Lingfield, mais ou menos à uma hora de Londres. Pouco antes o haviam levado do primeiro andar para o segundo, onde poderia receber a atenção que sua débil condição física exigia. Comentou que o que mais lamentava da mudança era que já não podia passear pelo jardim, nem praticar um dos hábitos que mais o haviam alegrado durante muitos anos: observar pássaros. Também comentou que naqueles dias estava escrevendo o último capítulo de seu último livro: “A radical disciple” (O discípulo radical). Na verdade, esse seria o último dos cinquenta livros que é parte do rico legado de um dos expositores bíblicos mais destacados na história da igreja. Um expositor que se esforçou constantemente em mostrar, à luz do ensino bíblico, o que significa para os cristãos, em termos práticos, viver no mundo sem ser do mundo, tanto em nível pessoal como comunitário.
Quando o visitamos, Catalina e eu estávamos passando uns meses em Oxford a convite da “Church Mission Society”. Para vê-lo, investimos mais de seis horas de viajem de ida e volta de trem, e só estivemos com ele por uma hora. Entretanto, valeu a pena! Quando nos despedimos, o fizemos com a sensação de nos termos despedido do querido Uncle John até o momento do reencontro no porvir. Assim foi, de fato. Ele passou à presença do Senhor no dia 27 de julho próximo passado às 15:15 (Hora de Londres) aos 90 anos de idade. Despediu-se desta vida rodeado de uns poucos parentes e amigos próximos, enquanto escutava com eles várias seleções d’O “Messias” de Haendel (incluindo a ária “Eu sei que o meu Redentor vive”) e a leitura de 2 Timóteo.
Uncle John nasceu em 27 de abril de 1921 em pleno centro de Londres, no lar de Sir Arnold Stott (médico especialista e agnóstico) e Lady Stott (luterana mas vinculada à igreja anglicana All Souls, Langham Place). Um dos privilégios que seu transfundo familiar lhe ofereceu foi uma educação acadêmica do mais alto nível, incluindo a que recebeu do Trinity College da Universidade de Cambridge (francês e teologia) e posteriormente de Ridley Hall em Cambridge (estudos pastorais). Em 1945 foi ordenado em All Souls, a igreja no centro de Londres à qual havia estado vinculado desde sua infância. Em 1950 assumiu o pastorado dessa igreja, cargo que desempenhou até jubilar-se em 2007, quando passou a ser pastor emérito. Por outro lado, em reconhecimento aos seus méritos, recebeu um Doutorado em Divindades (DD) em 1983 e, a partir desse ano, vários doutorados de universidades na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá. A revista Time, no número do mês de abril de 2005, inclui seu nome na lista das cem pessoas mais influentes no mundo. No fim desse mesmo ano, a Rainha da Inglaterra, de cujo grupo de capelães era parte, o honrou com o título de “Commander of the British Empire” (aceitou o título mas não sem reservas quanto à referência da Inglaterra como um império).
Entretanto, o que fez dele uma das figuras contemporâneas mais proeminentes não é resultado de seus privilégios e títulos. O que lhe deu a transcendência que chegou a ter não só em seu próprio país mas globalmente, e não apenas no mundo cristão mas também no secular, foi as qualidades que adornaram seu caráter como um seguidor de Jesus Cristo que levou a sério o discipulado radical: sua fidelidade ao evangelho, seu espírito conciliador, sua generosidade, sua humildade; em síntese, o fruto do Espírito manifestado concretamente em seu estilo de vida. Chris Wright, seu sucessor como Diretor da “Langham Partnership International”, fundada e presidida por John por muitos anos, não exagera quando escreve: “Como Moisés, foi um dos maiores líderes que Deus deu a seu povo e ao mesmo tempo, entretanto, um dos homens mais humildes sobre a face da terra. Foi para todos os que o conhecemos a encarnação viva da beleza simples de Jesus, a quem amou sobre todas as coisas”.
Vi e escutei pela primeira vez Uncle John numa reunião de obreiros da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) celebrada em Cambridge em meados de 1959, o mesmo ano em que se publicou a primeira edição de Cristianismo Básico em espanhol. Prontamente me senti cativado pela profundidade e clareza de seu pensamento, qualidades que já então eram reconhecidas amplamente pelos estudantes que o escutavam quando dava conferências de evangelização a convite dos grupos universitários vinculados à CIEE.
Passaram-se vários anos antes que voltasse a vê-lo. Foi um domingo em 1964, quando Catalina e eu visitamos juntos a Igreja All Souls enquanto eu fazia o doutorado na Universidade de Manchester. Para minha surpresa, John me saudou pelo nome. Anos depois descobri que uma de suas virtudes era se lembrar, com muita frequência, dos nomes das pessoas com quem fazia contato e pelas quais orava.
Em 1966 participei do Congresso Mundial de Evangelização que aconteceu em Berlim sob o auspício da revista “Christianity Today”. Ali escutei a série de exposições que John deu sobre a Grande Comissão, baseadas na versão de João 20.21. Em algum momento durante esse congresso tive uma conversa com ele na qual ele compartilhou comigo algumas de suas perguntas e inquietações teológicas relativas à ressurreição dos mortos e à vida após a morte.
Essa conversa foi apenas uma antecipação dos múltiplos diálogos que mantivemos durante a viagem que fizemos juntos em janeiro de 1974, à convite da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL). A viagem começou no México, continuou no Peru e Chile e terminou na Argentina. Em cada lugar, John era o orador e eu servia como tradutor.
Suas exposições e seu testemunho vivido ilustravam bem a afirmação do que faria posteriormente em seu comentário sobre as Cartas aos Tessalonicenses: “Cada ministério autêntico começa... com a convicção de que temos sido chamados a usar a Palavra de Deus como seus guardiões e seus mensageiros. Nossa tarefa é guardá-la, estudá-la, expô-la, aplicá-la e obedecê-la”. Nossas longas conversas em privado giravam principalmente em torno de temas relacionados com o Congresso Internacional de Evangelização Mundial que iria ser celebrado em Lausanne, Suíça, meses depois, em julho do mesmo ano. Vários destes temas (a responsabilidade social e política da igreja e a relação entre essa responsabilidade e a evangelização, por exemplo) haviam sido articulados no seio da FTL e eram parte da apresentação que eu faria na plenária do Congresso.
Lausanne I proveu uma plataforma global para a exposição do pensamento forjado nos núcleos da FTL a partir do seu início no final dos anos 1970. A comissão de redação, presidida por John Stott, contava entre seus membros com Samuel Escobar (presidente da FTL). Não surpreende, portanto, que vários dos temas incluídos no Pacto de Lausanne, o valioso documento elaborado por essa comissão, façam eco à teologia evangélica latino-americana. Um claro exemplo disto é o parágrafo 5 do Pacto, segundo o qual “tanto a evangelização quando o envolvimento sociopolítico são ambos parte de nosso dever cristão. Pois ambos são expressões necessárias de nossas doutrinas acerca de Deus e do ser humano, nosso amor por nosso próximo e nossa obediência a Jesus Cristo”.
Depois de Lausanne I, John foi nomeado moderador do Grupo de Teologia e Educação do Movimento de Lausanne. Neste cargo, entre 1977 e 1982 ocupou-se da organização de consultas globais sobre temas incluídos no Pacto de Lausanne que se prestavam à controvérsia. Convidou-me a três destas consultas como um dos expositores na plenária: 1) a Consulta sobre o Princípio das Unidades Homogêneas, que se realizou em Pasadena, Califórnia, em junho de 1977; 2) a Consulta sobre Evangelho e Cultura, que foi realizada em janeiro de 1978, em Willowbank, Bermuda; 3) a Consulta sobre Estilo de Vida Simples, que teve lugar em Hoddesdon, Inglaterra, em colaboração coma Unidade de Ética e Sociedade da Comissão de Teologia da Aliança Evangélica Mundial. Também fui convidado por John para a Consulta sobre a Relação entre a Evangelização e a Responsabilidade Social, que se realizou em Grand Rapids, Michigan (EUA), em junho de 1982, desta vez para responder à exposição de Arthur P. Johnson sobre o Reino de Deus em relação com a igreja e o mundo. Todos os meus trabalhos apresentados nestas consultas apareceriam, junto com outros, em meu livro “Missão Integral”, publicados por Ediciones Nueva Creación em 1985.
A Consulta sobre o principio das Unidades Homogêneas se realizou justamente antes que John e eu empreendêssemos nossa segunda viagem continental a convite da FTL, em junho de 1977. Desta vez visitamos México, Guatemala, Colômbia, Equador e Argentina. De novo, ele foi orador e eu tradutor. Mas agora a viagem foi combinada com duas inesquecíveis experiências turísticas: uma visita às Ilhas Galápagos, Equador, e a outra, uma travessia de Puerto Montt, Chile, até Bariloche, Argentina. Em ambas as oportunidades, pude constatar com maior profundidade a seriedade e até a paixão com que John encarava seu hobby, a ornitologia. Uma boa recordação da visita às Ilhas Galápagos seriam as fotos incluídas em “The birds, our teachers” (Pássaros, nossos mestres), obra ilustrada publicada em 1999.
Uma experiência extraordinária para toda minha família foi a ocasião que John, que estava participando de uma conferência no Brasil, viajou à Argentina para passar quase uma semana de férias conosco na Patagônia. Isso foi em fevereiro de 1980. Apesar disso, ainda conservo fresca a memória da visita ao paraíso dos pássaros na Península de Valdez, dos enormes esforços por manter de pé as barracas açoitadas pelos ventos e dos assados de cordeiro preparados pelos amigos dos Rooy (Sidney e Mae), nossos guias conhecedores da zona por terem sido missionários ali por vários anos.
De 1983 a 1997 John Stott exerceu o cargo de presidente internacional da Tearfund do Reino Unido e Irlanda. Por sugestão sua, quando terminaram suas funções nesta agência evangélica de serviço eu fui nomeado em seu lugar. Durante a década que fui presidente internacional (1997 a 2007), viajei a Londres anualmente, e isto me deu a oportunidade de desfrutar quase todos os anos da hospitalidade de John em seu modesto apartamento localizado na Wymouth Street, nas proximidades da Igreja All Souls.
A terceira e última visita de John à Argentina foi em abril de 2001, desta vez, acompanhado por seu sucessor, Chris Wright (como Diretor da “Langham Partnership International”), para um seminário de pregação expositiva. Cumpriu seus 80 anos enquanto era nosso hóspede no Centro Kairós, nos arredores de Buenos Aires. Ao final do seminário, ele e eu viajamos juntos às impressionantes cataratas de Iguaçu e logo visitamos Assunção, Paraguai, e a colônia menonita em Chaco.
A tudo o que foi dito, poderia acrescentar vários parágrafos sobre minha participação em vários dos livros de John Stott em espanhol, seja como tradutor ou como editor. Deixo a descrição deste trabalho, do qual fui o primeiro beneficiado, como uma tarefa pendente. Basta agora dizer que com os direitos de todos os livros que ele escreveu, um bom número deles reimpressos várias vezes e muitos traduzidos a vários idiomas, John poderia ter chegado a ser um multimilionário. Entretanto, preferiu seguir Aquele que disse que não tinha vindo para ser servido, mas para servir e dar a sua vida por muitos. Consequentemente, John escolheu colocar seu dinheiro na “Langham Partnership International” e em seus três ministérios de alcance global: bolsas para estudantes desejosos de fazer doutorado para servir ao Senhor no campo teológico, literatura e seminários de pregação.
O que disse a respeito da minha relação com John por mais de meio século me fez ter consciência da maneira como, pela graça de Deus, minha vida e ministério estiveram entrelaçados com a vida e ministério deste maravilhoso modelo do que significa ser um discípulo radical de Jesus Cristo. Obrigado, Uncle John, por sua amizade! Louvo a Deus por seu legado!
*Texto traduzido e publicado originalmente por Novos Diálogos, por ocasião da morte de John Stott.
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As controvérsias de Jesus
A igreja autêntica
John Stott, uma carta de boas notícias [Robinson Cavalcanti]
Quando o visitamos, Catalina e eu estávamos passando uns meses em Oxford a convite da “Church Mission Society”. Para vê-lo, investimos mais de seis horas de viajem de ida e volta de trem, e só estivemos com ele por uma hora. Entretanto, valeu a pena! Quando nos despedimos, o fizemos com a sensação de nos termos despedido do querido Uncle John até o momento do reencontro no porvir. Assim foi, de fato. Ele passou à presença do Senhor no dia 27 de julho próximo passado às 15:15 (Hora de Londres) aos 90 anos de idade. Despediu-se desta vida rodeado de uns poucos parentes e amigos próximos, enquanto escutava com eles várias seleções d’O “Messias” de Haendel (incluindo a ária “Eu sei que o meu Redentor vive”) e a leitura de 2 Timóteo.
Uncle John nasceu em 27 de abril de 1921 em pleno centro de Londres, no lar de Sir Arnold Stott (médico especialista e agnóstico) e Lady Stott (luterana mas vinculada à igreja anglicana All Souls, Langham Place). Um dos privilégios que seu transfundo familiar lhe ofereceu foi uma educação acadêmica do mais alto nível, incluindo a que recebeu do Trinity College da Universidade de Cambridge (francês e teologia) e posteriormente de Ridley Hall em Cambridge (estudos pastorais). Em 1945 foi ordenado em All Souls, a igreja no centro de Londres à qual havia estado vinculado desde sua infância. Em 1950 assumiu o pastorado dessa igreja, cargo que desempenhou até jubilar-se em 2007, quando passou a ser pastor emérito. Por outro lado, em reconhecimento aos seus méritos, recebeu um Doutorado em Divindades (DD) em 1983 e, a partir desse ano, vários doutorados de universidades na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá. A revista Time, no número do mês de abril de 2005, inclui seu nome na lista das cem pessoas mais influentes no mundo. No fim desse mesmo ano, a Rainha da Inglaterra, de cujo grupo de capelães era parte, o honrou com o título de “Commander of the British Empire” (aceitou o título mas não sem reservas quanto à referência da Inglaterra como um império).
Entretanto, o que fez dele uma das figuras contemporâneas mais proeminentes não é resultado de seus privilégios e títulos. O que lhe deu a transcendência que chegou a ter não só em seu próprio país mas globalmente, e não apenas no mundo cristão mas também no secular, foi as qualidades que adornaram seu caráter como um seguidor de Jesus Cristo que levou a sério o discipulado radical: sua fidelidade ao evangelho, seu espírito conciliador, sua generosidade, sua humildade; em síntese, o fruto do Espírito manifestado concretamente em seu estilo de vida. Chris Wright, seu sucessor como Diretor da “Langham Partnership International”, fundada e presidida por John por muitos anos, não exagera quando escreve: “Como Moisés, foi um dos maiores líderes que Deus deu a seu povo e ao mesmo tempo, entretanto, um dos homens mais humildes sobre a face da terra. Foi para todos os que o conhecemos a encarnação viva da beleza simples de Jesus, a quem amou sobre todas as coisas”.
Vi e escutei pela primeira vez Uncle John numa reunião de obreiros da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) celebrada em Cambridge em meados de 1959, o mesmo ano em que se publicou a primeira edição de Cristianismo Básico em espanhol. Prontamente me senti cativado pela profundidade e clareza de seu pensamento, qualidades que já então eram reconhecidas amplamente pelos estudantes que o escutavam quando dava conferências de evangelização a convite dos grupos universitários vinculados à CIEE.
Passaram-se vários anos antes que voltasse a vê-lo. Foi um domingo em 1964, quando Catalina e eu visitamos juntos a Igreja All Souls enquanto eu fazia o doutorado na Universidade de Manchester. Para minha surpresa, John me saudou pelo nome. Anos depois descobri que uma de suas virtudes era se lembrar, com muita frequência, dos nomes das pessoas com quem fazia contato e pelas quais orava.
Em 1966 participei do Congresso Mundial de Evangelização que aconteceu em Berlim sob o auspício da revista “Christianity Today”. Ali escutei a série de exposições que John deu sobre a Grande Comissão, baseadas na versão de João 20.21. Em algum momento durante esse congresso tive uma conversa com ele na qual ele compartilhou comigo algumas de suas perguntas e inquietações teológicas relativas à ressurreição dos mortos e à vida após a morte.
Essa conversa foi apenas uma antecipação dos múltiplos diálogos que mantivemos durante a viagem que fizemos juntos em janeiro de 1974, à convite da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL). A viagem começou no México, continuou no Peru e Chile e terminou na Argentina. Em cada lugar, John era o orador e eu servia como tradutor.
Suas exposições e seu testemunho vivido ilustravam bem a afirmação do que faria posteriormente em seu comentário sobre as Cartas aos Tessalonicenses: “Cada ministério autêntico começa... com a convicção de que temos sido chamados a usar a Palavra de Deus como seus guardiões e seus mensageiros. Nossa tarefa é guardá-la, estudá-la, expô-la, aplicá-la e obedecê-la”. Nossas longas conversas em privado giravam principalmente em torno de temas relacionados com o Congresso Internacional de Evangelização Mundial que iria ser celebrado em Lausanne, Suíça, meses depois, em julho do mesmo ano. Vários destes temas (a responsabilidade social e política da igreja e a relação entre essa responsabilidade e a evangelização, por exemplo) haviam sido articulados no seio da FTL e eram parte da apresentação que eu faria na plenária do Congresso.
Lausanne I proveu uma plataforma global para a exposição do pensamento forjado nos núcleos da FTL a partir do seu início no final dos anos 1970. A comissão de redação, presidida por John Stott, contava entre seus membros com Samuel Escobar (presidente da FTL). Não surpreende, portanto, que vários dos temas incluídos no Pacto de Lausanne, o valioso documento elaborado por essa comissão, façam eco à teologia evangélica latino-americana. Um claro exemplo disto é o parágrafo 5 do Pacto, segundo o qual “tanto a evangelização quando o envolvimento sociopolítico são ambos parte de nosso dever cristão. Pois ambos são expressões necessárias de nossas doutrinas acerca de Deus e do ser humano, nosso amor por nosso próximo e nossa obediência a Jesus Cristo”.
Depois de Lausanne I, John foi nomeado moderador do Grupo de Teologia e Educação do Movimento de Lausanne. Neste cargo, entre 1977 e 1982 ocupou-se da organização de consultas globais sobre temas incluídos no Pacto de Lausanne que se prestavam à controvérsia. Convidou-me a três destas consultas como um dos expositores na plenária: 1) a Consulta sobre o Princípio das Unidades Homogêneas, que se realizou em Pasadena, Califórnia, em junho de 1977; 2) a Consulta sobre Evangelho e Cultura, que foi realizada em janeiro de 1978, em Willowbank, Bermuda; 3) a Consulta sobre Estilo de Vida Simples, que teve lugar em Hoddesdon, Inglaterra, em colaboração coma Unidade de Ética e Sociedade da Comissão de Teologia da Aliança Evangélica Mundial. Também fui convidado por John para a Consulta sobre a Relação entre a Evangelização e a Responsabilidade Social, que se realizou em Grand Rapids, Michigan (EUA), em junho de 1982, desta vez para responder à exposição de Arthur P. Johnson sobre o Reino de Deus em relação com a igreja e o mundo. Todos os meus trabalhos apresentados nestas consultas apareceriam, junto com outros, em meu livro “Missão Integral”, publicados por Ediciones Nueva Creación em 1985.
A Consulta sobre o principio das Unidades Homogêneas se realizou justamente antes que John e eu empreendêssemos nossa segunda viagem continental a convite da FTL, em junho de 1977. Desta vez visitamos México, Guatemala, Colômbia, Equador e Argentina. De novo, ele foi orador e eu tradutor. Mas agora a viagem foi combinada com duas inesquecíveis experiências turísticas: uma visita às Ilhas Galápagos, Equador, e a outra, uma travessia de Puerto Montt, Chile, até Bariloche, Argentina. Em ambas as oportunidades, pude constatar com maior profundidade a seriedade e até a paixão com que John encarava seu hobby, a ornitologia. Uma boa recordação da visita às Ilhas Galápagos seriam as fotos incluídas em “The birds, our teachers” (Pássaros, nossos mestres), obra ilustrada publicada em 1999.
Uma experiência extraordinária para toda minha família foi a ocasião que John, que estava participando de uma conferência no Brasil, viajou à Argentina para passar quase uma semana de férias conosco na Patagônia. Isso foi em fevereiro de 1980. Apesar disso, ainda conservo fresca a memória da visita ao paraíso dos pássaros na Península de Valdez, dos enormes esforços por manter de pé as barracas açoitadas pelos ventos e dos assados de cordeiro preparados pelos amigos dos Rooy (Sidney e Mae), nossos guias conhecedores da zona por terem sido missionários ali por vários anos.
De 1983 a 1997 John Stott exerceu o cargo de presidente internacional da Tearfund do Reino Unido e Irlanda. Por sugestão sua, quando terminaram suas funções nesta agência evangélica de serviço eu fui nomeado em seu lugar. Durante a década que fui presidente internacional (1997 a 2007), viajei a Londres anualmente, e isto me deu a oportunidade de desfrutar quase todos os anos da hospitalidade de John em seu modesto apartamento localizado na Wymouth Street, nas proximidades da Igreja All Souls.
A terceira e última visita de John à Argentina foi em abril de 2001, desta vez, acompanhado por seu sucessor, Chris Wright (como Diretor da “Langham Partnership International”), para um seminário de pregação expositiva. Cumpriu seus 80 anos enquanto era nosso hóspede no Centro Kairós, nos arredores de Buenos Aires. Ao final do seminário, ele e eu viajamos juntos às impressionantes cataratas de Iguaçu e logo visitamos Assunção, Paraguai, e a colônia menonita em Chaco.
A tudo o que foi dito, poderia acrescentar vários parágrafos sobre minha participação em vários dos livros de John Stott em espanhol, seja como tradutor ou como editor. Deixo a descrição deste trabalho, do qual fui o primeiro beneficiado, como uma tarefa pendente. Basta agora dizer que com os direitos de todos os livros que ele escreveu, um bom número deles reimpressos várias vezes e muitos traduzidos a vários idiomas, John poderia ter chegado a ser um multimilionário. Entretanto, preferiu seguir Aquele que disse que não tinha vindo para ser servido, mas para servir e dar a sua vida por muitos. Consequentemente, John escolheu colocar seu dinheiro na “Langham Partnership International” e em seus três ministérios de alcance global: bolsas para estudantes desejosos de fazer doutorado para servir ao Senhor no campo teológico, literatura e seminários de pregação.
O que disse a respeito da minha relação com John por mais de meio século me fez ter consciência da maneira como, pela graça de Deus, minha vida e ministério estiveram entrelaçados com a vida e ministério deste maravilhoso modelo do que significa ser um discípulo radical de Jesus Cristo. Obrigado, Uncle John, por sua amizade! Louvo a Deus por seu legado!
*Texto traduzido e publicado originalmente por Novos Diálogos, por ocasião da morte de John Stott.
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As controvérsias de Jesus
A igreja autêntica
John Stott, uma carta de boas notícias [Robinson Cavalcanti]
É fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? e colunista da revista Ultimato.
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