Opinião
- 17 de abril de 2015
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Religião rima com violência?
Tenho um coração pela África. Amei cada viagem que fiz a esse hospitaleiro continente, um lugar com gente especial, que também enfrenta temas complexos. Em poucos dias voltarei a visitá-lo, dessa vez na Nigéria. Além de servir ao que talvez seja o maior movimento estudantil cristão do mundo, NIFES (afiliado a IFES, movimento irmão da ABU), terei o prazer de me encontrar com aqueles que supervisionam a obra nos países de língua inglesa e portuguesa da região. Terei uma oportunidade única de buscar entender melhor os desafios que muitos países enfrentam; intolerância e violência infelizmente são parte dessas agendas.
Uma tragédia recente compõe esse cenário. Dos até então 148 mortos no ataque à universidade de Garissa, no Quênia, 22 eram parte do grupo local de FOCUS (também afiliado a IFES) que se reuniam em oração no momento da tragédia. Ficou evidente que o lugar em que se reuniam foi um dos primeiros alvos, e que houve em todo o episódio uma certa triagem, quando ser cristão era uma desvantagem mortal.
Se a fé é usada como uma “razão” para a violência, o que devemos fazer a esse respeito? Podemos concordar com as análises que associam uma, a religião, indelevelmente à outra, a violência? Como entender melhor e que caminhos de solução, sem cair em tentações simplistas, podem ser tentados adiante?
A religião é ambivalente. Sim, ela pode e tem sido usada na história como uma poderosa força de identificação para “justificar” a manifestação violenta de indivíduos, de grupos e mesmo de estados. Ainda assim, me parece que não seria correto nem justo associar religião com violência. Há fartos exemplos na história, possivelmente bem mais do que os episódios de terrorismo ou de violência organizada, que demostram o poder da fé: estimulando a resistência ao autoritarismo, fortalecendo movimentos democráticos e de direitos humanos ou ajudando a aliviar o sofrimento de muitos.
Digo religião em um sentido bem mais amplo, e não explicitamente a minha própria fé cristã, consciente de que para muitos é fácil identificar a sua própria fé como positiva e pacífica, e a do outro como intolerante e violenta. Na verdade, é bem mais difícil encontrar confissões de fé que sejam radicalmente pacifistas, aquelas que não ficam só na teoria mas que assim se revelam através da práxis de seus membros.
Voltando ao tema da religião ser usada para justificar atos de crueldade. Apenas comecei a ler trechos do que parece ser um excelente livro, “Rethinking religion and world affairs”1. Meu interesse em agora voltar a lê-lo com calma e detalhe se baseia na busca por entender algumas das posições aí defendidas. Alguns dos autores, ainda que cuidadosos em não associar de maneira definitiva a religião com o terrorismo ou com as guerras civis, apresentam dados que confrontam minhas percepções prévias de que não seria adequado associar a fé com a intolerância violenta.
Nunca apreciei que se associasse, por exemplo, o terrorismo com a fé islâmica. Sempre me pareceu injusto, perigoso e suscetível a compor uma agenda de dominação ideológica ou religiosa por parte de outro grupo (muitas vezes o meu próprio), os cristãos. Também não aprecio que se ignorem outros fatores que se escondem por detrás da violência, sejam culturais em um sentido mais amplo, étnicos, socioeconômicos, geográficos, políticos, onde a luta pelo poder se conduz mais facilmente através de máscaras religiosas que costumam ser úteis para esconder outras razões, além de ser bem eficazes para motivar as massas.
Chegando à leitura com essas minhas reservas, fui confrontado por estudos que apontam a ideologia islâmica como um fator motivador da violência contemporânea de maneira mais frequente que outras tradições religiosas. Isso deveria nos levar, a todos, a algum tipo de reflexão. Há que se buscar entender melhor as razões para isso, seja com humildade por aqueles dentro da própria comunidade islâmica, seja com sensibilidade e também sem arrogância por parte daqueles que não fazem parte dela.
Algumas dessas conclusões (sobre associação entre o Islã e a violência) seriam motivo para que eu estereotipe e seja intolerante ou até mesmo violento com os adeptos da fé islâmica? Para mim a resposta é um óbvio não, ainda mais porque quando se usa a religião como motivo para a agressividade, sem importar de que lado você está, a partir de uma ou outra religião ou ainda desde um secularismo ideológico, o resultado costuma ser pior ou mais intratável que outros tipos de violência.
Cento e quarenta e oito mortes violentas em uma universidade, sejam as vítimas cristãs, muçulmanas, agnósticas ou ateias, desvelam uma tragédia inominável e totalmente repudiável. Chorar juntos e ser solidários são respostas iniciais importantes. Mas é preciso seguir além e buscar entender conjunturas mais amplas, dialogar, construir ordens nacionais e internacionais mais justas.
Quando regressar da visita solidária a meus queridos irmãos na África espero voltar com ideias adicionais para essa reflexão. Estou mais que disposto a aprender e a atesourar as lições que eles estão aprendendo através desses tristes episódios. Quem sabe, se aprendermos bem, podemos tentar evitar aqui entre nós a omissão ou a incoerência em nossos próprios caminhos. Estereotipar ou simplificar as causas dos nossos problemas não nos ajudará. Violência não se resolverá com mais violência. A vida de todos, independentemente de sua religião, idade, condição social ou identidade, é um dom precioso que merece ser bem protegido. Cada um de nós deveria sempre, sem duvidar, defender a vida.
1. “Rethinking religion and world affairs”, Ed. Timothy Samuel Shah, Alfred Stepan and Monica Duffy Toft, Oxford University Press, 2012.
Leia também:
Islã: religião de paz? (Revista Ultimato 353)
Desafiando o islamismo radical
Aliança Evangélica Mundial classifica como covarde, sem sentido e desumano o assassinato de estudantes cristãos no Quênia
Uma tragédia recente compõe esse cenário. Dos até então 148 mortos no ataque à universidade de Garissa, no Quênia, 22 eram parte do grupo local de FOCUS (também afiliado a IFES) que se reuniam em oração no momento da tragédia. Ficou evidente que o lugar em que se reuniam foi um dos primeiros alvos, e que houve em todo o episódio uma certa triagem, quando ser cristão era uma desvantagem mortal.
Se a fé é usada como uma “razão” para a violência, o que devemos fazer a esse respeito? Podemos concordar com as análises que associam uma, a religião, indelevelmente à outra, a violência? Como entender melhor e que caminhos de solução, sem cair em tentações simplistas, podem ser tentados adiante?
A religião é ambivalente. Sim, ela pode e tem sido usada na história como uma poderosa força de identificação para “justificar” a manifestação violenta de indivíduos, de grupos e mesmo de estados. Ainda assim, me parece que não seria correto nem justo associar religião com violência. Há fartos exemplos na história, possivelmente bem mais do que os episódios de terrorismo ou de violência organizada, que demostram o poder da fé: estimulando a resistência ao autoritarismo, fortalecendo movimentos democráticos e de direitos humanos ou ajudando a aliviar o sofrimento de muitos.
Digo religião em um sentido bem mais amplo, e não explicitamente a minha própria fé cristã, consciente de que para muitos é fácil identificar a sua própria fé como positiva e pacífica, e a do outro como intolerante e violenta. Na verdade, é bem mais difícil encontrar confissões de fé que sejam radicalmente pacifistas, aquelas que não ficam só na teoria mas que assim se revelam através da práxis de seus membros.
Voltando ao tema da religião ser usada para justificar atos de crueldade. Apenas comecei a ler trechos do que parece ser um excelente livro, “Rethinking religion and world affairs”1. Meu interesse em agora voltar a lê-lo com calma e detalhe se baseia na busca por entender algumas das posições aí defendidas. Alguns dos autores, ainda que cuidadosos em não associar de maneira definitiva a religião com o terrorismo ou com as guerras civis, apresentam dados que confrontam minhas percepções prévias de que não seria adequado associar a fé com a intolerância violenta.
Nunca apreciei que se associasse, por exemplo, o terrorismo com a fé islâmica. Sempre me pareceu injusto, perigoso e suscetível a compor uma agenda de dominação ideológica ou religiosa por parte de outro grupo (muitas vezes o meu próprio), os cristãos. Também não aprecio que se ignorem outros fatores que se escondem por detrás da violência, sejam culturais em um sentido mais amplo, étnicos, socioeconômicos, geográficos, políticos, onde a luta pelo poder se conduz mais facilmente através de máscaras religiosas que costumam ser úteis para esconder outras razões, além de ser bem eficazes para motivar as massas.
Chegando à leitura com essas minhas reservas, fui confrontado por estudos que apontam a ideologia islâmica como um fator motivador da violência contemporânea de maneira mais frequente que outras tradições religiosas. Isso deveria nos levar, a todos, a algum tipo de reflexão. Há que se buscar entender melhor as razões para isso, seja com humildade por aqueles dentro da própria comunidade islâmica, seja com sensibilidade e também sem arrogância por parte daqueles que não fazem parte dela.
Algumas dessas conclusões (sobre associação entre o Islã e a violência) seriam motivo para que eu estereotipe e seja intolerante ou até mesmo violento com os adeptos da fé islâmica? Para mim a resposta é um óbvio não, ainda mais porque quando se usa a religião como motivo para a agressividade, sem importar de que lado você está, a partir de uma ou outra religião ou ainda desde um secularismo ideológico, o resultado costuma ser pior ou mais intratável que outros tipos de violência.
Cento e quarenta e oito mortes violentas em uma universidade, sejam as vítimas cristãs, muçulmanas, agnósticas ou ateias, desvelam uma tragédia inominável e totalmente repudiável. Chorar juntos e ser solidários são respostas iniciais importantes. Mas é preciso seguir além e buscar entender conjunturas mais amplas, dialogar, construir ordens nacionais e internacionais mais justas.
Quando regressar da visita solidária a meus queridos irmãos na África espero voltar com ideias adicionais para essa reflexão. Estou mais que disposto a aprender e a atesourar as lições que eles estão aprendendo através desses tristes episódios. Quem sabe, se aprendermos bem, podemos tentar evitar aqui entre nós a omissão ou a incoerência em nossos próprios caminhos. Estereotipar ou simplificar as causas dos nossos problemas não nos ajudará. Violência não se resolverá com mais violência. A vida de todos, independentemente de sua religião, idade, condição social ou identidade, é um dom precioso que merece ser bem protegido. Cada um de nós deveria sempre, sem duvidar, defender a vida.
1. “Rethinking religion and world affairs”, Ed. Timothy Samuel Shah, Alfred Stepan and Monica Duffy Toft, Oxford University Press, 2012.
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É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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