Opinião
- 03 de fevereiro de 2009
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Relativismo, certeza e agnosticismo em teologia
Não me entendam mal. Eu também acredito que a teologia é um construto humano, e como tal, imperfeito, incompleto e certamente relativo. Estou longe de adotar para com a teologia reformada uma postura similar àquela que considera a tradição aristotélica-tomista como a filosofia e/ou teologia “perene”. Também considero que a teologia é fruto da reflexão humana e, portanto, sempre sujeita às vulnerabilidades de nossa natureza humana decaída. Mas não ao ponto de não poder refletir com uma medida de veracidade e fidelidade a revelação de Deus nas Escrituras. O problema com essa postura relativista é que ela desistiu completamente da verdade. É agnóstica. Eu creio que a teologia, se feita “levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10.5), se for fiel à revelação bíblica, produzirá sínteses confiáveis que podem servir de referencial para as igrejas de todas as gerações, conforme, aliás, as confissões reformadas elaboradas nos séculos 16 e 17 vêm fazendo há alguns séculos.
Mas, os teólogos relativistas acreditam em quê? Em tudo e, portanto, em nada. Eles tentam manter tudo fluido, em permanente devir, sempre abertos para todas as possibilidades. Nesse caso, não teriam que, forçados pela própria lógica, aceitar também a teologia conservadora como uma teologia legítima? É aqui que a lógica relativista se quebra. Pois para eles, todas as opiniões estão corretas -- menos as dos conservadores.
Um amigo meu, que é teólogo, me disse outro dia numa conversa: “A verdade é absoluta, mas minha percepção dela é sempre relativa”. Até hoje estou intrigado com essa declaração. Eu o conheço o suficiente para saber que ele não é relativista. Sou obrigado a reconhecer, por força do conhecimento da minha própria limitação e subjetividade, que ele está certo quanto à relatividade da nossa percepção teológica.
Porém, por outro lado, reluto em aceitar as consequências plenas dessa declaração. Primeiro, como podemos falar de verdade absoluta, se é que sempre temos uma percepção relativa dela? Se existe verdade absoluta, não seria teoricamente possível conhecê-la como tal? Segundo, embora pareça humildade, admitir o caráter sempre relativo da nossa percepção implica em admitir que ninguém tem a verdade, o que acaba com a possibilidade do certo e do errado, do verdadeiro e do falso como conceitos públicos, transformando cada indivíduo, ao final, no referencial último dessas coisas. Será que não poderíamos dizer que nós, mesmo enviesados por nossos pressupostos e preconceitos (horizontes), ainda somos capazes, em virtude na nossa humanidade básica compartilhada com as pessoas de todas as épocas -- para não mencionar a graça comum e a ação do Espírito Santo --, de perceber a verdade da mesma forma que outras pessoas a perceberam em outros tempos e em outros lugares?
Aqui as palavras de Anthony Thiselton são pertinentes:
“O que será da ética cristã se adotarmos uma perspectiva relativista da natureza humana? Se a experiência da dor, do sofrimento e da cura no mundo antigo não têm qualquer continuidade com qualquer conceito moderno, o que poderemos dizer acerca do amor, autosacrifício, santidade, fé, pecado, rebelião etc.? Ninguém num departamento de línguas clássicas, literatura ou filosofia de uma universidade aceitaria as implicações de um relativismo tão radical. Nada poderíamos aprender sobre a vida, o pensamento, ou a ética dos escritores que viveram em culturas antigas. Com certeza, nenhum estudioso, se pressionado com essas implicações, defenderia até o fim esse tipo de relativismo.”[1]
4) Uma última dificuldade que desejo mencionar é que essa visão, se levada às últimas consequências, acaba nos privando da Bíblia. Vejamos. Quem defende essa visão (há exceções, eu sei) geralmente tem dificuldades em aceitar que as Escrituras do Antigo Testamento e Novo Testamento foram dadas por inspiração divina e são, portanto, infalíveis. Nessa lógica, as Escrituras são apenas a reflexão teológica de Israel e da igreja cristã primitiva. Consideremos as cartas de Paulo. Elas são a teologia do apóstolo, resultado da aplicação que ele fazia das boas novas às situações novas das igrejas nascentes no mundo helênico. Para ser coerente, quem defende que toda teologia é relativa, imperfeita e subjetiva, e que é válida somente dentro dos limites da cultura e da geração em que foi produzida, não poderia aceitar hoje a teologia de Paulo, de Pedro, de João, de Isaías. Teria de rejeitar as Escrituras como um todo, pois elas são a teologia de Israel e da Igreja, elaboradas em uma época e em uma cultura completamente diferentes da nossa.
Para dizer a verdade, há quem faça isso mesmo. Os antigos liberais faziam. Para eles, a Bíblia nada mais era que a teologia (ultrapassada) dos seus autores. O cristianismo se reduzia a valores éticos e morais, que eram as únicas coisas permanentes nesse mundo. Eu admiro e respeito os antigos liberais. Os de hoje, precisariam assumir o discurso relativista e levá-lo às últimas consequências. Pode ser que não conseguiriam absolutamente nada com isso, como acho que não vão conseguir. Mas, pelo menos, teriam o meu respeito -- se é que isso vale alguma coisa.
Nota
[1] THISELTON, Anthony C., The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and Philosophical Description (Grand Rapids: Eerdmans, 1980).
Publicado originalmente no blog O Tempora, O Mores!
• Augustus Nicodemus é pastor presbiteriano, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em interpretação bíblica pelo Westminster Theological Seminary, Estados Unidos, e autor de, entre outros, “O que Estão Fazendo com a Igreja” (Mundo Cristão).
Mas, os teólogos relativistas acreditam em quê? Em tudo e, portanto, em nada. Eles tentam manter tudo fluido, em permanente devir, sempre abertos para todas as possibilidades. Nesse caso, não teriam que, forçados pela própria lógica, aceitar também a teologia conservadora como uma teologia legítima? É aqui que a lógica relativista se quebra. Pois para eles, todas as opiniões estão corretas -- menos as dos conservadores.
Um amigo meu, que é teólogo, me disse outro dia numa conversa: “A verdade é absoluta, mas minha percepção dela é sempre relativa”. Até hoje estou intrigado com essa declaração. Eu o conheço o suficiente para saber que ele não é relativista. Sou obrigado a reconhecer, por força do conhecimento da minha própria limitação e subjetividade, que ele está certo quanto à relatividade da nossa percepção teológica.
Porém, por outro lado, reluto em aceitar as consequências plenas dessa declaração. Primeiro, como podemos falar de verdade absoluta, se é que sempre temos uma percepção relativa dela? Se existe verdade absoluta, não seria teoricamente possível conhecê-la como tal? Segundo, embora pareça humildade, admitir o caráter sempre relativo da nossa percepção implica em admitir que ninguém tem a verdade, o que acaba com a possibilidade do certo e do errado, do verdadeiro e do falso como conceitos públicos, transformando cada indivíduo, ao final, no referencial último dessas coisas. Será que não poderíamos dizer que nós, mesmo enviesados por nossos pressupostos e preconceitos (horizontes), ainda somos capazes, em virtude na nossa humanidade básica compartilhada com as pessoas de todas as épocas -- para não mencionar a graça comum e a ação do Espírito Santo --, de perceber a verdade da mesma forma que outras pessoas a perceberam em outros tempos e em outros lugares?
Aqui as palavras de Anthony Thiselton são pertinentes:
“O que será da ética cristã se adotarmos uma perspectiva relativista da natureza humana? Se a experiência da dor, do sofrimento e da cura no mundo antigo não têm qualquer continuidade com qualquer conceito moderno, o que poderemos dizer acerca do amor, autosacrifício, santidade, fé, pecado, rebelião etc.? Ninguém num departamento de línguas clássicas, literatura ou filosofia de uma universidade aceitaria as implicações de um relativismo tão radical. Nada poderíamos aprender sobre a vida, o pensamento, ou a ética dos escritores que viveram em culturas antigas. Com certeza, nenhum estudioso, se pressionado com essas implicações, defenderia até o fim esse tipo de relativismo.”[1]
4) Uma última dificuldade que desejo mencionar é que essa visão, se levada às últimas consequências, acaba nos privando da Bíblia. Vejamos. Quem defende essa visão (há exceções, eu sei) geralmente tem dificuldades em aceitar que as Escrituras do Antigo Testamento e Novo Testamento foram dadas por inspiração divina e são, portanto, infalíveis. Nessa lógica, as Escrituras são apenas a reflexão teológica de Israel e da igreja cristã primitiva. Consideremos as cartas de Paulo. Elas são a teologia do apóstolo, resultado da aplicação que ele fazia das boas novas às situações novas das igrejas nascentes no mundo helênico. Para ser coerente, quem defende que toda teologia é relativa, imperfeita e subjetiva, e que é válida somente dentro dos limites da cultura e da geração em que foi produzida, não poderia aceitar hoje a teologia de Paulo, de Pedro, de João, de Isaías. Teria de rejeitar as Escrituras como um todo, pois elas são a teologia de Israel e da Igreja, elaboradas em uma época e em uma cultura completamente diferentes da nossa.
Para dizer a verdade, há quem faça isso mesmo. Os antigos liberais faziam. Para eles, a Bíblia nada mais era que a teologia (ultrapassada) dos seus autores. O cristianismo se reduzia a valores éticos e morais, que eram as únicas coisas permanentes nesse mundo. Eu admiro e respeito os antigos liberais. Os de hoje, precisariam assumir o discurso relativista e levá-lo às últimas consequências. Pode ser que não conseguiriam absolutamente nada com isso, como acho que não vão conseguir. Mas, pelo menos, teriam o meu respeito -- se é que isso vale alguma coisa.
Nota
[1] THISELTON, Anthony C., The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and Philosophical Description (Grand Rapids: Eerdmans, 1980).
Publicado originalmente no blog O Tempora, O Mores!
• Augustus Nicodemus é pastor presbiteriano, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em interpretação bíblica pelo Westminster Theological Seminary, Estados Unidos, e autor de, entre outros, “O que Estão Fazendo com a Igreja” (Mundo Cristão).
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