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Opinião

Reflexões da quarentena: uma dupla pandemia - a do vírus e a do pânico

Por Carlos “Catito” Grzybowski
 
Há alguns dias, enquanto passava roupa1, estava refletindo sobre a dimensão da pandemia do coronavírus (Covid-19) e especialmente qual nosso papel enquanto cristãos em meio a esse clima de pânico, incertezas, disputas político-ideológicas etc. 
 
Uma das primeiras coisas que me veio à mente foi sobre o uso de nossa língua, que em tempos modernos é traduzida em “posts de mídias sociais”. Fico impressionado com a quantidade de informações e a imensidão de especialistas que a crise fez brotar. Médicos, economistas, matemáticos, psicólogos, religiosos e gente das mais distintas profissões gravam vídeos e emitem suas opiniões e hipóteses, sempre “muito bem fundamentadas” sobre que ações se devem e não se devem tomar no momento. 
 
Isso me remete ao texto da epístola de Tiago 3.5: “Semelhantemente, a língua é um pequeno órgão do corpo, mas se vangloria de grandes coisas. Vejam como um grande bosque é incendiado por uma simples fagulha”. Ouvimos vozes que ressoam em nossa interioridade e imediatamente repassamos a informação – afinal ela foi emitida por um “expert” e, claro, a informação PRECISA circular e chegar ao maior número de pessoas! Então, eu me peguei pensando se estou tendo a atitude dos bereianos (Atos 17:11), ou, se inflamado pela ansiedade gerada pela crise, simplesmente alastro incêndios com minha língua/mídia social? Coloquei em meu coração a disposição de seguir o conselho paulino em 1 Tessalonicenses 5:21: “julgai todas as coisas, retende o que é bom”
 
A segunda coisa que me ocorreu, entre uma toalha e uma fronha a ser passada, foi sobre o valor que damos à vida humana. Impactou-me ouvir pessoas – na sua maioria empresários – afirmando que “o Brasil não pode parar” e que a quarentena deve cessar em prol da economia nacional. Sem dúvida que o impacto dessa crise na economia mundial será devastador. Teremos que reaprender a viver numa sociedade do CONSUMO onde a grande maioria por muito tempo não terá recursos para consumir e isso afetará o CRESCIMENTO, tão buscado por todos os países do mundo. Lembrei também do e-mail que recebi ontem do meu contador avisando que estava fechando a folha de pagamento dos funcionários do consultório e se teria algum desconto. Confesso que primeiro não entendi esse ‘desconto’, mas depois lembrei que informei à contabilidade que o consultório estaria fechado e que a secretária ficaria em casa – mas JAMAIS pensei em reduzir o valor do salário ou qualquer benefício dela em função da crise. Com o e-mail do contador me dei conta que a grande maioria não pensa como eu. 

>> Saúde coletiva, responsabilidade cristã e vida em comunidade <<
 
A busca obstinada de lucro, de produção, de crescimento e enriquecimento nos tem levado a avaliar a VIDA apenas em termos NUMÉRICOS! “Serão ‘apenas’ alguns milhares de idosos que irão morrer”, comentam alguns. Eu me pergunto: quanto vale a vida de UM idoso? Será que aqueles que incentivam carreatas para o fim da quarentena estariam dispostos a vender UM de seus bens (jatos particulares, iates, casas de veraneio) para REPARTIR entre seus funcionários, ao invés de reduzir seus salários e/ou demiti-los? Pois o fim do isolamento irá promover mais mortes (vide a experiência de Milão e o arrependimento de seu prefeito2 sobre o encerramento precoce da quarentena). Será que os bilionários do país estariam dispostos a doar uma mínima parte de sua fortuna para amenizar os efeitos da crise? Será que eu e você, enquanto cristãos, estamos dispostos a abrir mão de um pouco de nosso conforto material, alcançado com tanto trabalho e esforço, para ajudar os que pouco ou nada tem? (Melhor deixar isso só para os bilionários). Ou será que no fundo eu penso: "eu trabalhei, eu MEREÇO!!!"? Talvez o bilionário pense o mesmo e assim é a sociedade da meritocracia! Voltei novamente minha mente para as epístolas paulinas e em 1 Timóteo 6:10 lembrei da advertência: “Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores”
 
Pensei que me preocupo demasiado quando tenho demasiado e que isso adoece (Mateus 6:19-34)! O discurso de João Batista era: “Arrependei-vos! (...) produzi frutos dignos do arrependimento (...) quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo” (Mateus 3:1 / Lucas 3:8 e 11). Repartir para ter saúde! Essa é a chave! 
 
Por fim, em meio a panos de prato e pijamas a serem passados, lembrei-me dos inúmeros irmãos que me falaram esses dias sobre o temor da morte. SIM! Essa senhora desconhecida e inimiga que nos rodeia todos os dias, zombando de nossas artificiais neuroses de pseudo-controle sobre ela. 
 
“Não toque nisso”! “Lave aquilo”! “Luvas, máscaras, álcool, esterilização, cuidado”! Sim, tudo isso é importante e deve ser feito de forma responsável, sem sombra de dúvidas. Todavia acima de tudo isso nós devemos ter a consciência de nossa finitude! Vamos morrer! Seja desse vírus, de uma parada cardíaca, acidente ou outra doença. E a pergunta que devemos nos fazer é: qual o significado da morte para mim? Fim de tudo? Início da vida eterna? Ou CONTINUIDADE de um projeto de vida? 
 
Sim, eu penso que a corporeidade é uma etapa do Ciclo Vital que nos prepara para a RESSUREIÇÃO – todos os dias milhares de células nossas morrem e outras milhares de células nascem (que são idênticas às que morreram e ao mesmo tempo são diferentes – somos seres programados biologicamente para a ressureição). Logo a VIDA deve ser entendida nesse ‘continŭus’ onde o projeto da mesma não se esgota no aqui e agora. Viver com a perspectiva dos valores da eternidade nos dá um sentido maior para a existência. Meu labor diário não é movido pelo que se esgota aqui e sim pelo que terá validade pelos tempos dos tempos. 
 
Não estou sendo mórbido e afirmando que devemos ficar pensando na morte – por favor, não me entendam mal! Estou afirmando que SIM, devemos ter um projeto de vida significativo que vá além daquilo que produzimos aqui e agora, que esteja pleno dos valores do Reino – que não é desse mundo – e que a cada dia produz em mim a NÃO conformidade e o desejo contínuo de TRANSFORMAÇÃO, para tentar, ainda que debilmente, compreender a BOA, AGRADÁVEL e PERFEITA vontade de Deus! (Romanos 12:2).

Notas
  1. Estava fazendo essa tarefa porque nossa ajudante é uma senhora que ano passado teve pneumonia e faz parte do grupo de risco e por isso a dispensei de vir nas próximas semanas – não sem antes deixar pago o valor correspondente!
  2. Revista VEJA, Disponível em https://veja.abril.com.br/mundo/prefeito-de-milao-admite-erro-apos-campanha-para-nao-parar-a-cidade/, acesso em 28/03/2020. 
• Carlos “Catito” Grzybowski é psicólogo, terapeuta familiar, mestre em psicologia de infância e adolescência, doutor em linguística aplicada. É autor de Acontece nas Melhores Famílias, Como se Livrar de um Mau Casamento, Macho e Fêmea os CriouPais Santos, Filhos Nem Tanto, entre outros.

 

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