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Opinião

Redução da maioridade penal: o efeito dominó

Liberte os que estão sendo levados para a morte; socorra os que caminham trêmulos para a matança! Mesmo que você diga: "Não sabíamos o que estava acontecendo!”. Não o perceberia aquele que pesa os corações? Não o saberia aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá ele a cada um segundo o seu procedimento?
Provérbios 24.11,12

A pergunta se você é contra ou a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos ou menos, como defendem alguns, tenta simplificar um tema que é por demais complexo. A Constituinte de 1988, e posteriormente em 1990, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabeleceu os 18 anos, tinha uma intencionalidade e buscava um referencial de passagem; ou rito da possibilidade do adolescente passar a assumir responsabilidade de um adulto. Infelizmente, dado à precipitação com que o Congresso tem buscado votar este e outros temas de fundamental importância para a cidadania brasileira, corremos o risco de cometer um grave erro histórico que certamente as atuais e futuras gerações irão nos cobrar.

Creio que toda lei que implica a vida de muitas pessoas, em especial de crianças e adolescentes, deve ser pensada e avaliada, não olhando para o passado e tampouco o clamor do presente, mas as implicações direta e indiretamente que determinada mudança pode trazer. É importante termos um horizonte de longo prazo, afinal, cada vida humana tem o seu valor e dignidade própria. Nosso principal compromisso não é apenas com o mundo que temos, mas especialmente com o mundo que pretendemos deixar para nossas crianças, adolescentes e jovens.

A etapa da adolescência e juventude, além de ser a fase de formação do ser humano, é a mais curta da vida, exigindo da família, sociedade e Estado os seus melhores esforços para a construção de comunidades justas e fraternas. Isto posto, gostaria de apresentar algumas áreas que, segundo alguns especialistas, a mudança da maioridade penal poderia ter implicações diretas ou indiretas, abrindo brechas sobre a vida dos adolescentes.

1. Trabalho e Educação

Sabemos que a educação é o grande desafio de nossa sociedade atual. Se queremos um futuro melhor, não apenas para nossos jovens, mas se desejamos construir uma nação que dê oportunidades para todas e todos. Segundo pesquisas do MEC (Ministério da Educação) as fases dos ensinos fundamental e médio são o grande desafio para nossa sociedade por vários motivos; talvez, o mais conhecido deles seja que a escola não tem conseguido ser atrativa o suficiente para manter nossos adolescentes lá. A legislação atual impede o trabalho para menores de 14 anos, e entre os 16 e 18 existem restrições para determinados tipos de trabalho como noturno, insalubre, perigoso. Certamente essas proibições corroboram para manter os adolescentes e jovens na escola. A redução da maioridade penal pode abrir precedentes para que os jovens abandonem ainda mais cedo a escola e entrem logo no mercado de trabalho, comprometendo assim o seu futuro.

2. Habilitação e segurança no trânsito

Como todos sabemos vivemos uma verdadeira guerra no trânsito. Em 2013 foram mais de 40 mil mortes e, infelizmente, as autoridades não têm conseguido desenvolver estratégias eficientes para a redução deste alarmante número. A redução da maioridade penal poderá colocar jovens de 16 anos atrás do volante porque, segundo a legislação, a primeira condição para um brasileiro se habilitar a conduzir um veículo é ser plenamente imputável. Teoricamente, se uma pessoa com 16 anos pode votar e decidir o futuro do país ela poderá dirigir um carro. Mas a maturidade precisa ser melhor trabalhada e, certamente, o processo de formação precisará ser ajustado a uma nova realidade. Minha pergunta é: as autoridades e órgãos competentes estão preparados para uma nova realidade de aumento significativo de jovens dirigindo em nossas cidades e estradas?

3. Venda e uso de álcool
Este poderá ser outro efeito cascata na redução da maioridade penal. Mais uma vez o objetivo do texto não nos permite aprofundar o tema do uso de álcool na adolescência e juventude, mas temos vastas pesquisas que comprovam o uso e abuso de álcool nesse segmento da população. Certamente que inibir a venda e uso de álcool para menores de 18 anos é um fator importante para a família e para o próprio jovem que não tem sua formação totalmente acabada. Com a redução, os jovens estarão mais vulneráveis ao vício ou às consequências do uso abusivo. Mesmo que a redução da maioridade penal não trate especificamente desse tema, certamente abrirá brechas para que o “lobby” das indústrias de bebidas entre em campo.

4. Exploração e abuso sexual
Por último, mas da mesma forma importante, a redução da maioridade penal abriria uma brecha perigosa contra uma luta histórica que nossa sociedade vem travando, que é o enfrentamento da exploração sexual de adolescentes e jovens. A mudança poderá desmontar todo o sistema legal de proteção à juventude e poderá vulnerabilizar ainda mais os adolescentes e jovens, especialmente as meninas para serem exploradas sexualmente, a pornografia infantil, sequestro e tráfico de pessoas. Recentemente o próprio Congresso modificou o ECA no sentido de punir com mais rigor o adulto que explora sexualmente as crianças e jovens. Porém, a redução da maioridade penal poderá fragilizar ainda mais a luta e combate a este grande mal que tem acometido nossas adolescentes e jovens. Curioso que um o senador que tem como bandeira a defesa da família e a “pedofilia infantil”, além de exercer a presidência da Frente Parlamentar em Defesa da Família, é um dos ardorosos defensores do rebaixamento da idade penal. É lamentável como nossos legisladores não conseguem fazer a relação de uma medida e seus efeitos na vida que eles dizem proteger. Segundo especialistas, a alteração da lei poderá legalizar a exploração sexual legal entre os 16 e 17 anos e abrir a porta para o segmento logo a seguir na faixa dos 14 e 15 anos. Ou seja, os exploradores e pedófilos devem estar felizes com esta possibilidade de abusar ainda mais cedo de nossas crianças e adolescentes.

Os parlamentares defensores da redução tratam os meninos de 14 a 16 anos como marginais perigosos e, sem dúvida, muitos deles cometem crimes graves. Mas, como Igreja que segue Jesus Cristo, não podemos olhar para meninos e meninas desta forma. Quando Jesus colocou um menino no meio e afirmou que das “crianças é o Reino de Deus” não podemos pensar que Jesus estava se referindo exclusivamente a meninos de bom comportamento. Como igreja, devemos olhar para cada ser humano - e especialmente crianças e adolescentes - com um olhar de esperança, vendo em cada um desses meninos o que eles podem ser em Cristo. Se Jesus estivesse vivendo fisicamente em nossa sociedade hoje, ele reafirmaria que “não veio para os sãos e que não precisam de médicos, mas sim para os doentes”, principalmente se estes são adolescentes e jovens.


• Welinton Pereira da Silva é pastor metodista em Brasília (DF). Trabalha também como gerente de relações institucionais da ONG Visão Mundial e é Assessor de Advocacy e Direitos Humanos da Aliança Cristã Evangélica Brasileira. Welinton é um dos organizadores do livro Uma Criança os Guiará.

Nota:
Este artigo foi publicado originalmente no site da Aliança Evangélica.

Foto: freeimages.com/photo/927167

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