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- 15 de outubro de 2018
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Reação da Igreja Medieval à moda feminina
Por Rute Salviano Almeida
"Mulher aposta naturalmente na aparência porque se sabe deficitária na substância; a sua tradicional falta de racionalidade e de firmeza leva-a a privilegiar os bens caducos e imperfeitos da exterioridade, incapaz como é de perseguir sozinha os bens perfeitos e duradouros da virtude." (VARAZZE, Tiago. Chronica) [1]
Para os religiosos da Idade Média, o cuidado excessivo com a aparência constituía um grave defeito moral. A vaidade era considerada um defeito que devia ser evitado. Os clérigos trabalharam arduamente para restringir a difusão de ideias de valorização dos traços físicos e da aparência.
Tomás de Aquino orientava a tratar o amor ao vestuário como um pecado venial, quando era induzido pela vaidade mais do que pela luxúria; já os pregadores mendicantes posteriores o consideravam um pecado mortal.
No século 13, os cardeais elaboraram até algumas leis sobre o comprimento dos vestidos e decretaram que as mulheres deveriam usar véus. Esses eclesiásticos tentaram criar uma categoria visual de honra feminina insistindo no véu como um sinal da mulher convenientemente casada – uma moda expressamente recusada por muitos governos urbanos às prostitutas públicas, que tinham de andar na rua com o rosto descoberto.
Então, elas mandaram fazer véus de musselina e seda muito fina com fios de ouro, com os quais se mostravam mais belas e provocavam ainda mais os olhares dos homens. Alguns véus eram transparentes e nada ocultavam e outros, mais complicados, escondiam demais, dissimulando perigosamente a identidade e a classe de uma mulher.
O monge Guyot de Provins queixava-se de que as mulheres usavam tanta pintura no rosto que nada sobrava depois para colorir as imagens; preveniu-as de que, ao usarem cabelos postiços ou ao aplicarem no rosto cataplasmas de feijões moídos e leite de vaca para melhorar a sua cútis, estariam, com isso, prolongando por muitos séculos o seu sofrimento no purgatório.
E algumas irritavam o clero e, sem dúvida, o marido, com o uso de chapéus altos em forma de cone, enfeitados com chifres. Houve um tempo em que uma mulher ficava sujeita a cair no ridículo se não tivesse chifres no chapéu.
As mulheres de vida secular dispensavam cuidados com sua aparência, apesar de criticadas pelos religiosos, porém as monjas, que eram consideradas quase santas pela vida reclusa e espiritual, tornavam-se mais belas pelo uso de adornos simbólicos, tais como:
• unguento da temperança;
• cosmético da boa fama;
• colar da doutrina;
• brincos da obediência;
• anel da fé;
• vestes de linho da castidade; e
• cinto da disciplina.
Essa comparação traz à memória o texto contido no Novo Testamento, que pode ter-lhe servido de inspiração: “Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus. Pois foi assim também que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seus próprios maridos, como fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe senhor, da qual vós vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma” (1Pedro 3.3-6).
Nota:
1. VARAZZE, Tiago. Chronica, p. 205-206, citado por VECCHIO, Silvana. A boa esposa, in: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no Ocidente, p. 128
Texto originalmente publicado no livro Uma voz feminina calada pela Inquisição (Editora Hagnos). Reproduzido com permissão.
Leia mais
» Mulheres que conciliaram trabalho e pregação, contemplação e caridade
» Tiveram as mulheres alguma participação na Reforma Protestante?
"Mulher aposta naturalmente na aparência porque se sabe deficitária na substância; a sua tradicional falta de racionalidade e de firmeza leva-a a privilegiar os bens caducos e imperfeitos da exterioridade, incapaz como é de perseguir sozinha os bens perfeitos e duradouros da virtude." (VARAZZE, Tiago. Chronica) [1]
Para os religiosos da Idade Média, o cuidado excessivo com a aparência constituía um grave defeito moral. A vaidade era considerada um defeito que devia ser evitado. Os clérigos trabalharam arduamente para restringir a difusão de ideias de valorização dos traços físicos e da aparência.
Tomás de Aquino orientava a tratar o amor ao vestuário como um pecado venial, quando era induzido pela vaidade mais do que pela luxúria; já os pregadores mendicantes posteriores o consideravam um pecado mortal.
No século 13, os cardeais elaboraram até algumas leis sobre o comprimento dos vestidos e decretaram que as mulheres deveriam usar véus. Esses eclesiásticos tentaram criar uma categoria visual de honra feminina insistindo no véu como um sinal da mulher convenientemente casada – uma moda expressamente recusada por muitos governos urbanos às prostitutas públicas, que tinham de andar na rua com o rosto descoberto.
Então, elas mandaram fazer véus de musselina e seda muito fina com fios de ouro, com os quais se mostravam mais belas e provocavam ainda mais os olhares dos homens. Alguns véus eram transparentes e nada ocultavam e outros, mais complicados, escondiam demais, dissimulando perigosamente a identidade e a classe de uma mulher.
O monge Guyot de Provins queixava-se de que as mulheres usavam tanta pintura no rosto que nada sobrava depois para colorir as imagens; preveniu-as de que, ao usarem cabelos postiços ou ao aplicarem no rosto cataplasmas de feijões moídos e leite de vaca para melhorar a sua cútis, estariam, com isso, prolongando por muitos séculos o seu sofrimento no purgatório.
E algumas irritavam o clero e, sem dúvida, o marido, com o uso de chapéus altos em forma de cone, enfeitados com chifres. Houve um tempo em que uma mulher ficava sujeita a cair no ridículo se não tivesse chifres no chapéu.
As mulheres de vida secular dispensavam cuidados com sua aparência, apesar de criticadas pelos religiosos, porém as monjas, que eram consideradas quase santas pela vida reclusa e espiritual, tornavam-se mais belas pelo uso de adornos simbólicos, tais como:
• unguento da temperança;
• cosmético da boa fama;
• colar da doutrina;
• brincos da obediência;
• anel da fé;
• vestes de linho da castidade; e
• cinto da disciplina.
Essa comparação traz à memória o texto contido no Novo Testamento, que pode ter-lhe servido de inspiração: “Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus. Pois foi assim também que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seus próprios maridos, como fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe senhor, da qual vós vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma” (1Pedro 3.3-6).
Nota:
1. VARAZZE, Tiago. Chronica, p. 205-206, citado por VECCHIO, Silvana. A boa esposa, in: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no Ocidente, p. 128
Texto originalmente publicado no livro Uma voz feminina calada pela Inquisição (Editora Hagnos). Reproduzido com permissão.
Leia mais
» Mulheres que conciliaram trabalho e pregação, contemplação e caridade
» Tiveram as mulheres alguma participação na Reforma Protestante?
Mestre em teologia e pós-graduada em história do cristianismo, é autora de Vozes Femininas nos Avivamentos (Ultimato), além de Vozes Femininas no Início do Cristianismo, Uma Voz Feminina Calada pela Inquisição, Uma Voz Feminina na Reforma e Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro (Prêmio Areté 2015).
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