Opinião
- 26 de julho de 2023
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Raiz de todos os males: as igrejas evangélicas e o dinheiro
Por Alderi Souza de Matos
Historicamente, muitos grupos e líderes evangélicos, tanto no Brasil como em outros países, têm enfrentado sérios problemas na sensível área das finanças. Não é sem razão que o dinheiro e seu uso estão entre os temas mais frequentes da Bíblia. Na maior parte dos textos que falam sobre o assunto, o tom é de solene advertência quanto aos perigos que espreitam nessa área. O apóstolo Paulo chega ao ponto de afirmar que os que anseiam por ficar ricos caem em tentação e cilada, e que o amor ao dinheiro é raiz de todos os males (1Tm 6.9-10). Existem alguns elementos no ambiente cultural evangélico brasileiro que contribuem para esses problemas.
Personalismo
Os reformadores protestantes do século 16 contestaram um sistema religioso cujos líderes eram tidos como detentores de um poder espiritual especial. Eles insistiram no princípio bíblico de que os crentes são sacerdotes de Deus (1 Pe 2.5-9; Ap 1.6) e, portanto, são todos iguais diante dele. Sem desmerecer a figura dos ministros cristãos, eles os qualificaram simplesmente como instrumentos escolhidos por Deus através dos fiéis para exercer um ministério de ensino, pastoreio e serviço, não tendo status espiritual superior algum. Todavia, com o passar dos anos muitas igrejas herdeiras da Reforma têm ficado fascinadas com o antigo sacerdotalismo questionado pelos reformadores.
A tendência de colocar os líderes eclesiásticos em um pedestal, considerando-os “ungidos do Senhor” e, portanto, intocáveis, imunes a contestações e críticas, tem sido motivo de inúmeros males para a causa de Cristo. Muitos líderes evangélicos contribuem para esse nefasto culto da personalidade quando alegam possuir virtudes e dons especiais, atribuem a si mesmos títulos grandiosos e condicionam os seus liderados a obedecer-lhes cegamente, desprezando exortações bíblicas claras como a de 1 Pedro 5.1-4. Em alguns casos extremos, essa atitude pode levar a tragédias como aquelas que envolveram os pastores Jim Jones, na Guiana, e David Koresh, em Waco, Texas.
Triunfalismo
Durante a maior parte da Idade Média, a cristandade européia foi afligida por uma série de distorções, uma das quais recebeu o nome de “simonia”. Esse nome derivou de Simão, o mago, que tentou subornar os apóstolos para conquistar o “poder” de conferir às pessoas o Espírito Santo (At 8.18-19). O termo simonia designava a comercialização de bens religiosos, em especial a compra e venda de cargos eclesiásticos. Os mais cobiçados eram os mais lucrativos, como a chefia dos bispados e dos grandes mosteiros. Esse vício floresceu graças à mentalidade triunfal de uma instituição que detinha a hegemonia do campo religioso e era extremamente rica e poderosa.
A atitude triunfalista é cultivada nas igrejas evangélicas sempre que os líderes e os membros se consideram tão próximos de Deus, tão abençoados e protegidos por ele, que nada poderá atingi-los. Ela se manifesta em chavões como “eu sou filho do Rei” ou “com o meu Deus eu salto muralhas”. O problema dessa atitude, além da falta de humildade, é a tendência de minimizar os pecados dos crentes, especialmente dos líderes, e de considerar as críticas e reveses que sofrem por causa dos seus erros como provações passageiras ou ataques do inimigo. Com isso, os problemas não são admitidos, tratados e solucionados de maneira bíblica e cristã.
Falta de prestação de contas
O final dos anos 80 foi péssimo para a imagem dos evangélicos nos Estados Unidos. Diversos escândalos vieram a público, a maior parte na área financeira, envolvendo “tele-evangelistas”. Um pregador muito conhecido, Oral Roberts, afirmou em seu programa de audiência nacional ter recebido uma revelação na qual Deus lhe disse que o levaria “para casa” (ou seja, ele iria morrer) se não conseguisse levantar oito milhões de dólares para sua escola de medicina. As contribuições choveram de todos os lados e ultrapassaram a meta estabelecida, mas ficou a sensação de que esse líder havia utilizado uma chantagem para conseguir dinheiro. Um caso mais chocante envolveu o evangelista Jim Bakker, que vivia como um magnata com sua esposa Tammy. Após ser denunciado pela secretária com quem teve um caso, ele foi investigado pelo governo e finalmente condenado à prisão por evasão fiscal e malversação das contribuições dos fiéis. Em resposta a esses episódios, foi criada uma organização chamada Concílio Evangélico pela Responsabilidade Financeira (Evangelical Council for Financial Accountability), que examina as contas dos ministérios que desejam um atestado de boa conduta nessa área.
É importante reconhecer que a maior parte das igrejas evangélicas realiza o seu trabalho cristão com seriedade e integridade. No entanto, as práticas financeiras de muitas igrejas e ministérios são uma incógnita, uma caixa-preta a que poucos têm acesso. Com freqüência são os próprios obreiros e pastores que recolhem e administram as contribuições. Não há tesoureiros eleitos, relatórios periódicos publicados, comissões de exame de contas. Os fiéis têm pouca ou nenhuma participação nessa área tão importante. Nesse ambiente de falta de transparência e de ausência de prestação de contas, tudo pode acontecer.
Teologia distorcida
Talvez a causa mais básica dos problemas que têm ocorrido seja uma interpretação bíblica tendenciosa e uma teologia falha, que surgiu há várias décadas na América do Norte com o nome de “evangelho da saúde e da riqueza” (health and wealth gospel) e chegou ao Brasil como “teologia da prosperidade”. O fundamento dessa ideologia afirma que a obra redentora de Cristo conquistou para os que nele crêem a vitória sobre todos os tipos de males, resultando em salvação, saúde física e sucesso financeiro. Argumenta-se que os “filhos do Rei”, o dono da prata e do ouro (Ag 2.8), devem, por definição, ser prósperos em tudo, citando-se exemplos como Abraão, Daniel e outros personagens bíblicos.
Ao mesmo tempo, são convenientemente esquecidos os muitos textos bíblicos que apontam na direção oposta, condenando a preocupação com os bens materiais, alertando para a armadilha espiritual representada pela ganância, bem como destacando o exemplo de Cristo e o discipulado cristão, descrito em termos de humildade, altruísmo e serviço ao próximo. Com o pragmático evangelho da prosperidade, muitas igrejas enchem seus templos e seus cofres, mas ao mesmo tempo oferecem pouca nutrição genuína para os seus fiéis e uma mensagem que em nada contribui para a solução dos graves problemas que assolam a vida do país. Por trás do discurso piedoso, essas igrejas tornam-se cada vez mais parecidas com o mundo ao redor.
Conclusão
O Brasil vive um dos piores períodos da sua história. Apesar da relativa estabilidade econômica, o crime e a insegurança atingem níveis sem precedentes; as instituições públicas estão com sua imagem destroçada de modo praticamente irrecuperável em virtude da corrupção e impunidade; o sentimento predominante na sociedade civil é de cinismo, indiferença e perda do idealismo. Nesse ambiente desolador, as igrejas evangélicas e seus líderes podem mostrar que existe algo melhor, que há esperança nos valores e princípios apregoados pela fé cristã. Todavia, em primeiro lugar é necessário que pratiquem os valores bíblicos e cristãos em sua própria casa, vivendo de modo digno do evangelho de Cristo (Fp 1.27). Só assim terão autoridade espiritual, moral e ética para serem instrumentos de transformação.
Artigo publicado originalmente na edição 305 da Revista Ultimato.
Artigo publicado originalmente na edição 305 da Revista Ultimato.
REVISTA ULTIMATO | MAMOM VERSUS DEUS
Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
Autor de A Caminhada Cristã na História, Alderi Souza de Matos é pastor presbiteriano e professor no Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo. É bacharel em teologia, filosofia e direito, mestre em Novo Testamento (S.T.M.) e doutor em História da Igreja (Th.D.). É também o historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil e escreve a coluna “História” da revista Ultimato.
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