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R. 12 anos: "Eu não tenho medo". A fé não foi vencida pelo câncer
Por Rafael Batista e Vinicius Costa
R. era um adolescente de 12 anos e lutava contra com Sarcoma de Ewing com metástase pulmonar e cerebral. Por várias vezes relatamos acerca da sua trajetória na luta contra o câncer. Nesse último mês, após dezoito sessões de radioterapia paliativa, ele começou a sentir fortes dores de cabeça, em razão da progressão tumoral. Numa manhã de quarta-feira, ele estava deitado numa maca no ambulatório de quimioterapia, queixando-se de dor. A médica oncologista que o estava avaliando pediu para que ficássemos com ele enquanto ela discutia os resultados da ressonância magnética com sua mãe.
Aproximamo-nos dele, seu olhar era sereno. Questionamos sobre como ele estava se sentindo e ele confessou estar com dores na cabeça. Perguntamos o que ele achava que estava acontecendo para essas dores aparecerem. Ele verbalizou que a médica comunicara que havia uma nova lesão em sua cabeça e imaginava que as dores estavam ocorrendo por conta disso. Investigamos como ele estava se sentindo com a notícia dessa nova lesão e o que ela estava causando nele. Suas palavras foram inesquecíveis: “Eu não tenho medo. Eu estou em paz. Sei que Deus está cuidando de mim”.
Naquele momento, ele falou de sua fé e do quanto estava buscando estar centrado em seu relacionamento com Jesus na maior parte do tempo. Contou-nos sobre a preocupação com a sua mãe, pois percebera que desde a descoberta da lesão cerebral ela estava muito triste. Durante aquela escuta, pela última vez, tivemos a oportunidade de transmitir a ele a nossa percepção do quanto víamos Jesus em sua vida. Do quanto a sua fé era um exemplo para muitas pessoas e o encorajamos a cerca do cuidado de Deus por sua vida. Do quanto o Senhor havia feito por eles até aquele momento e certamente continuaria a fazer. Massageamos os seus pés até que ele dormisse. E assim nos despedimos.
Seis dias depois, na mesma maca, lá estava R. Agora, inconsciente. Hipoativo. Já em leve coma. Uma das pupilas já não reagia mais ao estímulo da luz. Enquanto o médico examinava-o, nós tivemos permissão para estarmos ali, ao lado de sua mãe e irmã, que estavam muito angustiadas. D., a mãe, chorava e implorava para que intermediássemos aquela situação diante de Deus. Suas palavras eram: peçam a Deus que não levem o meu filho, por favor. Quanta dor e agonia. Por mais que tivéssemos trabalhado a temática da morte por algumas vezes, a realidade estava chegando de maneira abrupta e inesperada.
Como reagir? O silêncio. A presença. O toque. O abraço. E orações silenciosas para que o Consolador estivesse ali e fizesse o que éramos incapazes de fazer. R. foi levado para um leito da enfermaria. O sentimento de tristeza era presente em todos que lhe estendiam cuidados. Desde a higienização, equipe de enfermagem, até o corpo clínico. Silêncio e espera. A serenidade expressada no rosto de R. já nos assegurava daquilo de que tínhamos como certo: Jesus, o Pastor das nossas almas, estava com ele nesse vale sombrio. Diariamente passávamos para vê-lo. Conversávamos com ele, orávamos com ele e com sua família. Trabalhamos os “e se...” com a sua mãe. Afinal, embora ela tivesse feito tudo o que era humanamente possível, ainda pensava em possibilidades que ficaram pra trás. D. conseguiu despedir-se de R. Entregou-o para Deus.
Na madrugada de sábado para domingo, ele descansou com o Senhor. Fomos acionados imediatamente após a sua morte, pela coordenadora de enfermagem, para darmos suporte à família. Ao chegarmos, seu corpo ainda estava quente. Sua expressão tinha a mesma serenidade de quando o ouvimos falar sobre a certeza do cuidado de Deus por sua vida. Acolhemos sua mãe, irmã e cunhado. Eles estavam emocionalmente desorganizados. Acompanhamos a sua família até a casa deles. Ajudamos sua mãe e irmã na escolha das roupas que vestiriam o seu corpo, agora sem vida. Sentamos com eles no sofá da sala e possibilitamos que eles falassem sobre tudo o que estavam sentindo. Risos e choros vieram através das lembranças de uma criança que em seus poucos anos de existência fez muito, por muita gente, mesmo na debilidade física por uma doença devastadora. Estivemos presentes durante todo o processo pós-óbito. O velório não conseguiu ser rigoroso no controle das pessoas que, numa quantidade significativa, se esforçaram para marcar presença.
Após o sepultamento, abraçamos aqueles familiares, que nos agradeceram pela jornada de quase quatro anos que fizemos com eles. Foram muitos encontros na enfermaria. Na UTI. Nos ambulatórios. Mas também no cinema pra ver os filmes de seus heróis preferidos; na praça de alimentação para comer o frango do KFC, que ele adorava; no Parque da Uva, para experimentar a famosa coxinha de queijo que vencera o prêmio de melhor coxinha da cidade; em sua casa, vendo filme na TV e comendo um “churrasquinho”; na igreja, como testemunhas de uma fé que não foi vencida pelo câncer.
• Rafael Paiva Batista e Vinicius Oliveira da Costa, capelães da Associação de Capelania na Saúde no Grupo em Defesa da Criança com Câncer (GRENDACC).
Foto: Eric Rodrigues.
Foto: Eric Rodrigues.
>> Conheça o livro Lamento. A fé em meio ao sofrimento e à morte, de Nicholas Wolterstorff
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