Opinião
- 11 de abril de 2016
- Visualizações: 12083
- 1 comentário(s)
- +A
- -A
- compartilhar
Quem está em cima do muro?
Jesus é mesmo surpreendente! Não apenas sua vida foge do padrão e do esquadro da nossa mediocridade como o seu ensino é absolutamente fora da curva – tanto no âmbito do judaísmo do seu tempo, quanto no campo mais amplo da religião e da ética. Se observarmos Jesus mais de perto, fica evidenciado o quanto sua vida e discurso são inteiramente congruentes, o que nos é praticamente impossível, como pecadores fanfarrões que somos.
Notemos, por exemplo, a resistência de Jesus aos questionamentos capciosos que lhes propunham os religiosos de então. O tempo todo, o Mestre escapa das tentativas do enquadramento dilemático que lhes armam os “supercrentes“, “homens do bem“, “defensores da ética e da justiça“, os fariseus.
A primeira, célebre, é o caso da Mulher Adúltera (João 8.6). O dilema era simples: se Jesus ratificasse o apedrejamento ele não seria o Messias, não trazia consigo nenhuma novidade moral, por exemplo – e, pior, ainda corroboraria uma distorção legal de Moisés, pois tal modo de execução só era prescrito na Torá para virgens já comprometidas em noivado (Dt 22.23,24). Além disso, o código mosaico exigia que as duas partes envolvidas fossem executadas (Lv 20.10; Dt 22.22). Ou seja, pegadinha sofismática! Arapuca! Do outro lado do dilema, caso Jesus banalizasse o pecado do adultério, estaria rasgando, descumprindo a Lei absolutizada no Decálogo: “Não adulterarás!“. Em que lado Jesus fica? Nenhum dos dois. Ao falar em atirar uma pedra, ele não desconsidera a Lei. Na verdade, destaca o seu espírito, ao exigir um estado superior de pureza moral – de santidade – dos acusadores. Ou seja, ele os desarma, num xeque-mate fabuloso.
Um segundo exemplo verifica-se na questão notória quanto à legitimidade do pagamento de impostos a César (Mt 22.15-22). Tentam colocar Jesus no córner do seguinte dilema: ou ele diz “SIM“ e fecha com os Herodianos – que, como o nome indica eram partidários do governo de Herodes, o rei-fantoche, marionete dos romanos – ou “NÃO” e apoiava os fariseus, nacionalistas roxos, apesar de não dados às armas, como os guerrilheiros zelotes, e como tais, contrários ao domínio de Roma. Jesus sai tranquilamente do dilema ao estabelecer quem é Deus e quem é César, ou seja, o que é divino, transcendente e eterno e o que é humano, terreno e transitório.
Lembro de tudo isso ao ler os jornais e constatar o clima crescente de ódio e intolerância ao contraditório politico. Até entre os crentes. Quem apoia o governo não merece mais estar na lista de contatos, é bloqueado ou banido das redes sociais. Na verdade, não merece ser chamado de pastor. Muito menos de teólogo: “Marxista dissimulado, esquerdista, chavista-bolivariano dos... infernos! “Na outra ponta, os riquinhos – coxinhas – reacionários, classe média alienada e golpistas: “Essa gente elitizada (!) não está nem aí para a injustiça social do nosso país, tucanos de... Belzebú!“
Eu não entro nem caio nessa. Jesus me inspira. Nada de dilemas desnecessários. Eu me nego a enquadrar ou a ser enquadrado nesse patrulhamento ideológico - especialmente por parte de irmãos em Cristo. O Mestre não fecha com maniqueísmos rasos ou dicotomias reducionistas. Jesus não é, strictu sensu, político. Tampouco apolítico – basta lembrar que foi preso e executado como uma persona non grata tanto para César quanto para o Sinédrio! Nem exatamente a favor nem necessariamente contra o Imperador. César é César. Deus é Deus. César não é Deus. Ideologias são ideologias. O Reino de Deus, a tudo o que é projeto humano, político, inclusive, subverte, ultrapassa e esvazia por sua realidade redentora: “paz, alegria e justiça no Espírito Santo“. Quem segue a Jesus de Nazaré engaja-se em outra “política”, maior, perene, que não nega os projetos humanos - aperfeiçoa-os ou, até mesmo, inutiliza-os, ao suplantá-los no sentido escatológico. Civismo é importante. Cristianismo é mais ainda. Utopia é necessário. Profecia, nem se fala. Revolução é um sonho bem-vindo. Conversão, realidade concreta. Engajamento social é prescrito. Arrependimento real é imprescindível. Política lida com o poder. Espiritualidade enfrenta os poderes. É por isso que não me vejo nem como um sonhador ingênuo nem como um cínico narcisista. Entendo que o Reino de Deus não cabe na Esquerda nem se deixa domesticar pela Direita. É uma realidade anterior e superior a esses conceitos oriundos, entre outras matrizes, da Revolução Francesa.
Se estou em cima do muro? Estou. Tento me equilibrar sobre outro muro, não o que pode me empurrar miopemente para um extremo ou para o outro. Estou, sim, sobre um muro: o das lamentações. Espiritualmente, tenho como antepassados os Profetas de Israel. Aprendi com Isaías, Jeremias e Amós a denunciar e chorar. Confronto o pecado – primeiro o meu – e me cubro de cinzas. Há muita coisa em jogo, meus irmãos e irmãs. Como seguidor do Cristo, eu me recuso - e isso não deixa de ser também um ato político – a comprometer a lucidez e a beleza da Comunhão dos Santos por um atabalhoado posicionamento exacerbado, polarizado, violento que não pode, pela natureza efêmera da condição humana, sustentar-se sem alguma inexorável contradição. Como diria um profeta hebreu herege, “Tudo o que é sólido desmancha no ar.”
Leia também
Acaso, Cristo está dividido?
Somos todos corruptos
Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não [Paul Freston]
Cristianismo e Política [Robinson Cavalcanti]
O discípulo Radical [John Stott]
Notemos, por exemplo, a resistência de Jesus aos questionamentos capciosos que lhes propunham os religiosos de então. O tempo todo, o Mestre escapa das tentativas do enquadramento dilemático que lhes armam os “supercrentes“, “homens do bem“, “defensores da ética e da justiça“, os fariseus.
A primeira, célebre, é o caso da Mulher Adúltera (João 8.6). O dilema era simples: se Jesus ratificasse o apedrejamento ele não seria o Messias, não trazia consigo nenhuma novidade moral, por exemplo – e, pior, ainda corroboraria uma distorção legal de Moisés, pois tal modo de execução só era prescrito na Torá para virgens já comprometidas em noivado (Dt 22.23,24). Além disso, o código mosaico exigia que as duas partes envolvidas fossem executadas (Lv 20.10; Dt 22.22). Ou seja, pegadinha sofismática! Arapuca! Do outro lado do dilema, caso Jesus banalizasse o pecado do adultério, estaria rasgando, descumprindo a Lei absolutizada no Decálogo: “Não adulterarás!“. Em que lado Jesus fica? Nenhum dos dois. Ao falar em atirar uma pedra, ele não desconsidera a Lei. Na verdade, destaca o seu espírito, ao exigir um estado superior de pureza moral – de santidade – dos acusadores. Ou seja, ele os desarma, num xeque-mate fabuloso.
Um segundo exemplo verifica-se na questão notória quanto à legitimidade do pagamento de impostos a César (Mt 22.15-22). Tentam colocar Jesus no córner do seguinte dilema: ou ele diz “SIM“ e fecha com os Herodianos – que, como o nome indica eram partidários do governo de Herodes, o rei-fantoche, marionete dos romanos – ou “NÃO” e apoiava os fariseus, nacionalistas roxos, apesar de não dados às armas, como os guerrilheiros zelotes, e como tais, contrários ao domínio de Roma. Jesus sai tranquilamente do dilema ao estabelecer quem é Deus e quem é César, ou seja, o que é divino, transcendente e eterno e o que é humano, terreno e transitório.
Lembro de tudo isso ao ler os jornais e constatar o clima crescente de ódio e intolerância ao contraditório politico. Até entre os crentes. Quem apoia o governo não merece mais estar na lista de contatos, é bloqueado ou banido das redes sociais. Na verdade, não merece ser chamado de pastor. Muito menos de teólogo: “Marxista dissimulado, esquerdista, chavista-bolivariano dos... infernos! “Na outra ponta, os riquinhos – coxinhas – reacionários, classe média alienada e golpistas: “Essa gente elitizada (!) não está nem aí para a injustiça social do nosso país, tucanos de... Belzebú!“
Eu não entro nem caio nessa. Jesus me inspira. Nada de dilemas desnecessários. Eu me nego a enquadrar ou a ser enquadrado nesse patrulhamento ideológico - especialmente por parte de irmãos em Cristo. O Mestre não fecha com maniqueísmos rasos ou dicotomias reducionistas. Jesus não é, strictu sensu, político. Tampouco apolítico – basta lembrar que foi preso e executado como uma persona non grata tanto para César quanto para o Sinédrio! Nem exatamente a favor nem necessariamente contra o Imperador. César é César. Deus é Deus. César não é Deus. Ideologias são ideologias. O Reino de Deus, a tudo o que é projeto humano, político, inclusive, subverte, ultrapassa e esvazia por sua realidade redentora: “paz, alegria e justiça no Espírito Santo“. Quem segue a Jesus de Nazaré engaja-se em outra “política”, maior, perene, que não nega os projetos humanos - aperfeiçoa-os ou, até mesmo, inutiliza-os, ao suplantá-los no sentido escatológico. Civismo é importante. Cristianismo é mais ainda. Utopia é necessário. Profecia, nem se fala. Revolução é um sonho bem-vindo. Conversão, realidade concreta. Engajamento social é prescrito. Arrependimento real é imprescindível. Política lida com o poder. Espiritualidade enfrenta os poderes. É por isso que não me vejo nem como um sonhador ingênuo nem como um cínico narcisista. Entendo que o Reino de Deus não cabe na Esquerda nem se deixa domesticar pela Direita. É uma realidade anterior e superior a esses conceitos oriundos, entre outras matrizes, da Revolução Francesa.
Se estou em cima do muro? Estou. Tento me equilibrar sobre outro muro, não o que pode me empurrar miopemente para um extremo ou para o outro. Estou, sim, sobre um muro: o das lamentações. Espiritualmente, tenho como antepassados os Profetas de Israel. Aprendi com Isaías, Jeremias e Amós a denunciar e chorar. Confronto o pecado – primeiro o meu – e me cubro de cinzas. Há muita coisa em jogo, meus irmãos e irmãs. Como seguidor do Cristo, eu me recuso - e isso não deixa de ser também um ato político – a comprometer a lucidez e a beleza da Comunhão dos Santos por um atabalhoado posicionamento exacerbado, polarizado, violento que não pode, pela natureza efêmera da condição humana, sustentar-se sem alguma inexorável contradição. Como diria um profeta hebreu herege, “Tudo o que é sólido desmancha no ar.”
Leia também
Acaso, Cristo está dividido?
Somos todos corruptos
Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não [Paul Freston]
Cristianismo e Política [Robinson Cavalcanti]
O discípulo Radical [John Stott]
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
- Textos publicados: 26 [ver]
- 11 de abril de 2016
- Visualizações: 12083
- 1 comentário(s)
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Em janeiro: CIMA 2025 - Cumpra seu destino
- Corpos doentes [fracos, limitados, mutilados] também adoram
- Cheiro de graça no ar
- Vem aí o Congresso ALEF 2024 – “Além dos muros – Quando a igreja abraça a cidade”
- Todos querem Ser milionários
- A visão bíblica sobre a velhice
- Vem aí o Congresso AME: Celebremos e avancemos no Círculo Asiático
- A colheita da fé – A semente caiu em boa terra, e deu fruto
- IV Encontro do MC 60+ reúne idosos de todo o país – Um espaço preferencial
- A era inconclusa