Opinião
- 12 de setembro de 2017
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Quando viver se torna uma angústia
Por Zilda Rossi Araujo
Há alguns meses, fomos sacudidos pelas notícias sobre vítimas do jogo “Baleia Azul”. Este é um jogo virtual, orientado e monitorado por curadores (ou tutores), que incentivam ações, ditam as regras e fazem as cobranças. A adesão é voluntária e o jogador é desafiado a progredir nas fases ou etapas, agindo de forma pouco convencional, o que inclui atentar contra a própria vida. Há sanções para os que desejam abandonar o jogo, fazendo do jogador um refém que, sob ameaças constantes, segue vulnerável e vitimizado em sua integridade física, emocional e psicológica. Não se sabe sobre os autores ou promotores do jogo, nem de quem se defender.
Apesar das discussões e controvérsias em torno do Baleia Azul, de suas regras e de sua veracidade, ele estimulou o questionamento das pessoas sobre as motivações de adolescentes e jovens se envolverem com passatempos sinistros e aventuras estranhas, culminando com investidas contra si, como se fosse uma experiência positiva. Deu visibilidade aos comportamentos de autodestruição, que, apesar de serem reais e afetarem muitas pessoas, não são tratados abertamente.
A estas reflexões, somaram-se as vozes das autoridades, dos líderes religiosos, das organizações e das famílias que chamaram a atenção para o aumento dos dramas individuais que leva à violação da vida, na forma de suicídio e de automutilação. São dois processos que crescem assustadoramente, com previsões sombrias e preocupantes.
O suicídio é o ato voluntário de tirar a própria vida. Constitui-se em desejo consciente de morrer e a noção clara do que o ato executado pode resultar¹.
Vários fatores podem estar relacionados ao suicídio: histórico familiar, distúrbios de humor ou de doenças mentais, desequilíbrios psicológicos, fatores ambientais e sociais, eventos altamente estressantes, ausência de apoio social e emocional, impulsos mórbidos, entre outros. Isolados ou em interação, esses fatores de risco podem variar em intensidade e imprimir na pessoa o desejo e a certeza de que a única saída viável é interromper o seu ciclo de vida.
Compulsão por se ferir
Automutilação, autolesão ou cutting² diz respeito à conduta deliberada e à compulsão por se ferir, realizando cortes em diversas partes do corpo, sem a intenção de se matar.
De acordo com Minayo (2005)³ “apesar de o automutilador não pretender dar cabo à vida, esse tipo de ação envolve fatores próximos ao comportamento suicida” e que “psicologicamente esse fenômeno tem sido interpretado como um refúgio para os que sofrem fortes dores emocionais, sendo-lhes mais facilmente suportável a dor física que a depressão, a irritabilidade intensa e as frustrações”.
Diferentes situações ou acontecimentos podem justificar os pensamentos e as ações autolesivas e jamais podem ser confundidas com manifestações histéricas para chamar a atenção. Pelo contrário, uma das principais características deste transtorno é escondê-lo para que não seja revelado e possa ser repetido em uma outra situação de extremo sofrimento emocional ou de desejo pelos cortes, que nos momentos posteriores trazem arrependimento, sensação de vergonha e temor em ser flagrado. Por isso, os casos de automutilação são difíceis de serem conhecidos e registrados.
Muitos casos sequer chegam a receber assistência médica e/ou psicológica. As pessoas que os praticam encobrem os ferimentos, e os sentimentos e as emoções também vão sendo abafados, escondidos, reprimidos, destruídos. A maior parte das práticas acontece dentro da própria casa, e na maioria das vezes, os pais ou familiares sequer percebem.
Minayo (2005) aponta que no Brasil, não existem estudos epidemiológicos sobre a automutilação, mas pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que a prática está ficando mais frequente na última década. Mas isso pode ser confirmado por um pequeno recorte com dados recentes informados pelo Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) de Londrina (PR): no ano de 2016, foram atendidos 32 casos de adolescentes com características de automutilação. Em 2017, até o mês de maio, 20 casos suspeitos chegaram ao conhecimento dos agentes. A faixa etária varia de 12 a 17 anos e o público feminino é o mais atingido. As redes sociais aumentam a incidência deste fenômeno, por disseminar práticas de automutilação e pela facilidade de encontrar situações semelhantes, em que há identificação e incentivos.
A prevenção e o controle
A prevenção e o controle não são tarefas fáceis. Mas o país tem desencadeado uma série de ações para o enfrentamento desses problemas. Os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Saúde e Educação mobilizam-se na adoção de medidas para proteger e orientar adolescentes em razão das supostas tentativas de suicídio e autolesão.
Há ações das políticas públicas pautadas no fortalecimento do trabalho em rede (Ministério Público, Saúde, Assistência Social e Educação), a fim de ampliar o acesso ao atendimento e ao acompanhamento de forma mais dinâmica, criando serviços de apoio e de atenção psicossocial. Órgãos públicos e privados atuam na identificação precoce, no tratamento e nos cuidados e alertas sistemáticos. A sociedade civil também realiza ações de proteção e preservação da vida. Campanhas e anúncios valorizando situações simples da vida que podem trazer alegria e estímulo para viver são veiculadas por diferentes meios de comunicação.
Profissionais, lideranças evangélicas, escritores, professores, cristãos em geral também se colocam em posição para encorajar, interceder e invocar, com a Palavra de esperança e fé, porque acreditam que tudo pode ser feito e refeito em novidade de vida, pautados na palavra de Deus (2 Cor 5.17). Jovens cristãos têm se colocado como ajudadores daqueles que sofrem, abrindo a possibilidade de conversar sobre assuntos que raramente se pode falar no âmbito da família.
A questão ainda está aberta
Para nós, cristãos, entender tudo isso é um desafio. Ficamos confusos e temos dificuldades para avaliar e compreender o mundo em que os nossos filhos estão crescendo. As crises se intensificam e as respostas que temos talvez não sejam suficientes para os questionamentos quanto ao sentido da vida.
Não podemos simplificar a questão – o autoextermínio, as feridas e cicatrizes são reais. Precisamos aceitar o fato de que sabemos pouco a esse respeito, mas é preciso coragem para enfrentar a situação.
Na carta de Paulo a Timóteo, há um alerta apropriado: “[...] nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé por obedecerem a espíritos enganadores e ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentira, e que têm cauterizado a própria consciência” (1 Tm 4.1-2).
As vítimas podem estar dentro de nossa casa, sob nosso controle familiar, assistindo aos cultos, participando de todas as atividades da igreja, mas com angústias que não conseguem nomear, com sentimentos de inutilidade, de desamparo e com desejos incompreendidos. Pode ser que parentes, vizinhos, colegas de trabalho ou de escola, ou conhecidos estejam dando atenção a estas vozes invisíveis e oportunistas. Não podemos esquecer que nossas crianças, adolescentes e jovens são alvos de Satanás. Ele utilizará qualquer fraqueza humana para destruir a esperança e fomentar a aflição e o aprisionamento, com pormenores sinistros e muito bem orquestrados, tentando descartar a oferta de salvação de um Salvador misericordioso.
Ainda existe prevenção. A Bíblia nos inspira a uma esperança concreta, alicerçada na fé e no cuidado da vida como um bem essencial. A ação poderosa do Espírito Santo nos capacita a lidar com as várias oposições contra a vida.
Como representantes do Senhor, também temos a função de zelar e resguardar a vida uns dos outros. Podemos fazê-lo nos importando mais, dispondo-nos a ouvir, a nos interessar pelos que estão próximos, a desenvolver práticas espirituais construtivas. Muitos dos sofrimentos são curados pelo acolhimento, pelo abraço, pelo ombro amigo. Deus quer nos usar para isso.
Portanto, não esperemos para a próxima notícia de suicídio ou de automutilação. Não esperemos pelo próximo jogo!
Notas:
1. MOREIRA, L. C. de O.; BASTOS, P. R. H. de O. Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura. Psicol. Esc. Educ., Maringá , v. 19, n. 3, p. 445-453, dez. 2015 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572015000300445&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 02 jun. 2017.
2. Termo em inglês que significa “cortando a si mesmo”
3. MINAYO, M. C.de S. Suicídio: violência autoinfligida. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Ministério da Saúde, Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
• Zilda Rossi Araujo é pedagoga, integrante da Equipe Pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Londrina (PR) e participante da Rede Intersetorial de Proteção Social à Criança e ao Adolescente de Londrina. Congrega na Igreja Adventista da Promessa em Jaguapitã (PR).
Leia mais
O que podemos fazer para ajudar a prevenir o suicídio?
A depressão é uma das experiências mais perturbadoras do ser humano
O incômodo da solidão
Pare de Conjugar o Verbo Sofrer [Ariovaldo Ramos]
De Hoje em Diante [Elben M. Lenz César]
Há alguns meses, fomos sacudidos pelas notícias sobre vítimas do jogo “Baleia Azul”. Este é um jogo virtual, orientado e monitorado por curadores (ou tutores), que incentivam ações, ditam as regras e fazem as cobranças. A adesão é voluntária e o jogador é desafiado a progredir nas fases ou etapas, agindo de forma pouco convencional, o que inclui atentar contra a própria vida. Há sanções para os que desejam abandonar o jogo, fazendo do jogador um refém que, sob ameaças constantes, segue vulnerável e vitimizado em sua integridade física, emocional e psicológica. Não se sabe sobre os autores ou promotores do jogo, nem de quem se defender.
Apesar das discussões e controvérsias em torno do Baleia Azul, de suas regras e de sua veracidade, ele estimulou o questionamento das pessoas sobre as motivações de adolescentes e jovens se envolverem com passatempos sinistros e aventuras estranhas, culminando com investidas contra si, como se fosse uma experiência positiva. Deu visibilidade aos comportamentos de autodestruição, que, apesar de serem reais e afetarem muitas pessoas, não são tratados abertamente.
A estas reflexões, somaram-se as vozes das autoridades, dos líderes religiosos, das organizações e das famílias que chamaram a atenção para o aumento dos dramas individuais que leva à violação da vida, na forma de suicídio e de automutilação. São dois processos que crescem assustadoramente, com previsões sombrias e preocupantes.
O suicídio é o ato voluntário de tirar a própria vida. Constitui-se em desejo consciente de morrer e a noção clara do que o ato executado pode resultar¹.
Vários fatores podem estar relacionados ao suicídio: histórico familiar, distúrbios de humor ou de doenças mentais, desequilíbrios psicológicos, fatores ambientais e sociais, eventos altamente estressantes, ausência de apoio social e emocional, impulsos mórbidos, entre outros. Isolados ou em interação, esses fatores de risco podem variar em intensidade e imprimir na pessoa o desejo e a certeza de que a única saída viável é interromper o seu ciclo de vida.
Compulsão por se ferir
Automutilação, autolesão ou cutting² diz respeito à conduta deliberada e à compulsão por se ferir, realizando cortes em diversas partes do corpo, sem a intenção de se matar.
De acordo com Minayo (2005)³ “apesar de o automutilador não pretender dar cabo à vida, esse tipo de ação envolve fatores próximos ao comportamento suicida” e que “psicologicamente esse fenômeno tem sido interpretado como um refúgio para os que sofrem fortes dores emocionais, sendo-lhes mais facilmente suportável a dor física que a depressão, a irritabilidade intensa e as frustrações”.
Diferentes situações ou acontecimentos podem justificar os pensamentos e as ações autolesivas e jamais podem ser confundidas com manifestações histéricas para chamar a atenção. Pelo contrário, uma das principais características deste transtorno é escondê-lo para que não seja revelado e possa ser repetido em uma outra situação de extremo sofrimento emocional ou de desejo pelos cortes, que nos momentos posteriores trazem arrependimento, sensação de vergonha e temor em ser flagrado. Por isso, os casos de automutilação são difíceis de serem conhecidos e registrados.
Muitos casos sequer chegam a receber assistência médica e/ou psicológica. As pessoas que os praticam encobrem os ferimentos, e os sentimentos e as emoções também vão sendo abafados, escondidos, reprimidos, destruídos. A maior parte das práticas acontece dentro da própria casa, e na maioria das vezes, os pais ou familiares sequer percebem.
Minayo (2005) aponta que no Brasil, não existem estudos epidemiológicos sobre a automutilação, mas pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que a prática está ficando mais frequente na última década. Mas isso pode ser confirmado por um pequeno recorte com dados recentes informados pelo Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) de Londrina (PR): no ano de 2016, foram atendidos 32 casos de adolescentes com características de automutilação. Em 2017, até o mês de maio, 20 casos suspeitos chegaram ao conhecimento dos agentes. A faixa etária varia de 12 a 17 anos e o público feminino é o mais atingido. As redes sociais aumentam a incidência deste fenômeno, por disseminar práticas de automutilação e pela facilidade de encontrar situações semelhantes, em que há identificação e incentivos.
A prevenção e o controle
A prevenção e o controle não são tarefas fáceis. Mas o país tem desencadeado uma série de ações para o enfrentamento desses problemas. Os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Saúde e Educação mobilizam-se na adoção de medidas para proteger e orientar adolescentes em razão das supostas tentativas de suicídio e autolesão.
Há ações das políticas públicas pautadas no fortalecimento do trabalho em rede (Ministério Público, Saúde, Assistência Social e Educação), a fim de ampliar o acesso ao atendimento e ao acompanhamento de forma mais dinâmica, criando serviços de apoio e de atenção psicossocial. Órgãos públicos e privados atuam na identificação precoce, no tratamento e nos cuidados e alertas sistemáticos. A sociedade civil também realiza ações de proteção e preservação da vida. Campanhas e anúncios valorizando situações simples da vida que podem trazer alegria e estímulo para viver são veiculadas por diferentes meios de comunicação.
Profissionais, lideranças evangélicas, escritores, professores, cristãos em geral também se colocam em posição para encorajar, interceder e invocar, com a Palavra de esperança e fé, porque acreditam que tudo pode ser feito e refeito em novidade de vida, pautados na palavra de Deus (2 Cor 5.17). Jovens cristãos têm se colocado como ajudadores daqueles que sofrem, abrindo a possibilidade de conversar sobre assuntos que raramente se pode falar no âmbito da família.
A questão ainda está aberta
Para nós, cristãos, entender tudo isso é um desafio. Ficamos confusos e temos dificuldades para avaliar e compreender o mundo em que os nossos filhos estão crescendo. As crises se intensificam e as respostas que temos talvez não sejam suficientes para os questionamentos quanto ao sentido da vida.
Não podemos simplificar a questão – o autoextermínio, as feridas e cicatrizes são reais. Precisamos aceitar o fato de que sabemos pouco a esse respeito, mas é preciso coragem para enfrentar a situação.
Na carta de Paulo a Timóteo, há um alerta apropriado: “[...] nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé por obedecerem a espíritos enganadores e ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentira, e que têm cauterizado a própria consciência” (1 Tm 4.1-2).
As vítimas podem estar dentro de nossa casa, sob nosso controle familiar, assistindo aos cultos, participando de todas as atividades da igreja, mas com angústias que não conseguem nomear, com sentimentos de inutilidade, de desamparo e com desejos incompreendidos. Pode ser que parentes, vizinhos, colegas de trabalho ou de escola, ou conhecidos estejam dando atenção a estas vozes invisíveis e oportunistas. Não podemos esquecer que nossas crianças, adolescentes e jovens são alvos de Satanás. Ele utilizará qualquer fraqueza humana para destruir a esperança e fomentar a aflição e o aprisionamento, com pormenores sinistros e muito bem orquestrados, tentando descartar a oferta de salvação de um Salvador misericordioso.
Ainda existe prevenção. A Bíblia nos inspira a uma esperança concreta, alicerçada na fé e no cuidado da vida como um bem essencial. A ação poderosa do Espírito Santo nos capacita a lidar com as várias oposições contra a vida.
Como representantes do Senhor, também temos a função de zelar e resguardar a vida uns dos outros. Podemos fazê-lo nos importando mais, dispondo-nos a ouvir, a nos interessar pelos que estão próximos, a desenvolver práticas espirituais construtivas. Muitos dos sofrimentos são curados pelo acolhimento, pelo abraço, pelo ombro amigo. Deus quer nos usar para isso.
Portanto, não esperemos para a próxima notícia de suicídio ou de automutilação. Não esperemos pelo próximo jogo!
Notas:
1. MOREIRA, L. C. de O.; BASTOS, P. R. H. de O. Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura. Psicol. Esc. Educ., Maringá , v. 19, n. 3, p. 445-453, dez. 2015 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572015000300445&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 02 jun. 2017.
2. Termo em inglês que significa “cortando a si mesmo”
3. MINAYO, M. C.de S. Suicídio: violência autoinfligida. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Ministério da Saúde, Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
• Zilda Rossi Araujo é pedagoga, integrante da Equipe Pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Londrina (PR) e participante da Rede Intersetorial de Proteção Social à Criança e ao Adolescente de Londrina. Congrega na Igreja Adventista da Promessa em Jaguapitã (PR).
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O que podemos fazer para ajudar a prevenir o suicídio?
A depressão é uma das experiências mais perturbadoras do ser humano
O incômodo da solidão
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