Opinião
- 28 de maio de 2015
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Quando futuro e presente se reconciliam
O potencial descontingenciável de uma existência paradoxalizada
Aprendemos, desde cedo, que devemos encarar a vida sempre com radicalidade. Nossos avós nos recitaram um adágio português inspirado na literatura hebraica: “Pau que nasce torto, morre torto”... Preconiza-se aqui a imodificabilidade de uma realidade que assume sua sina, o destino que não pode sofrer qualquer alteração. Mas e a liberdade, o que se pode falar ou fazer dela? O “destino”, de acordo com a crença existencialista, é um fato que se antagoniza à liberdade; uma espécie de “cicatriz indesmanchável” da nossa contingência, realidade que figura, muito mais, os limites operacionais da nossa pobre e frágil livre-agência. Será que Merleau-Ponty definiu com precisão a arquitetura semântica desse fenômeno com o construto “liberdade condicionada”? Não se sabe ao certo. Mas talvez devêssemos encarar o fato de que em nossa liberdade existe um grau de “impotência funcional”, substância que a constitui ontologicamente e faz com que cada biografia seja concebida como uma espécie de “montagem psicodramatizada” de um modo de vida com precário poder de mobilidade.
A concepção morfo-ontológica de vida "sem horizonte escatológico” do existencialismo ainda está muito impregnada nas diversas filosofias da existência no mundo contemporâneo. A tese central dessa crítica se pauta na afirmação de que toda vida, pontuada pela percepção escatoprática da história, preconiza uma forma de existir que acontece sem o pressuposto da “livre agência da vontade” (“liberum arbitrium”). Quem fixa sua preocupação somente no amanhã acaba se esquecendo do que o ‘agora’ significa. Na filosofia do futuro nietzschiana, a esperança é considerada um conceito inadequado para quem quer aumentar seu apetite de viver numa ordem cultural destituída de valores metafísicos. Esse é o nervo epistêmico que perpassa, inclusive, toda a filosofia do niilismo (Nietzsche), quando esta indica (no sentido passivo) a ideia da negação da força vital presente na inútil expectativa de uma recompensa ulterior. Restituir à liberdade sua “vocação política de auto-transcendência” pressupõe cercear os limites extensivos da percepção futúrica da livre-agência. A psicologia desta última implica a submissão do “devir” à supremacia de um “já” que recusa ser feito refém de um “ainda-não” (itinerário definido).
Desta forma, o “destino” deixa de criar o seu trajeto. No espaço ontológico da liberdade, a vontade deve ser entendida como política de “transformação histórica da vida” (Jürgen Moltmann), algo que se coloca à disposição das realidades potencialmente modificáveis. Ela se torna uma afirmação política da vocação de indivíduos emancipados que abriram mão do que é vindouro por conta do que aí está para ser ressignificado.
A “paradoxalização”, um conceito proveniente do pensamento de Niklás Luhmann, é um fato fenomenal que delineia um modo de existir no qual há um “alto grau de indeterminação do futuro” (presente) na vida humana no mundo. Compreendido em sentido positivamente propositivo, o fenômeno da “paradoxalização da vida” tende a ser característico das experiências humanas que assumem a disposição ontológica de sujeitos abertos que “estão-aí” (Heidegger), iluminados unicamente pela “vontade de viver sem devir”, os quais se alicerçam pelos princípios da “possibilidade iminente das mudanças prováveis” dos fatos imanentes (isto é, fatos que não possuem qualquer transcendência aparente), fatos que abdicaram das suas utopias. O “paradoxalmente dado” só apresenta sua inclinação para transformação da realidade compreendida quando consegue “irritar” a vocação da vontade livre. Assim, “paradoxalidade” passa a ser, então, a percepção hermenêutica que se tem de um presente que se assume “sem um destino”, situação que condiciona as biografias individuais a se admitirem como “ontologicamente abandonadas” e sem qualquer disposição para uma forma de vida operando com “ansiedade do itinerário”. Nessa circunstância, a realidade da paz (em tese) pode ser considerada uma possibilidade alcançável para os indivíduos que assim se compreendem, haja vista que nela (paradoxalidade) ‘o presente assumido’ é auto-tensionante, tornando-se uma experiência “sem extensão escatológica” e de “baixo potencial ansiogênico”. A fixação da mente no futuro deve ser compreendida como a etiologia de todas as ansiedades existentes, circunstância que adoece o presente de cada indivíduo e o condena a se entregar a uma “lógica de previsibilidade”.
A liberdade, contudo, só oferece seu expediente operacional quando transforma a percepção do futuro em experiências vividas sem qualquer jactância. A “paradoxalização da vida” é, em si, uma condição de enfrentamento. Pois nela o presente figura-se como "movimento que gera movimento". Quando nela se cerceia o desejo de ir além dos limites pensáveis das liberdades, a vontade reage com intransigência frente ao que se apresenta com a missão de estabelecer “o destino”. Em cada processo existencial que se vivencia, o limite esgotável de cada experiência deve ser considerado (sua saturabilidade). A transformação que se almeja realizar não nasce -- necessariamente -- de “uma utopia”, mas da insatisfação de ver a realidade vivida perder o seu caráter auto-modulante. Mesmo quando o presente vivido se apresenta sem qualquer pretensão teleológica, deve-se compreender, entretanto, que em cada experiência vivida (em si) já existe uma fronteira de saturação demandando “um ato de transgressão” (transcendência da liberdade). Se se quer atribuir futuro à natureza existente nas coisas/realidades imanentes, deve-se fazê-lo considerando que ele só é factível por conta do potencial transformável que existe na motoricidade intrínseca do presente. Isso é a metamorfose. A “dinâmica operante” é um componente ontológico que se verifica somente no “presente”, uma condição que tanto o passado quanto o futuro se veem privados. Não é preciso comparar o evidente (real) com o desejado (ideal) para motorizar a agência da vontade (livre) que opera por ela mesma. Foi assim que o existencialismo preconizou a ontologia do “presente vivido” pelo sujeito-agente que se entende condenado à liberdade.
Contudo, deve-se ter em mente algumas dificuldades dessa compreensão. Ao pretender dissociar o presente de um futuro, a própria liberdade descaracteriza sua ordem semântica. "O Princípio Esperança” (Das Prinzip Hoffnung), de Ernst Bloch, trabalha com o pressuposto de que a “utopia” é a clínica de transformação da crítica que a consciência do interpretante faz do seu próprio presente interpretado. O “agora vivido” é a condição inalienável da liberdade que deseja se realizar na existência de cada indivíduo. A projeção da esperança não se arremete contra o coração da história, mas em direção a sua apoteose. O ideário da esperança é um condicionante da ação histórica quando esta se vê imobilizada pela ausência de sentido dos fatos que se percebem destituídos de uma gramática. O Logos da existência é a esperança que se desloca do futuro para o agora. Não se pode conceber “um depois” sem que este seja pontuado pela “engenharia dos instantes” que se atribui a cada momento do presente vivido. Mesmo sem incorporar a herança do escatologismo, o futuro pensado pela filosofia da esperança de Ernst Bloch estabelece a legibilidade de um 'ultimum’ enviesado pelo hiato que promove a reconciliação “do já (presente) com o ainda-não (futuro)”. Sem essa "prolepse" (Pannenberg & Moltmann), a vida humana perde não somente seu sentido, como também sua capacidade de construir valores que atribuem vivacidade às experiências presentificadas.
Uma vida sem futuro perde, do seu horizonte ontológico, a sina do "potencialmente terapêutico". Toda fenomenologia da cura, concebida em termos biopsíquicos, pressupõe a alteração das estruturas ontológicas que foram enrijecidas na contingencialidade de um presente inflexivo e auto-tensionante, simultaneamente (paradoxalidade). A socialização das possibilidades é um efeito terapêutico da construção de um futuro monitorado reflexivamente pela potencialidade escatogênica do “holofote do presente-agora”. A dramatização dos horizontes que se fecham aparentemente só pode ser redimensionada -- a favor da reconstrução do sentido de uma ação presentista -- quando o telos providente realiza seu movimento vetorial que ajuda estabelecer nexos semânticos perdidos com a abolição do 'ultimum', componente que é compreendido aqui como um recurso redentivo de "desfatalização da história" (Harvey Cox). A percepção contingenciadora dos processos de construção da identidade ontológica (dos indivíduos) sempre dependerá da esperança que habita no futuro de uma condição que se desenha desde já.
Viver como um refém da experiência da paradoxalidade (auto-tensionante) é admitir-se como um indivíduo-agente que existe sem a “liberdade da esperança”. Essa seria uma concepção contraditória. Pois o futuro só se torna uma variável, de baixo teor terapêutico, quando nele não se extrai a substância que alimenta à sua própria condição existente: a esperança. Não se pensa uma engenharia humana de afirmação dos valores insubmissos à lógica da letargia sem que a esperança esteja imanentizada no potencial tensionante do presente figurado em forma de promessa (prolepse), condição -- reafirmo -- que gera na realidade vivida uma potencialidade transformadora contra toda sentença negativa que tende a positivar a experiência catastrofista do senso de desamparo ontológico. Todos os processos de depressão psico-humana são potencialmente desorizontalizantes em sua lógica de funcionamento psíquico. Neles, a dramatização das experiências, sentidas e vividas subjetivamente, tende a contingenciar expectativas com o aumento do grau de indeterminação do futuro que se justapõe ao presente, quando este perde sua transcendência e seu senso de direção. Para descontingenciar a rigidez da paradoxalização da vida é preciso relativizar o ‘pathos’ do presente com a antecipação de um “futuro desejado”, mesmo quando ele “ainda não foi experimentado” (Erich Fromm).
Não existem fronteiras (catastrofistas) que a lógica da esperança não consiga transgredir. O futuro só pode residir no presente quando ela (lógica da esperança) consegue resistir à tentação de desistir. O descontingenciamento dos processos desorizontalizantes, visto na experiência da paradoxalidade, só possuem um potencial reestruturante da percepção adoecida de um presente desfuturizado quando a esperança habilita a força da liberdade para realizar a transformação aguardada "do agora tensionado", o qual emerge de cada vivência que se tem. A história tem uma Razão (Hegel). E é a esperança, projetada na confiança da fé, que acaba por limitar a percepção negativista revelada aparentemente na soma das experiências vividas, que por força das contingências, fizeram do “já-agora” uma engenharia de fabricação das “paradoxalidades intermináveis”. Na poesia hebraica, a promessa de auto-transcendência da esperança aparece na forma animadora de uma afirmação descomplexificante da vida humana (e, por isso, terapêutica), quando apresenta a sentença da seguinte forma: “O fraco diga: EU SOU FORTE!”... Na vida pulsante da esperança, a crença matricial, potencialmente desparadoxalizante, que emerge de cada vivência paradoxalizada é: “Não existe nada que seja torto que não possa se desentortar” (descontingenciamento).
• Anderson Clayton Pires é doutor em sociologia (UFRGS) e doutor em teologia (IEPG-EST). Integra, como professor convidado, o corpo docente do Centro Luterano de Estudos Psicossociológicos e Poimênicos. É casado com Cristina, pai de Diogo e Renata.
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A esperança cristã deve ocupar o lugar das utopias
Nossa esperança futura molda nossa missão como povo de Deus no mundo hoje
Surpreendido pela Esperança
Aprendemos, desde cedo, que devemos encarar a vida sempre com radicalidade. Nossos avós nos recitaram um adágio português inspirado na literatura hebraica: “Pau que nasce torto, morre torto”... Preconiza-se aqui a imodificabilidade de uma realidade que assume sua sina, o destino que não pode sofrer qualquer alteração. Mas e a liberdade, o que se pode falar ou fazer dela? O “destino”, de acordo com a crença existencialista, é um fato que se antagoniza à liberdade; uma espécie de “cicatriz indesmanchável” da nossa contingência, realidade que figura, muito mais, os limites operacionais da nossa pobre e frágil livre-agência. Será que Merleau-Ponty definiu com precisão a arquitetura semântica desse fenômeno com o construto “liberdade condicionada”? Não se sabe ao certo. Mas talvez devêssemos encarar o fato de que em nossa liberdade existe um grau de “impotência funcional”, substância que a constitui ontologicamente e faz com que cada biografia seja concebida como uma espécie de “montagem psicodramatizada” de um modo de vida com precário poder de mobilidade.
A concepção morfo-ontológica de vida "sem horizonte escatológico” do existencialismo ainda está muito impregnada nas diversas filosofias da existência no mundo contemporâneo. A tese central dessa crítica se pauta na afirmação de que toda vida, pontuada pela percepção escatoprática da história, preconiza uma forma de existir que acontece sem o pressuposto da “livre agência da vontade” (“liberum arbitrium”). Quem fixa sua preocupação somente no amanhã acaba se esquecendo do que o ‘agora’ significa. Na filosofia do futuro nietzschiana, a esperança é considerada um conceito inadequado para quem quer aumentar seu apetite de viver numa ordem cultural destituída de valores metafísicos. Esse é o nervo epistêmico que perpassa, inclusive, toda a filosofia do niilismo (Nietzsche), quando esta indica (no sentido passivo) a ideia da negação da força vital presente na inútil expectativa de uma recompensa ulterior. Restituir à liberdade sua “vocação política de auto-transcendência” pressupõe cercear os limites extensivos da percepção futúrica da livre-agência. A psicologia desta última implica a submissão do “devir” à supremacia de um “já” que recusa ser feito refém de um “ainda-não” (itinerário definido).
Desta forma, o “destino” deixa de criar o seu trajeto. No espaço ontológico da liberdade, a vontade deve ser entendida como política de “transformação histórica da vida” (Jürgen Moltmann), algo que se coloca à disposição das realidades potencialmente modificáveis. Ela se torna uma afirmação política da vocação de indivíduos emancipados que abriram mão do que é vindouro por conta do que aí está para ser ressignificado.
A “paradoxalização”, um conceito proveniente do pensamento de Niklás Luhmann, é um fato fenomenal que delineia um modo de existir no qual há um “alto grau de indeterminação do futuro” (presente) na vida humana no mundo. Compreendido em sentido positivamente propositivo, o fenômeno da “paradoxalização da vida” tende a ser característico das experiências humanas que assumem a disposição ontológica de sujeitos abertos que “estão-aí” (Heidegger), iluminados unicamente pela “vontade de viver sem devir”, os quais se alicerçam pelos princípios da “possibilidade iminente das mudanças prováveis” dos fatos imanentes (isto é, fatos que não possuem qualquer transcendência aparente), fatos que abdicaram das suas utopias. O “paradoxalmente dado” só apresenta sua inclinação para transformação da realidade compreendida quando consegue “irritar” a vocação da vontade livre. Assim, “paradoxalidade” passa a ser, então, a percepção hermenêutica que se tem de um presente que se assume “sem um destino”, situação que condiciona as biografias individuais a se admitirem como “ontologicamente abandonadas” e sem qualquer disposição para uma forma de vida operando com “ansiedade do itinerário”. Nessa circunstância, a realidade da paz (em tese) pode ser considerada uma possibilidade alcançável para os indivíduos que assim se compreendem, haja vista que nela (paradoxalidade) ‘o presente assumido’ é auto-tensionante, tornando-se uma experiência “sem extensão escatológica” e de “baixo potencial ansiogênico”. A fixação da mente no futuro deve ser compreendida como a etiologia de todas as ansiedades existentes, circunstância que adoece o presente de cada indivíduo e o condena a se entregar a uma “lógica de previsibilidade”.
A liberdade, contudo, só oferece seu expediente operacional quando transforma a percepção do futuro em experiências vividas sem qualquer jactância. A “paradoxalização da vida” é, em si, uma condição de enfrentamento. Pois nela o presente figura-se como "movimento que gera movimento". Quando nela se cerceia o desejo de ir além dos limites pensáveis das liberdades, a vontade reage com intransigência frente ao que se apresenta com a missão de estabelecer “o destino”. Em cada processo existencial que se vivencia, o limite esgotável de cada experiência deve ser considerado (sua saturabilidade). A transformação que se almeja realizar não nasce -- necessariamente -- de “uma utopia”, mas da insatisfação de ver a realidade vivida perder o seu caráter auto-modulante. Mesmo quando o presente vivido se apresenta sem qualquer pretensão teleológica, deve-se compreender, entretanto, que em cada experiência vivida (em si) já existe uma fronteira de saturação demandando “um ato de transgressão” (transcendência da liberdade). Se se quer atribuir futuro à natureza existente nas coisas/realidades imanentes, deve-se fazê-lo considerando que ele só é factível por conta do potencial transformável que existe na motoricidade intrínseca do presente. Isso é a metamorfose. A “dinâmica operante” é um componente ontológico que se verifica somente no “presente”, uma condição que tanto o passado quanto o futuro se veem privados. Não é preciso comparar o evidente (real) com o desejado (ideal) para motorizar a agência da vontade (livre) que opera por ela mesma. Foi assim que o existencialismo preconizou a ontologia do “presente vivido” pelo sujeito-agente que se entende condenado à liberdade.
Contudo, deve-se ter em mente algumas dificuldades dessa compreensão. Ao pretender dissociar o presente de um futuro, a própria liberdade descaracteriza sua ordem semântica. "O Princípio Esperança” (Das Prinzip Hoffnung), de Ernst Bloch, trabalha com o pressuposto de que a “utopia” é a clínica de transformação da crítica que a consciência do interpretante faz do seu próprio presente interpretado. O “agora vivido” é a condição inalienável da liberdade que deseja se realizar na existência de cada indivíduo. A projeção da esperança não se arremete contra o coração da história, mas em direção a sua apoteose. O ideário da esperança é um condicionante da ação histórica quando esta se vê imobilizada pela ausência de sentido dos fatos que se percebem destituídos de uma gramática. O Logos da existência é a esperança que se desloca do futuro para o agora. Não se pode conceber “um depois” sem que este seja pontuado pela “engenharia dos instantes” que se atribui a cada momento do presente vivido. Mesmo sem incorporar a herança do escatologismo, o futuro pensado pela filosofia da esperança de Ernst Bloch estabelece a legibilidade de um 'ultimum’ enviesado pelo hiato que promove a reconciliação “do já (presente) com o ainda-não (futuro)”. Sem essa "prolepse" (Pannenberg & Moltmann), a vida humana perde não somente seu sentido, como também sua capacidade de construir valores que atribuem vivacidade às experiências presentificadas.
Uma vida sem futuro perde, do seu horizonte ontológico, a sina do "potencialmente terapêutico". Toda fenomenologia da cura, concebida em termos biopsíquicos, pressupõe a alteração das estruturas ontológicas que foram enrijecidas na contingencialidade de um presente inflexivo e auto-tensionante, simultaneamente (paradoxalidade). A socialização das possibilidades é um efeito terapêutico da construção de um futuro monitorado reflexivamente pela potencialidade escatogênica do “holofote do presente-agora”. A dramatização dos horizontes que se fecham aparentemente só pode ser redimensionada -- a favor da reconstrução do sentido de uma ação presentista -- quando o telos providente realiza seu movimento vetorial que ajuda estabelecer nexos semânticos perdidos com a abolição do 'ultimum', componente que é compreendido aqui como um recurso redentivo de "desfatalização da história" (Harvey Cox). A percepção contingenciadora dos processos de construção da identidade ontológica (dos indivíduos) sempre dependerá da esperança que habita no futuro de uma condição que se desenha desde já.
Viver como um refém da experiência da paradoxalidade (auto-tensionante) é admitir-se como um indivíduo-agente que existe sem a “liberdade da esperança”. Essa seria uma concepção contraditória. Pois o futuro só se torna uma variável, de baixo teor terapêutico, quando nele não se extrai a substância que alimenta à sua própria condição existente: a esperança. Não se pensa uma engenharia humana de afirmação dos valores insubmissos à lógica da letargia sem que a esperança esteja imanentizada no potencial tensionante do presente figurado em forma de promessa (prolepse), condição -- reafirmo -- que gera na realidade vivida uma potencialidade transformadora contra toda sentença negativa que tende a positivar a experiência catastrofista do senso de desamparo ontológico. Todos os processos de depressão psico-humana são potencialmente desorizontalizantes em sua lógica de funcionamento psíquico. Neles, a dramatização das experiências, sentidas e vividas subjetivamente, tende a contingenciar expectativas com o aumento do grau de indeterminação do futuro que se justapõe ao presente, quando este perde sua transcendência e seu senso de direção. Para descontingenciar a rigidez da paradoxalização da vida é preciso relativizar o ‘pathos’ do presente com a antecipação de um “futuro desejado”, mesmo quando ele “ainda não foi experimentado” (Erich Fromm).
Não existem fronteiras (catastrofistas) que a lógica da esperança não consiga transgredir. O futuro só pode residir no presente quando ela (lógica da esperança) consegue resistir à tentação de desistir. O descontingenciamento dos processos desorizontalizantes, visto na experiência da paradoxalidade, só possuem um potencial reestruturante da percepção adoecida de um presente desfuturizado quando a esperança habilita a força da liberdade para realizar a transformação aguardada "do agora tensionado", o qual emerge de cada vivência que se tem. A história tem uma Razão (Hegel). E é a esperança, projetada na confiança da fé, que acaba por limitar a percepção negativista revelada aparentemente na soma das experiências vividas, que por força das contingências, fizeram do “já-agora” uma engenharia de fabricação das “paradoxalidades intermináveis”. Na poesia hebraica, a promessa de auto-transcendência da esperança aparece na forma animadora de uma afirmação descomplexificante da vida humana (e, por isso, terapêutica), quando apresenta a sentença da seguinte forma: “O fraco diga: EU SOU FORTE!”... Na vida pulsante da esperança, a crença matricial, potencialmente desparadoxalizante, que emerge de cada vivência paradoxalizada é: “Não existe nada que seja torto que não possa se desentortar” (descontingenciamento).
• Anderson Clayton Pires é doutor em sociologia (UFRGS) e doutor em teologia (IEPG-EST). Integra, como professor convidado, o corpo docente do Centro Luterano de Estudos Psicossociológicos e Poimênicos. É casado com Cristina, pai de Diogo e Renata.
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