Opinião
- 14 de julho de 2023
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Quando eu tive um filho, tive uma crise de fé
Recuperar a sanidade depois da paternidade não é moleza
Por René Breuel
Quando eu tive o meu primeiro filho, passei por uma crise de fé. Não foi do tipo intelectual, mas emocional: meu espirito estava ressecado, capengando em meio aos afazeres do dia a dia. Como o personagem de um filme abalado por uma explosão, minha experiência da realidade ficou entorpecida. Agradecia a Deus pelas refeições, mas eram palavras vazias. Deus estava presente, mas eu não.
Por René Breuel
Quando eu tive o meu primeiro filho, passei por uma crise de fé. Não foi do tipo intelectual, mas emocional: meu espirito estava ressecado, capengando em meio aos afazeres do dia a dia. Como o personagem de um filme abalado por uma explosão, minha experiência da realidade ficou entorpecida. Agradecia a Deus pelas refeições, mas eram palavras vazias. Deus estava presente, mas eu não.
O meu primeiro instinto foi buscar momentos de solitude, silêncio e reflexão. Mas logo percebi que não poderia mais separar a espiritualidade da domesticidade e a fé da família, das interrupções e das crianças. Minha sanidade em longo prazo dependia de minha capacidade de integrar as coisas. Como podia nutrir a alma não só em solitude, mas também no meio da vida familiar?
Decidi fazer um experimento: fazer um retiro espiritual junto ao meu filho Pietro, que na época tinha uns dois anos. Fiquei inspirado pela história do Irmão Lourenço, relatada na obra Praticando a presença de Deus, que orava enquanto trabalhava como cozinheiro. Pensei em fazer uma tentativa e ficar em espírito de oração em um sábado em que levei o Pietro ao parquinho e, quando a previsão era de chuva, a um lugar fechado que parecia mais sereno que um shopping: a Basílica de São Pedro, onde moramos em Roma, na Itália.
A primeira parte foi ótima. Demorei para engrenar e me deixei distrair pela musiquinha da Peppa Pig. Mas enquanto caminhávamos ao parquinho, tive um momento em que o Pietro segurou minha mão, o sol brilhava sobre nós, e eu fechei os olhos e levantei o rosto. O Senhor é a minha luz e o meu calor. A minha canção e a minha salvação. O rosto esquentou e o peito ficou mais leve. Brilha sobre nós. Caminha conosco.
Abri os olhos, e algo havia mudado. Como descrever aquele momento? Foi uma libertação do coração; um momento em que não pensei sobre a oração nem avaliei a qualidade de minha oração. Em vez disso, um pequeno milagre aconteceu: uma oração simples e sincera. Senti algo que não experimentava havia tempos: uma percepção elevada de que eu estava em um bom mundo e na companhia de um bom Deus. Um sentimento de benevolência me tomou. Em seguida, um desejo de projetar minha alma. A rua brilhava. As pessoas que cruzavam nosso caminho pareciam amadas e especiais.
Uma senhora cigana de roupas coloridas atravessou a rua, carregando um grande pedaço de madeira e uma jarra d’água em cima da carcaça de um carrinho de bebê velho. Abençoa-a, Senhor. Ajude-a com seus problemas. Que ela chegue são e salva aonde estiver indo.
Olhei para o Pietro. Ele parecia tão amável e único. Senti gratidão, maravilhado por sua existência. Ele não parecia um dever, mas uma dádiva; não uma tarefa, mas meu filho. Obrigado por esse menininho.
Quando chegamos no parquinho, me sentei num banco e olhei para o alto. O céu era enorme e a brisa uma carícia. Um sentimento de trégua chegou. Meu espírito agitado, minha tendência à distração, minha batalha comigo mesmo — tudo aquilo se acalmou. Estava tudo bem, no final das contas. Disse a Deus que sentia falta daquilo, e ele respondeu (naquela voz que você não sabe se é ele ou se é você mesmo, mas pouco importa) que ele sentia falta de mim também. Eu sei, respondi. Foi mal. Pode deixar que vou estar mais por perto.
Mas quando visitamos a Basílica de São Pedro naquela tarde, digamos que não foi tão bem. Entramos na igreja, admiramos a Pietà de Michelangelo e caminhamos até um grupo de bancos onde as pessoas se sentavam ou oravam.
Mas quando visitamos a Basílica de São Pedro naquela tarde, digamos que não foi tão bem. Entramos na igreja, admiramos a Pietà de Michelangelo e caminhamos até um grupo de bancos onde as pessoas se sentavam ou oravam.
— Papai?
— Shh! Sem barulho! — sussurrei, antes de voltar a cabeça com olhar de súplica na direção de uma freira, como que pedindo desculpas por nossa interrupção.
O Pietro me olhou com um sorriso maroto. As crianças têm uma capacidade assombrosa de reconhecer os momentos em que os pais estão limitados pelas circunstâncias e elas podem ganhar poder. Foi o que ele fez: começou a fazer bagunça para me irritar. Pedi mais uma vez que ele ficasse quieto. Ele deu risada; eu cobri sua boca com minha mão. Quando as senhoras em oração começaram a limpar a garganta para dar um toque, a risada do Pietro virou histérica.
— Olha a pomba! — eu propus, apontando para a estátua em cima do altar que representa o Espírito Santo.
O Pietro fez um sorrisão e atravessou a basílica correndo. Fiquei envergonhado por deixar meu filho correr no santuário, mas correr atrás dele parecia ainda pior. E se um cardeal aparecesse? Preferi os apelos impotentes de um pai desamparado.
— Pietro! Pietro! Volta aqui!
Quando o alcancei, ele jogou a cabeça para trás e deu uma risada malévola. Eu me senti num merecido purgatório. É o que acontece quando um pastor protestante traz à basílica um filho diabinho.
— Pietro, olha para mim. Estou falando sério. — Agachei-me ao lado dele, que ofegava depois de correr. — Na nossa igreja, você pode correr, fazer barulho, e tudo bem. Aqui não pode. Está vendo aqueles homens? Estão montando as cercas. Daqui a pouco vai ter uma missa ali.
Por que fui mencionar as cercas? Elas se tornaram seu próximo alvo. Ele ultrapassou um guarda e correu na direção do altar central, como um meteorito infantil em câmera lenta. Céu e terra ficaram imóveis; os anjos seguraram o fôlego; papas medievais levantaram dos túmulos em choque, enquanto eu pensava: Nããããããããooo!!!
Um guarda me encarou feio e eu respondi com um olhar que dizia: Deixa comigo!, e alcancei o Pietro.
— Você está fazendo seu pai suar, não é mesmo?
Levei-o para trás de uma coluna num canto da basílica a fim de repreendê-lo. Mas quando vi seu rostinho suado e os dentinhos detrás de seu sorriso alegre, em vez de corrigi-lo dei risada.
— Nem o guarda alcançou você, hein?
— Não!
Brincamos de esconde-esconde sem fazer muito barulho atrás da coluna. Percebi que não havia feito nenhuma oração desde que havíamos chegado. No começo, isso me pareceu um problema. Mas, enfim, é assim que as coisas são. Oramos no parquinho e brincamos na igreja. Recuperar a sanidade depois da paternidade não é fácil, mas pelo menos estávamos tentando.
— Vou deixar você correr uma última vez, mas só se for até a saída, tudo bem?
Ele abriu um sorrisão e foi com tudo.
- René Breuel é um pastor e escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Esse artigo foi adaptado do seu novo livro, Não é fácil ser pai: Como domar os leõezinhos, não chatear sua esposa e recuperar (um pouco) a sanidade depois da paternidade.
REVISTA ULTIMATO | MAMOM VERSUS DEUS
Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
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