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Quando a dor se torna insuportável

Por Rubens Ruprecht | Resenha
 
Organizado pelo psicólogo e colunista da revista Ultimato, Carlos Catito Grzybowski, Quando a dor se torna insuportável (Sinodal, 2019) reúne diferentes autores e apresenta um estudo sobre a dor que leva ao suicídio e alguns elementos preventivos para que tal não aconteça.
 
O organizador Carlos Catito Grzybowski (cap. 7 – Quando quem ganha perde), parte do pressuposto sistêmico da Teoria Geral dos Sistemas sobre os conceitos de globalidade e retroalimentação, em que o comportamento suicida é “a comunicação de uma dor insuportável, diante da qual a abreviação da existência é a resposta mais lógica” (p.70). Entretanto, não é uma resposta somente individual pois depende das dimensões relacionais dos sistemas em que todo indivíduo está inserido e geralmente está relacionado a situações de vitimização e presença de padrões abusivos que então culminam com a abreviação da vida. Para o autor, “urge a necessidade de falarmos abertamente sobre esse tema, especialmente em uma sociedade hedonista e uma Igreja muitas vezes triunfalista, e onde a dor e o sofrimento são facilmente identificados com a ausência de espiritualidade” (p.6).
 
Kitty Kursawa (cap. 1 – Entendendo o suicídio a partir das Escrituras) reflete sobre os personagens bíblicos que temporariamente perderam o sabor da vida, entre eles Elias, Rebeca, Jacó, Moisés e Jó, mas sobretudo ouve e reflete sobre as lamentações de Elias diante de um quadro de depressão, onde a terra árida e seca torna-se seu refúgio e metáfora dos seus sentimentos (1Rs 19.4), num processo de preocupação com a vida, isolamento social e desistência da vida.
 
Uriel Heckert (cap. 2 – Mentes brilhantes ou mentes delirantes) se ampara em dados estatísticos sobre o suicídio e o analisa sob o enfoque da Psiquiatria, sob o ângulo dos transtornos mentais, respectivamente transtornos afetivos, alcoolismo, esquizofrenia e transtornos de personalidade, representados por uma ideação suicida, tentativa de suicídio e o suicídio consumado, diante dos quais sempre cabem ações preventivas ou emergenciais.
 
Clarice Ebert e Claudio Ebert (cap. 3 – Da infalibilidade papal à infalibilidade pastoral) analisam a complexidade das demandas ministeriais diárias misturadas com as disfuncionalidades eclesiásticas que poderão “solapar o sentido da sua vocação, promovendo intenso sofrimento (...) que vai corroendo a alma, fazendo definhar o sentido pelo qual se realiza algo” (p.29). Tabu em muitos meios eclesiásticos, o sofrimento pastoral é visto como uma consequência sofrida pelo próprio pastor e pastora que não caminha no trilho da vocação ministerial, ou como uma falha em sua espiritualidade ou ainda uma personalidade complicada e raramente instituições reconhecem em seu modelo estrutural e relacional possíveis disfunções que podem comprometer a saúde dos seus pastores e pastoras, assim como demais agregados em sua administração.
 
Marcos Quaresma (cap. 4 – Do lado de cá da fronteira) também analisa alguns personagens bíblicos ( Sansão, Saul, Judas e outros como Aitofel, rei Zinri), da história como van Gogh – que também foi pastor, além de pintor), elencando alguns motivos e razões para o suicídio e as possibilidades terapêuticas tanto para pastores e pastoras quanto para as instituições. Refere que pastores, pastoras, líderes, comunidades e instituições façam parcerias “guiadas pela Graça do Senhor, para que diminuamos o ódio pela imperfeição da própria vida, que tem levado algumas pessoas a atitudes extremas” (p.46).
 
Ingrid Bayer (cap. 5 – E agora o que fazemos) reflete sobre como lidamos com as inúmeras perdas de nossa vida e como estas podem levar ao suicídio quando não são elaboradas, dentro de uma perspectiva multifatorial “numa complexa interação de mecanismos psicológicos, emocionais, sociais, culturais, genéticos, ambientais e que foram se construindo ao longo da história desse indivíduo” (p.50). Por isso é preciso viver o luto, que é um longo processo e não um estado passageiro, em que a dor da perda é extravasada pelas emoções e sentimentos ao longo de um tempo.
 
Roseli M. Kühnrich de Oliveira (cap. 6 – A sedução da morte) é uma reflexão sobre o que se busca no suicídio: não a morte, mas que a dor acabe. Comenta particularmente o quanto a vida de pastores e pastoras, via de regra, não passa de uma grande performance diante da Igreja, ministério, família, amigos e quando estes se afastam por algum distúrbio na relação, a solidão escancarada em suas diversas nuances pode levar ao suicídio como o ato mais verdadeiro de toda a sua vida. Indica possibilidades de assistência e encorajamento como um retorno à Graça Divina.
 
Marcelo Perpétuo (cap. 8 – Do cuidado ao descuido e a síndrome de Burnout) comenta a grande disponibilidade interna em jornadas extensas de trabalho por vezes exigidas dos pastores e pastoras em demandas “empresariais” eclesiásticas, referindo que a vida religiosa não dá superpoderes para padres, pastoras e pastores, gerando jornadas de trabalho extensas e complexas, com grande potencial de adoecimento e abandono das atividades laborativas. Refere estatísticas que colocam ministros e ministras religiosos em categorias reconhecidamente de estresse, ‘em que o exercício pastoral demanda exigências que se correlacionam com a lógica do mercado secular’, levando facilmente à síndrome de Burnout. Sugere uma escala de prevenção primária, secundária e terciária capaz de diminuir o impacto dessa “cultura reativa para uma cultura preventiva na vida pessoal e ministerial” (p.85).
 
Erlo Saul Aurich (cap. 9 – É possível prevenir) comenta sua experiência pessoal com adolescentes e jovens para prevenir o suicídio, provocando o leitor com a inversão do texto de Efésios 6.1,4: “Pais, obedeçam a seus filhos [...]. Filhos, não irritem seus pais” (p.89); e, a partir de bases bíblicas reexpõe o tema da autoridade parental. Como atitudes preventivas sugere atitudes de integridade e solidariedade, comentando ainda duas práticas comunitárias na sua região: Galera;com e Escola da Vida. Conclui que é possível prevenir contra a morte e seu espírito traiçoeiro com recursos genéticos, familiares, materiais, financeiros, acadêmicos, medicamentosos, o que for necessário para manter a vida em sua plenitude.

• Rubens Ruprecht é bacharel em teologia pela EST – Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, RS, pastor luterano, mestre em psicologia e sociedade e membro do CPPC – Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos.

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