Opinião
15 de setembro de 2022
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Protestantismo: unidade e diversidade
Por Robinson Cavalcanti
Este artigo foi publicado há cerca de 30 anos.

Com exceção de setores sacramentalistas ou universalistas entre as igrejas imigratórias no sul do país, o dinâmico protestantismo brasileiro se caracteriza positivamente, por uma unidade básica: a crença na autoridade das Escrituras e na salvação unicamente pela graça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo.
Não obstante essa unidade básica, o nosso cristianismo reformado apresenta nítidas diversidades: migração versus missão, origem estrangeira versus origem autóctone, cultura rural versus cultura urbana, classe média versus inserção popular, ritualismo versus espontaneísmo litúrgico, intelectualismo versus emocionalismo, etc.
Mais do que diversidades, é preciso reconhecer as divergências: formas de governo, sacramentos/ordenanças, calvinismo versus arminianismo, escatologia pré, a ou pós milenista, dispensacionalismo, estado intermediário, penas eternas, e um sem número de outras questões, além da vinculação às diferentes “ famílias” denominacionais (presbiterianos, anglicanos, batistas, metodistas, luteranos, congregacionais etc) e suas ‘subdenominações’ (presbiterianos do Brasil ou independentes, batistas brasileiros, nacionais, regulares etc).
As divergências podem evoluir para conflitos: situações geradoras de maior tensão, agressividade e intolerância, principalmente: a) contemporaneidade dos dons do Espírito Santo; b) as ideologias políticas e econômicas; c) os usos e costumes; d) a ética sexual. O falar ou não em línguas, o capitalismo ou o socialismo, o vinho ou o guaraná, o divórcio ou o não divórcio, por exemplo, são temas de baixa compreensividade.
Há maior consenso nas bases eclesiais que nas cúpulas institucionais e em assuntos metafísicos mais do que em temas vivenciais.
A grande divisão atual, contudo, se dá em termos de escolas de pensamento: o Neofundamentalismo, o Evangelicalismo Conservador, o Evangelicalismo Progressista e o Liberalismo (Clássico ou Teologia da Libertação).
A unidade diversa
O sectarismo, a imaturidade e a debilidade de reflexão concorrem para uma situação em que a unidade desejada pelo Senhor (sermos um “ para que o mundo creia”) parece distante. Quando se considera o outro como diferente, como “ inferior”, “menos cristão” ou até, “ não cristão”, estamos longe do pensamento pós-apostólico de que deveríamos buscar: “no essencial unidade, no acidental diversidade, em tudo caridade”.
Para fazer avançar o processo de consolidação do corpo de Cristo no Brasil, carecemos urgentemente de:
1) Uma Teologia da Unidade, com ênfase na doutrina da igreja, originalmente como Una, Santa, Católica e Apostólica;
2) Uma Teologia da Diversidade, com a legitimação da criatividade e da pluralidade na vida do Povo de Deus. Aqui se inclui uma Teologia da Adiáfora, da licitude do diverso por parte de Deus. Seriam estranhas aos propósitos divinos a esterilidade e a uniformidade cultural;
3) Uma Teologia da Divergência, que passa por uma compreensão das limitações e condicionamentos humanos para a apreensão e vivência dos fatos e ideias, bem como caráter não mecânico da revelação, inspiração e iluminação.
Ao contrário dos islâmicos, os cristãos não creem em um texto ditado verbalmente pelo céu, de caráter a-histórico e uniformizante, para todas as épocas, lugares, culturas e situações, lançando-se mão, sempre que possível do braço do Estado para enquadrar, marginalizar, destruir os dissidentes.
A censura à livre manifestação e difusão de ideias, atuais ou históricas, pelas igrejas ou entidades pró-unidade, se constitui em uma aberração antirreformada.


A nova Arca?
Como o protestantismo brasileiro vai consolidando o padrão denominacionalista norte-americano, é bom lembrar que naquele país não encontramos um, mas três organismos promotores da unidade: o Congresso Nacional de Igrejas (NCC), a Associação Nacional de Evangélicos (NAE) e o Conselho Americano de Igrejas Cristãs (ACCC), com diversas tonalidades teológico-ideológicas, enquanto que duas das maiores denominações, os batistas do sul e os luteranos-missuri, não são filiadas a qualquer deles.
Seguirá o Brasil o mesmo modelo tríplice (talvez com uma entidade “guarda chuva”: a CUP – Central Única dos Prostestantes), ou teremos uma só entidade (modelo “Arca de Noé”), acomodando todo o mundo? Que corrente terá a hegemonia? Como acomodar a arrogância intelectual dos liberais e a arrogância dogmática-moralista dos neofundametalistas? Os evangélicos conservadores – influenciados, cooptados ou intimidados – ficarão a reboque dos neofundamentalistas? Os evangélicos progressistas jogarão um papel apenas ornamental, serão marginalizados ou buscarão seus próprios canais?
No momento atual, pelas limitações de representatividade, nenhuma organização pró-unidade pode ter a pretensão de falar em nome de toda comunidade protestante brasileira.
Artigo originalmente publicado na edição 229 de Ultimato, julho de 1994.

Qual a melhor resposta para um mundo cada vez mais dividido e para uma igreja cada vez mais polarizada? Pode parecer estranho, mas a resposta bíblica é óbvia: a Unidade em Cristo. E a pergunta que se segue é: “Que unidade é essa?” Aquela pela qual Jesus orou (Jo 17.23).
Saiba mais
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
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