Opinião
- 16 de junho de 2011
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Precisamos de uma reforma protestante?
III – Cenário Futuro
O cenário que se desenhava na primeira metade do século passado, com um número limitado de denominações históricas, de imigração ou de missão, e de denominações pentecostais sérias e éticas, aglutinadas em torno da Confederação Evangélica (1934-1964), em clima de respeito mútuo, e de mais convergências do que divergências, com todos se considerando parte de uma mesma comunidade, portadora de uma mesma herança, partilhando dos mesmos ideais, lamentavelmente se foi, e não parece possível de ser retornado, ao menos em um horizonte previsível.
O cenário que se desenhava por mais de um século, ainda presente na segunda metade do século passado, de um Protestantismo que tinha o Evangelicalismo como corrente hegemônica, em algo que parecia sólido e disseminado, está se esvaindo muito rapidamente nas últimas décadas, minado pelo Fundamentalismo, pelo Liberalismo e pelo Pseudo-Pentecostalismo. Ironicamente, quanto mais “evangélicos” o IBGE atesta em cada Censo, menos evangélicos esses “evangélicos” são...
O cenário que gerou o nacionalismo da Igreja Presbiteriana Independente ou do “Movimento Radical Batista”, os setores e departamentos da Confederação Evangélica, a participação brasileira no Congresso do Panamá (1916), nas CELAs e nos CLADEs, e a inquietação de jovens e de intelectuais na construção de um Evangelicalismo Latino, seja na Aliança Bíblica Universitária (ABU), seja na VINDE, seja na Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL), seja nos Congressos Brasileiros e Nordestinos de Evangelização, hoje pouco mais é do que memoráveis páginas da nossa História, talvez peças de um museu de sonhos, afogados todos na importação de textos, pensadores, preletores e métodos dos centros do poder mundial, reestrangeirizados, com as “fábricas” substituídas por lojas de brinquedos não “Made in China”, mas “Made in USA” ou “Made in UK”...
Em uma época em que a globalização é apenas um sofisma para o neocolonialismo, somos, provavelmente, os mais colonizados de todos os brasileiros.
A Bíblia, cada vez mais vendida, em um sem número de traduções e de comentários domesticadores para todos os gostos, é cada vez menos lida e menos conhecida.
A História Geral e Nacional da Igreja é algo sobre o que não se tem interesse ou se tem um escasso conhecimento. E como teremos futuro, se não temos passado? E como iremos atualizar o que desconhecemos: a vida e a obra dos Reformadores, as Confissões de Fé, a Teologia, os Movimentos, enfim, o conteúdo mesmo da Reforma!
Antigamente, ou tínhamos membros comprometidos ou os chamados “desviados”. Hoje há o “crente de IBGE”, o “descendente de crente”, o “crente nominal”, o “membro de frequência ocasional”, “de vez em quando”, “quando me der na telha”, “bissextos”, os “buscadores de bênçãos”, os eternos migrantes denominacionais, no modelo “religião self-service”, onde se põe de tudo no prato, que se projeta em novas manifestações institucionais, como Assembleianos Calvinistas da Teologia da Prosperidade ou Batistas Renovados do Sétimo Dia, com as nomenclaturas as mais exóticas e as mais patológicas...
Se o poeta já dizia que “navegar é preciso”, não teríamos imagem bíblica mais adequada para o protestantismo brasileiro do que a Arca de Noé, na diversidade e algazarra dos bichos de todos os matizes.
Uma nota de tristeza e de lamento se dirige a uma expressiva fatia da nossa liderança, que foi evangélica no passado, mas que hoje, influenciada por outras correntes, abjura do seu passado, ridiculariza suas antigas convicções e confunde as novas gerações, na sua busca necessária de modelos e de heróis. A dubiedade de tantos diante de temas como o aborto e a agenda gay evidenciam que o Evangelicalismo brasileiro é menos sólido do que pensávamos ou desejávamos que fosse.
Para um futuro próximo não vislumbro grandes e radicais mudanças no presente quadro. Continuaremos a crescer quantitativamente, teremos uma mobilidade social com a nossa expressiva presença na chamada “nova classe média”, moralmente mais conservadora, e que os políticos já estão descobrindo, mesmo fragmentados e divergentes; vamos sendo empurrados pela História como atores sociais significativos, e não teremos uma face, mas várias faces, podendo a nascente Aliança Evangélica aglutinar setores éticos em torno da Teologia da Missão Integral da Igreja e de um Evangelicalismo teologicamente conservador e sócio-economicamente progressista. A criação de um bloco mais maduro passa pela consolidação de algo que já vem se dando há algum tempo: a aproximação entre os históricos que admitem a contemporaneidade dos dons espirituais e admiram o dinamismo dos pentecostais, e os pentecostais que valorizam o legado e o pensamento teológico dos históricos.
Na profusão de denominações, subdenominações, ministérios, jurisdições, comunidades, missões, há o desafio da convivência respeitosa, da busca de um mínimo de ética como testemunho e, com maior esforço, o estabelecimento de pontes de diálogos e de ações conjuntas, onde tanto a Aliança Evangélica, a Sociedade Bíblica e as Ordens e Conselhos de Pastores poderiam jogar um importante papel.
A busca de um diploma reconhecido pelo MEC, antes que o preparo de obreiros, tende a fortalecer os cursos de Ciência da Religião à custa dos Cursos de Teologia e da própria produção teológica e da prática pastoral.
A reorganização da Igreja Romana em torno de um núcleo de seguidores mais comprometidos, o espaço dos cultos afro-ameríndios nas academias e na mídia, a indiferença religiosa das elites e o secularismo do Estado são desafios muito fortes, e que, muito provavelmente, forçarão um despertar, ao menos por espírito de sobrevivência.
Não precisamos de uma Nova Reforma, nem de novos Reformadores, mas de uma redescoberta no século XXI das mesmas verdades que foram redescobertas no século XVI, e de líderes que tenham a coragem de reafirmá-las dentro do novo contexto. Como já tenho dito, o futuro está no passado que permite construir o presente.
Creio, firmemente, que o Evangelicalismo representa o somatório de toda a herança reformada e é a sua melhor manifestação. Na diversidade de teologias no mercado, nos cabe lutar pela hegemonia do Evangelicalismo, como princípio e como núcleo condutor de uma reformação das igrejas descendentes da Reforma.
Humanamente, o quadro poderia nos levar a cair no pessimismo, já que o otimismo seria irrealista e inconsequente. Mas, a nossa crença na Providência Divina, no Senhorio de Deus sobre a História, e, em particular, sobre a Sua Igreja, nos permite um realismo otimista, passos de fé, que, em muitos momentos, são “saltos no escuro”, mas, assistidos pelo Espírito Santo, nutridos pela Palavra e pelos Sacramentos, nos resta, em obediência, avançar, certos de que Ele faz nova todas as coisas, pois, o nosso Deus é um Castelo Forte, e, em se tratando da Igreja de Jesus Cristo, “Ninguém detém. É obra santa!”.
Niterói (RJ), 28 de maio de 2011
Anno Domi
(Texto publicado originalmente na página da Diocese Anglicana do Recife)
O cenário que se desenhava na primeira metade do século passado, com um número limitado de denominações históricas, de imigração ou de missão, e de denominações pentecostais sérias e éticas, aglutinadas em torno da Confederação Evangélica (1934-1964), em clima de respeito mútuo, e de mais convergências do que divergências, com todos se considerando parte de uma mesma comunidade, portadora de uma mesma herança, partilhando dos mesmos ideais, lamentavelmente se foi, e não parece possível de ser retornado, ao menos em um horizonte previsível.
O cenário que se desenhava por mais de um século, ainda presente na segunda metade do século passado, de um Protestantismo que tinha o Evangelicalismo como corrente hegemônica, em algo que parecia sólido e disseminado, está se esvaindo muito rapidamente nas últimas décadas, minado pelo Fundamentalismo, pelo Liberalismo e pelo Pseudo-Pentecostalismo. Ironicamente, quanto mais “evangélicos” o IBGE atesta em cada Censo, menos evangélicos esses “evangélicos” são...
O cenário que gerou o nacionalismo da Igreja Presbiteriana Independente ou do “Movimento Radical Batista”, os setores e departamentos da Confederação Evangélica, a participação brasileira no Congresso do Panamá (1916), nas CELAs e nos CLADEs, e a inquietação de jovens e de intelectuais na construção de um Evangelicalismo Latino, seja na Aliança Bíblica Universitária (ABU), seja na VINDE, seja na Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL), seja nos Congressos Brasileiros e Nordestinos de Evangelização, hoje pouco mais é do que memoráveis páginas da nossa História, talvez peças de um museu de sonhos, afogados todos na importação de textos, pensadores, preletores e métodos dos centros do poder mundial, reestrangeirizados, com as “fábricas” substituídas por lojas de brinquedos não “Made in China”, mas “Made in USA” ou “Made in UK”...
Em uma época em que a globalização é apenas um sofisma para o neocolonialismo, somos, provavelmente, os mais colonizados de todos os brasileiros.
A Bíblia, cada vez mais vendida, em um sem número de traduções e de comentários domesticadores para todos os gostos, é cada vez menos lida e menos conhecida.
A História Geral e Nacional da Igreja é algo sobre o que não se tem interesse ou se tem um escasso conhecimento. E como teremos futuro, se não temos passado? E como iremos atualizar o que desconhecemos: a vida e a obra dos Reformadores, as Confissões de Fé, a Teologia, os Movimentos, enfim, o conteúdo mesmo da Reforma!
Antigamente, ou tínhamos membros comprometidos ou os chamados “desviados”. Hoje há o “crente de IBGE”, o “descendente de crente”, o “crente nominal”, o “membro de frequência ocasional”, “de vez em quando”, “quando me der na telha”, “bissextos”, os “buscadores de bênçãos”, os eternos migrantes denominacionais, no modelo “religião self-service”, onde se põe de tudo no prato, que se projeta em novas manifestações institucionais, como Assembleianos Calvinistas da Teologia da Prosperidade ou Batistas Renovados do Sétimo Dia, com as nomenclaturas as mais exóticas e as mais patológicas...
Se o poeta já dizia que “navegar é preciso”, não teríamos imagem bíblica mais adequada para o protestantismo brasileiro do que a Arca de Noé, na diversidade e algazarra dos bichos de todos os matizes.
Uma nota de tristeza e de lamento se dirige a uma expressiva fatia da nossa liderança, que foi evangélica no passado, mas que hoje, influenciada por outras correntes, abjura do seu passado, ridiculariza suas antigas convicções e confunde as novas gerações, na sua busca necessária de modelos e de heróis. A dubiedade de tantos diante de temas como o aborto e a agenda gay evidenciam que o Evangelicalismo brasileiro é menos sólido do que pensávamos ou desejávamos que fosse.
Para um futuro próximo não vislumbro grandes e radicais mudanças no presente quadro. Continuaremos a crescer quantitativamente, teremos uma mobilidade social com a nossa expressiva presença na chamada “nova classe média”, moralmente mais conservadora, e que os políticos já estão descobrindo, mesmo fragmentados e divergentes; vamos sendo empurrados pela História como atores sociais significativos, e não teremos uma face, mas várias faces, podendo a nascente Aliança Evangélica aglutinar setores éticos em torno da Teologia da Missão Integral da Igreja e de um Evangelicalismo teologicamente conservador e sócio-economicamente progressista. A criação de um bloco mais maduro passa pela consolidação de algo que já vem se dando há algum tempo: a aproximação entre os históricos que admitem a contemporaneidade dos dons espirituais e admiram o dinamismo dos pentecostais, e os pentecostais que valorizam o legado e o pensamento teológico dos históricos.
Na profusão de denominações, subdenominações, ministérios, jurisdições, comunidades, missões, há o desafio da convivência respeitosa, da busca de um mínimo de ética como testemunho e, com maior esforço, o estabelecimento de pontes de diálogos e de ações conjuntas, onde tanto a Aliança Evangélica, a Sociedade Bíblica e as Ordens e Conselhos de Pastores poderiam jogar um importante papel.
A busca de um diploma reconhecido pelo MEC, antes que o preparo de obreiros, tende a fortalecer os cursos de Ciência da Religião à custa dos Cursos de Teologia e da própria produção teológica e da prática pastoral.
A reorganização da Igreja Romana em torno de um núcleo de seguidores mais comprometidos, o espaço dos cultos afro-ameríndios nas academias e na mídia, a indiferença religiosa das elites e o secularismo do Estado são desafios muito fortes, e que, muito provavelmente, forçarão um despertar, ao menos por espírito de sobrevivência.
Não precisamos de uma Nova Reforma, nem de novos Reformadores, mas de uma redescoberta no século XXI das mesmas verdades que foram redescobertas no século XVI, e de líderes que tenham a coragem de reafirmá-las dentro do novo contexto. Como já tenho dito, o futuro está no passado que permite construir o presente.
Creio, firmemente, que o Evangelicalismo representa o somatório de toda a herança reformada e é a sua melhor manifestação. Na diversidade de teologias no mercado, nos cabe lutar pela hegemonia do Evangelicalismo, como princípio e como núcleo condutor de uma reformação das igrejas descendentes da Reforma.
Humanamente, o quadro poderia nos levar a cair no pessimismo, já que o otimismo seria irrealista e inconsequente. Mas, a nossa crença na Providência Divina, no Senhorio de Deus sobre a História, e, em particular, sobre a Sua Igreja, nos permite um realismo otimista, passos de fé, que, em muitos momentos, são “saltos no escuro”, mas, assistidos pelo Espírito Santo, nutridos pela Palavra e pelos Sacramentos, nos resta, em obediência, avançar, certos de que Ele faz nova todas as coisas, pois, o nosso Deus é um Castelo Forte, e, em se tratando da Igreja de Jesus Cristo, “Ninguém detém. É obra santa!”.
Niterói (RJ), 28 de maio de 2011
Anno Domi
(Texto publicado originalmente na página da Diocese Anglicana do Recife)
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
- Textos publicados: 29 [ver]
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