Opinião
- 16 de junho de 2011
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Precisamos de uma reforma protestante?
I – Cenário Passado
A Igreja, como Povo da Nova e Eterna Aliança, Novo Israel, novo Povo de Deus de todos os povos e para todos os povos, foi criada no coração do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, como portadora das Boas Novas e sinal, primícia e vanguarda da Nova Humanidade, tendo sua inauguração no Dia de Pentecostes sob o poder do Espírito Santo, e tem estado presente de forma ininterrupta na História por dois mil anos, e assim estará, com Ele presente, até a consumação dos séculos.
Portanto, a História da Igreja não começa no Século XVI, mas no século I. Não começa com as 95 Teses de Lutero, mas com o discurso de Pedro. Não começa em Wittemberg, mas em Jerusalém. E, muito antes do Imperador Constantino, no quarto século, a Igreja já tinha se espalhado por todo o mundo civilizado de então; já tinha definido o Cânon do Novo Testamento e ratificado o Cânon judaico do Antigo Testamento; já tinha definido o conteúdo das doutrinas básicas emanadas dessas Escrituras: a Santíssima Trindade, as duas naturezas, o nascimento virginal, a morte vicária, a ressurreição, a natureza da Igreja, o Retorno do Senhor e o Juízo Final, o Novo Céu e a Nova Terra; já tinha definido os Sacramentos do Batismo e da Eucaristia; já tinha estabelecido ministérios de bispos, presbíteros e diáconos; já tinha estabelecido um padrão do governo e deliberação nos Concílios. E, tudo isso, sob a fórmula “pareceu-nos bem ao Espírito Santo e a nós”.
As bases fundamentais da Igreja nada têm a ver com Constantino, mas foram estabelecidas antes dele, nesse legado pensado, ensinado e transmitido pelos Apóstolos, pelos Pais Apostólicos e pelos Pais da Igreja. E era assim que os Reformadores Protestantes acreditavam. Eles nunca pretenderam criar uma nova igreja, fundar uma nova igreja, mas reformar a Igreja de sempre, Una, Santa, Católica e Apostólica. Eles repudiavam o romanismo, não o catolicismo, a fé universal histórica. Eles não traziam nada de novo senão a reafirmação do antigo e do eterno. Os Reformadores olhavam para o Oriente, onde estavam as Igrejas Bizantinas, as Igrejas Pré-Calcedônias (ou Jacobitas), as Igrejas Assírias (ou Nestorianas) e as Igrejas Uniatas (autônomas, mas vinculadas a Roma), e olhavam para o Ocidente, para a Igreja Romana ou Latina, e lamentavam e repudiavam os seus “erros, desvios e superstições” acumulados ao longo dos séculos, pretendendo questioná-los e expurgá-los, mas, unanimemente as consideravam como “ramos autênticos da única Igreja de Cristo”. E não era outra a sua visão em relação às manifestações proto-reformadas, como os valdenses e os hussitas ou moravianos.
Resgatar hoje a Reforma Protestante é resgatar essa visão dos Reformadores sobre o que acontecera antes deles, e, em decorrência, é repudiar, repito, repudiar, como uma terrível heresia, que nos trouxe danos incomensuráveis, a teoria que afirma uma suposta “apostasia geral da Igreja”, como se o Espírito Santo tivesse se ausentado da terra entre a morte de João e o nascimento de Lutero. Calvino, Lutero, Cranmer – todos eles – jamais pensaram assim, e condenariam quem pensasse assim, mas assumiam o passado e afirmavam a presença ininterrupta do Espírito Santo. Todos eles se referiam aos Concílios e aos Pais da Igreja. As Confissões de Fé da Reforma, por sua vez, reafirmam todos os artigos do Credo dos Apóstolos e do Credo Niceno, ampliando e aprofundando alguns temas, especialmente a autoridade das Sagradas Escrituras, a centralidade do sacrifício de Cristo e a salvação pela Graça mediante a Fé.
Uma questão central é: no que nos distanciamos hoje dos Reformadores?
Em primeiro lugar desse olhar positivo sobre todo o passado, desse assumir todo o passado, desse assumir toda a História, o que nos faz continuar críticos dos “desvios, erros e superstições”, mas que nos deveria fazer, também, respeitosos e abertos a aprender com as antigas Igrejas não-reformadas, e a dizer que, nos quinze séculos anteriores à Reforma, a cada domingo que se celebrava a Ressurreição e se recitava os Credos, ali estava – com todas as suas limitações – a Igreja de Cristo e não a apostasia do anti-cristo. Os embates travados nesse continente com a Igreja Romana, e os longos períodos de perseguição e discriminação, tornou a comunidade protestante mais vulnerável a aderir à heresia da “apostasia geral da Igreja”, e hoje, afirmando as nossas convicções protestantes, repudiamos essa heresia e reafirmamos o pensamento dos nossos antepassados na fé.
Em segundo lugar quando substituímos a autoridade das Sagradas Escrituras pelo racionalismo, de um lado, ou pelas revelações particulares e pelas experiências, do outro lado. Sola Scriptura, é uma Bíblia crida, aberta e exposta, como Palavra de Deus, nada ensinando ou requerendo que seja crido que por ela não se possa provar, quando substituímos a Sola Gratia pela Lei e pelas Obras, nas exigências legalistas e moralistas dos usos e costumes, quando substituímos a Sola Fide como dom de Deus que recebe a Graça, por um “pensamento positivo” que impõe ao céu a sua saúde e a sua prosperidade.
Começamos a Reforma com seis ramos do Cristianismo e a terminamos com uma dúzia apenas, pois o denominacionalismo não havia ainda surgido, e nem o termo “denominação” era sequer conhecido ou usado, porque, nem está na Bíblia, nem está nas Confissões de Fé Reformadas; nem está nos escritos dos Reformadores, porque eles repudiavam como pecados contra o Espírito Santo, tanto as heresias, que atentam contra a verdade, quanto os cismas, que atentam contra a unidade.
A Bíblia foi traduzida para um número cada vez maior de idiomas, escolas, universidades, hospitais foram espaços concretos do amor de Cristo às nações, o analfabetismo foi reduzido, vidas foram transformadas, culturas foram impactadas, o trabalho foi valorizado, a família afirmada, bem como a dignidade de toda a pessoa humana, em um vigoroso empreendimento missionário que, apesar dos seus inúmeros equívocos, teve uma inegável dimensão civilizatória. A Reforma Protestante, em seu conjunto, tornou o mundo melhor.
Expansão missionária que, por meio de missionários estrangeiros e pioneiros nacionais chegou até ao Brasil, sob fortes restrições legais e discriminações sociais, que varou os sertões ao lombo de burro, levando luzes onde havia escuridão da alma, e que nós hoje somente estamos aqui na esteira do seu ministério sacrificial. E, nessa noite, é nosso dever expressar a nossa gratidão e honrar a sua memória.
A Reforma deixou de ser algo longínquo, na Europa, ou na América do Norte, para ser algo vivo e atual no Brasil. Graças a Deus, por isso!
A Igreja, como Povo da Nova e Eterna Aliança, Novo Israel, novo Povo de Deus de todos os povos e para todos os povos, foi criada no coração do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, como portadora das Boas Novas e sinal, primícia e vanguarda da Nova Humanidade, tendo sua inauguração no Dia de Pentecostes sob o poder do Espírito Santo, e tem estado presente de forma ininterrupta na História por dois mil anos, e assim estará, com Ele presente, até a consumação dos séculos.
Portanto, a História da Igreja não começa no Século XVI, mas no século I. Não começa com as 95 Teses de Lutero, mas com o discurso de Pedro. Não começa em Wittemberg, mas em Jerusalém. E, muito antes do Imperador Constantino, no quarto século, a Igreja já tinha se espalhado por todo o mundo civilizado de então; já tinha definido o Cânon do Novo Testamento e ratificado o Cânon judaico do Antigo Testamento; já tinha definido o conteúdo das doutrinas básicas emanadas dessas Escrituras: a Santíssima Trindade, as duas naturezas, o nascimento virginal, a morte vicária, a ressurreição, a natureza da Igreja, o Retorno do Senhor e o Juízo Final, o Novo Céu e a Nova Terra; já tinha definido os Sacramentos do Batismo e da Eucaristia; já tinha estabelecido ministérios de bispos, presbíteros e diáconos; já tinha estabelecido um padrão do governo e deliberação nos Concílios. E, tudo isso, sob a fórmula “pareceu-nos bem ao Espírito Santo e a nós”.
As bases fundamentais da Igreja nada têm a ver com Constantino, mas foram estabelecidas antes dele, nesse legado pensado, ensinado e transmitido pelos Apóstolos, pelos Pais Apostólicos e pelos Pais da Igreja. E era assim que os Reformadores Protestantes acreditavam. Eles nunca pretenderam criar uma nova igreja, fundar uma nova igreja, mas reformar a Igreja de sempre, Una, Santa, Católica e Apostólica. Eles repudiavam o romanismo, não o catolicismo, a fé universal histórica. Eles não traziam nada de novo senão a reafirmação do antigo e do eterno. Os Reformadores olhavam para o Oriente, onde estavam as Igrejas Bizantinas, as Igrejas Pré-Calcedônias (ou Jacobitas), as Igrejas Assírias (ou Nestorianas) e as Igrejas Uniatas (autônomas, mas vinculadas a Roma), e olhavam para o Ocidente, para a Igreja Romana ou Latina, e lamentavam e repudiavam os seus “erros, desvios e superstições” acumulados ao longo dos séculos, pretendendo questioná-los e expurgá-los, mas, unanimemente as consideravam como “ramos autênticos da única Igreja de Cristo”. E não era outra a sua visão em relação às manifestações proto-reformadas, como os valdenses e os hussitas ou moravianos.
Resgatar hoje a Reforma Protestante é resgatar essa visão dos Reformadores sobre o que acontecera antes deles, e, em decorrência, é repudiar, repito, repudiar, como uma terrível heresia, que nos trouxe danos incomensuráveis, a teoria que afirma uma suposta “apostasia geral da Igreja”, como se o Espírito Santo tivesse se ausentado da terra entre a morte de João e o nascimento de Lutero. Calvino, Lutero, Cranmer – todos eles – jamais pensaram assim, e condenariam quem pensasse assim, mas assumiam o passado e afirmavam a presença ininterrupta do Espírito Santo. Todos eles se referiam aos Concílios e aos Pais da Igreja. As Confissões de Fé da Reforma, por sua vez, reafirmam todos os artigos do Credo dos Apóstolos e do Credo Niceno, ampliando e aprofundando alguns temas, especialmente a autoridade das Sagradas Escrituras, a centralidade do sacrifício de Cristo e a salvação pela Graça mediante a Fé.
Uma questão central é: no que nos distanciamos hoje dos Reformadores?
Em primeiro lugar desse olhar positivo sobre todo o passado, desse assumir todo o passado, desse assumir toda a História, o que nos faz continuar críticos dos “desvios, erros e superstições”, mas que nos deveria fazer, também, respeitosos e abertos a aprender com as antigas Igrejas não-reformadas, e a dizer que, nos quinze séculos anteriores à Reforma, a cada domingo que se celebrava a Ressurreição e se recitava os Credos, ali estava – com todas as suas limitações – a Igreja de Cristo e não a apostasia do anti-cristo. Os embates travados nesse continente com a Igreja Romana, e os longos períodos de perseguição e discriminação, tornou a comunidade protestante mais vulnerável a aderir à heresia da “apostasia geral da Igreja”, e hoje, afirmando as nossas convicções protestantes, repudiamos essa heresia e reafirmamos o pensamento dos nossos antepassados na fé.
Em segundo lugar quando substituímos a autoridade das Sagradas Escrituras pelo racionalismo, de um lado, ou pelas revelações particulares e pelas experiências, do outro lado. Sola Scriptura, é uma Bíblia crida, aberta e exposta, como Palavra de Deus, nada ensinando ou requerendo que seja crido que por ela não se possa provar, quando substituímos a Sola Gratia pela Lei e pelas Obras, nas exigências legalistas e moralistas dos usos e costumes, quando substituímos a Sola Fide como dom de Deus que recebe a Graça, por um “pensamento positivo” que impõe ao céu a sua saúde e a sua prosperidade.
Começamos a Reforma com seis ramos do Cristianismo e a terminamos com uma dúzia apenas, pois o denominacionalismo não havia ainda surgido, e nem o termo “denominação” era sequer conhecido ou usado, porque, nem está na Bíblia, nem está nas Confissões de Fé Reformadas; nem está nos escritos dos Reformadores, porque eles repudiavam como pecados contra o Espírito Santo, tanto as heresias, que atentam contra a verdade, quanto os cismas, que atentam contra a unidade.
A Bíblia foi traduzida para um número cada vez maior de idiomas, escolas, universidades, hospitais foram espaços concretos do amor de Cristo às nações, o analfabetismo foi reduzido, vidas foram transformadas, culturas foram impactadas, o trabalho foi valorizado, a família afirmada, bem como a dignidade de toda a pessoa humana, em um vigoroso empreendimento missionário que, apesar dos seus inúmeros equívocos, teve uma inegável dimensão civilizatória. A Reforma Protestante, em seu conjunto, tornou o mundo melhor.
Expansão missionária que, por meio de missionários estrangeiros e pioneiros nacionais chegou até ao Brasil, sob fortes restrições legais e discriminações sociais, que varou os sertões ao lombo de burro, levando luzes onde havia escuridão da alma, e que nós hoje somente estamos aqui na esteira do seu ministério sacrificial. E, nessa noite, é nosso dever expressar a nossa gratidão e honrar a sua memória.
A Reforma deixou de ser algo longínquo, na Europa, ou na América do Norte, para ser algo vivo e atual no Brasil. Graças a Deus, por isso!
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
- Textos publicados: 29 [ver]
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