Opinião
- 15 de maio de 2009
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Por que os heróis sempre fracassam?
Talvez, enxergando o avanço desse emburrecimento na vida dos crentes, Jesus tenha proposto a parábola do administrador infiel. Um homem flagrado em injustificável delito é peremptoriamente convidado a prestar contas para ser demitido. Sem poder contar com nenhuma clemência, sem recursos para dirimir o problema, desenvolve um hábil e pertinente plano para escapar do, até então, aparente beco sem saída. Renegocia as dívidas de seu patrão, oferecendo descontos especiais, talvez proporcionais às comissões que teria, e se cerca de amigos que depois de demitido certamente o ajudarão a se refazer. A conclusão da parábola é desprezada com frequência nos sermões que abordam o assunto: os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz (Lc 16.8). Melhor, os não-crentes são mais inteligentes que os crentes. Por quê? Porque, como aquele homem, não se escoram na fantasia de que Deus fará por eles. Se não têm com quem contar, pensam mais, criam mais, trabalham mais, suam mais. Vivem mais. E isso revolta Jesus a ponto de ele fazer essa denúncia sem pena nem dó.
Quando nos comportamos como heróis da fé, não apenas nossa alma é idiotizada; também perdemos o senso de repercussão dos nossos atos. Parece típico do comportamento dos melhores super-heróis guardar para o último instante o grande movimento, a grande vitória, o milagre.
O Super-homem só mostra seus poderes quando falta um segundo para a mocinha se espatifar no chão. O Batman só se acerta com Robin e suas parafernálias poderosas quando a água está para cobrir a cabeça. E o Popaye -- ele é o melhor -- só come espinafre quando o rolo compressor, conduzido pelo diabo do Brutus, está a um centímetro de esmagá-lo. Só então ele se ergue, sai do barril de concreto duro, dá um soco no rolo compressor com o Brutus junto e termina com um beijo magnífico na Olívia Palito.
É assim que vejo Sansão. Vive sempre com a ideia de que na última hora dá um jeito. Na última hora, o Espírito vem e é pancada para todo lado e tudo dá certo. Mentira. Na última hora a força não aparece e Sansão fracassa! Talvez o fracasso do herói seja a única forma de ele acordar da ficção para voltar à vida.
É assim que vejo também alguns religiosos hoje. Tocam a vida, adiam decisões, aceitam pecados, prorrogam acertos, escondem imoralidades e na igreja pedem milagres. É pecado e trágico, incredulidade e engano, viver na dependência de milagres. Quem vive esperando por milagres se torna um irresponsável, como Sansão. Sempre que vivo contando com um milagre torno-me não uma pessoa que vive pela fé, mas um leviano.
Para não nos tornarmos uma ficção a caminho da tragédia, precisamos viver como se Deus não fosse fazer milagre algum. E, provavelmente, a maioria dos milagres, se não todos, com os quais sonhamos não vão acontecer. Porque os milagres não são da nossa conta. Não são do nosso mundo. Não são da nossa vida. São da conta, do mundo e da vida de Deus. Se ele fizer é porque há alguma razão sempre muito maior que nossa individualidade envolvida, e não porque queira tornar a nossa vida mais fácil e privilegiada. Deus já aprendeu com os heróis que criou. Gente privilegiada, com uma biografia recheada de milagres, se desumaniza. Fracassa.
Quem sabe nesse nosso tempo evangélico de escândalos possamos acordar da ficção de heroísmo em que tornamos nossa vida? Quem sabe?
Há um outro detalhe que me chama a atenção nas duas histórias já referidas. Em ambas, Sansão se descuida com pequenos segredos por incontrolável intolerância. É um tédio insuportável a insistência das mulheres para que lhes revele suas verdades. O texto denuncia o que acontece na alma de Sansão.
Ela chorou durante o restante da semana da festa. Por fim, no sétimo dia, ele lhe contou, pois ela continuava a perturbá-lo. Ela, por sua vez, revelou o enigma ao seu povo. (Jz 14.17)
Importunando-o o tempo todo, ela o cansava dia após dia, ficando ele a ponto de morrer. Por isso ele lhe contou o segredo. (Jz 16.16-17)
Quando nos comportamos como heróis da fé, não apenas nossa alma é idiotizada; também perdemos o senso de repercussão dos nossos atos. Parece típico do comportamento dos melhores super-heróis guardar para o último instante o grande movimento, a grande vitória, o milagre.
O Super-homem só mostra seus poderes quando falta um segundo para a mocinha se espatifar no chão. O Batman só se acerta com Robin e suas parafernálias poderosas quando a água está para cobrir a cabeça. E o Popaye -- ele é o melhor -- só come espinafre quando o rolo compressor, conduzido pelo diabo do Brutus, está a um centímetro de esmagá-lo. Só então ele se ergue, sai do barril de concreto duro, dá um soco no rolo compressor com o Brutus junto e termina com um beijo magnífico na Olívia Palito.
É assim que vejo Sansão. Vive sempre com a ideia de que na última hora dá um jeito. Na última hora, o Espírito vem e é pancada para todo lado e tudo dá certo. Mentira. Na última hora a força não aparece e Sansão fracassa! Talvez o fracasso do herói seja a única forma de ele acordar da ficção para voltar à vida.
É assim que vejo também alguns religiosos hoje. Tocam a vida, adiam decisões, aceitam pecados, prorrogam acertos, escondem imoralidades e na igreja pedem milagres. É pecado e trágico, incredulidade e engano, viver na dependência de milagres. Quem vive esperando por milagres se torna um irresponsável, como Sansão. Sempre que vivo contando com um milagre torno-me não uma pessoa que vive pela fé, mas um leviano.
Para não nos tornarmos uma ficção a caminho da tragédia, precisamos viver como se Deus não fosse fazer milagre algum. E, provavelmente, a maioria dos milagres, se não todos, com os quais sonhamos não vão acontecer. Porque os milagres não são da nossa conta. Não são do nosso mundo. Não são da nossa vida. São da conta, do mundo e da vida de Deus. Se ele fizer é porque há alguma razão sempre muito maior que nossa individualidade envolvida, e não porque queira tornar a nossa vida mais fácil e privilegiada. Deus já aprendeu com os heróis que criou. Gente privilegiada, com uma biografia recheada de milagres, se desumaniza. Fracassa.
Quem sabe nesse nosso tempo evangélico de escândalos possamos acordar da ficção de heroísmo em que tornamos nossa vida? Quem sabe?
Há um outro detalhe que me chama a atenção nas duas histórias já referidas. Em ambas, Sansão se descuida com pequenos segredos por incontrolável intolerância. É um tédio insuportável a insistência das mulheres para que lhes revele suas verdades. O texto denuncia o que acontece na alma de Sansão.
Ela chorou durante o restante da semana da festa. Por fim, no sétimo dia, ele lhe contou, pois ela continuava a perturbá-lo. Ela, por sua vez, revelou o enigma ao seu povo. (Jz 14.17)
Importunando-o o tempo todo, ela o cansava dia após dia, ficando ele a ponto de morrer. Por isso ele lhe contou o segredo. (Jz 16.16-17)
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