Opinião
- 31 de agosto de 2015
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Por que o mundo precisa da fé cristã?
O Superman é uma figura mítica da “projeção hipostasiada” de um desejo humano de autotranscendência (Ludwig Feuerbach) e da fome de imortalização da vida. A “consciência finitizante” é, paradoxalmente, o que torna o humano, mesmo o mais desconfiado ou cético em relação aos sistemas religiosos, aberto à transcendência. Essa “fome de imortalidade”, como bem pontuou Miguel de Unamuno, revela, por trás de si, o “sentimento trágico da vida” (a certeza do caráter inescapável da morte), realidade que define uma concepção linear de tempo com início, meio e fim. A constituição biopsíquica do ser humano é frágil, o que justifica sua incapacidade de ter que lidar com essa realidade mensurada pela consciência que sabe (cognitivo) e, ao mesmo tempo, desconhece (psicológico) os efeitos dessa apreensão intuitivo-hermenêutica acerca do fenômeno da “insuficiência antropológica” (Leszek Kolakowski). Sigmund Freud, talvez influenciado pelo pensamento de Dostoievski, compreendia a morte como destino da vida. Logo, no ser humano é natural desenvolver um “instinto de morte para morte” (Paul Tillich).
A consciência finitizante é parte da estrutura cognitiva do ser humano que tende a interpretar sua história com perguntas inquietantes que nem sempre podem ter respostas definitivas. O “caráter indefinitivo” das coisas que se constroem no processo existencial, com limites cronológicos apequenantes, talvez tenha legado esse desapego dos indivíduos (sobretudo na contemporaneidade) com o futuro. Segundo Bauman, deixar de pensar a morte (futuro) se tornou um marco cultural na história recente da sociedade biotecnologicamente organizada. A fixação do indivíduo (na neomodernidade) com o “agora” pode ter se tornado o “tema obsessional” mais relevante em um contexto existencial que se esvaziou da esperança. Nele, o futuro foi definitivamente sepultado com o “eclipse do sagrado” (Martin Buber). Nietzsche valorizou o “presente vivido” para tentar, quiçá, legitimar a crença dos limites compreensivos que essa condição ontológica finitizante impõe a cada indivíduo. “Olhar para frente”, sem saber o que se pode encontrar lá, é um dilema existencial que pode levar o ser humano a querer formular uma nova epistemologia da bio-história.
Se não dá para alterar essa condição definitiva de “insuperabilidade do Dasein”, então se pode tentar modificar a sensação que se tem dela (consciência da mortalidade). Bauman sugere que o ser humano, da atual “sociedade antiescatológica”, perdeu o interesse pela realidade pós-morte, pois tem a sua atenção voltada para a agenda do cotidiano (presente), o que o leva a usufruir os benefícios oriundos da revolução tecnocientífica para alterar sua “autopercepção de vida” na história. Contudo, uma vez que ele perde as “razões transcendentes” para significar a história, a ética do Bem pode facilmente se transformar em “hedonização moral” do sentido da vida (Baruch Spinoza). O princípio hedônico de existência biopsíquica figura-se, porém, como um modo operante “autocentrado” do indivíduo, o que justifica a inserção antropológica de uma disposição egocêntrica pandestrutiva atrás daquilo que Paulo, o apóstolo, chamou de epithymia (cobiça).
A neomodernidade social deve ser compreendida como uma condição social na qual se legitima toda e qualquer manifestação do “élans (ímpeto) transgressivo” como modo de resgatar o “ego-primitivo” que foi destituído da vontade civilizada. Isso é um modo de adaptação conceitual da “racionalidade transgressora” usado para descrever o que em termos religiosos é chamado de “cobiça”. Cobiçar é transgredir os limites civilizados da ordem social criados pela “razão submissa”. Não seria difícil inferir que por trás dessa “racionalidade transgressora” exista um flagrante problema a ser descoberto: ela leva o ser humano a um inevitável quadro existencial de “compulsidade alienante”. Quanto mais cativo de si mesmo, pelo uso desregrado da “vontade transgressora”, menos noção de limites éticos para a segurança coletiva o indivíduo vai desenvolver. A epithymia é uma lógica de interação que subverte qualquer ordem moral para instituir o domínio operacional do “capital libidinoso”.
A cultura moral da razão transgressora desenvolve sua própria “economia libidinal”. O comportamento narcísico, para Christopher Lasch, condiciona o olhar dos indivíduos a não enxergar outra necessidade além das suas. Assim, o narcísico é aquele que se tornou “afetivamente impotente” para cultivar e manter relações (sociais) sadias (um traço esquizotípico). Esse autorreferencialismo psicológico do ego se torna, pois, uma das principais criações culturais da racionalidade transgressora. O comportamento compulsivo se despatologiza quando, na “vontade geral”, se constata essa mesma disposição preponderando (patologia da normalidade), o que torna a natureza moral do “ego transgressivo” um valor cultural por excelência, e o capital libidinoso um modo engenhoso de transformá-la em “sentido moral” para a existência dos indivíduos.
Quando isso acontece, se tem, então, o protótipo de “conglomerado de egos” sobrevivendo egoisticamente em uma “sociedade sem oposição” (Herbert Marcuse) ou uma “sociedade individualizada” (Zygmunt Bauman). Ao viver sem limites, para alimentar o apetite descontrolado do ego primitivo, a preocupação com a outro perde sua relevância cultural. Nesse caso, o capital libidinoso se desloca da “margem” para o “centro” da atenção dos indivíduos. Este modo operante de funcionar do ego narcísico sobrevive do desejo anômico (epithymia), e não do afeto (agathosýne). A consequência inevitável dessa engenharia cultural, forjada pela racionalidade transgressora, é somente uma: a epifania do “declínio autoritativo da bondade” no espaço social, quando não, sua extinção da moralidade convencional. Desta forma, a bondade humana se torna um contra valor, sem nenhum atrativo social. Os gritos que são dados do recinto do “pathos” nunca são ouvidos pelos que se escondem nas cavernas do “Eros”. “Por que o mundo precisa da fé cristã?”, pergunto, agora, para finalizar o argumento central dessa reflexão.
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