Opinião
- 31 de agosto de 2015
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Por que o mundo precisa da fé cristã?
Ora, o Superman era mais do que um salvador presente no cotidiano dos indivíduos em situação de risco (real): ele era compreendido como o único recurso existente que dava amparo ontológico a uma esperança sucateada pela alta mobilidade do medo socialmente compartilhado, algo que permeava o mundo de então e no qual se descortinava a precarização das garantias individuais para uma sobrevivência digna dos cidadãos.
Entretanto, o que se contatava na conjuntura de fundo da estória heróica era a vigência de uma “racionalidade ponérica” que ofuscava todo sentimento de “confiança” (na acepção conceitual luhmanniana). O poder letal, presente nos riscos reais de aniquilação da vida humana e manifesto em cada fresta da vida cotidiana, aumenta, significativamente, os indicadores objetivos de uma “ansiedade coletiva” de natureza apocalíptica, e da decorrente possibilidade legítima de um pânico global. Afinal, a presença ubíqua de uma racionalidade poneropática criava a suspeita de que a vida humana estava sob condição de “xeque-quase-mate”. “Onde está o Superman? E por que ele nos abandonou?” Essa dúvida validava as crenças matriciais anteriores. Vale lembrar que ele representava a versão contemporânea do “deus mortal” (numa tonalidade neohobbesiana), com a missão de servir de escudo à vida humana. Desse modo, ele era entendido como um ente “totalmente próximo” (Edward Schillebeeckx) daqueles que viviam à sombra do pathos humano.
Por isso, conceber a vida humana, sem esse símbolo cultural de “segurança ontológica” (Anthony Giddens), seria, tanto para Lois Lane quanto para seus contemporâneos, uma experiência existencial inaceitável. Ademais, a ausência do Superman causaria um “vácuo moral” que poderia ensejar a “relativização ética do Bem” (à moda kantiana). Sem ele, o mundo perderia, do seu horizonte axiológico, a possibilidade de reproduzir “gestos morais” de grandeza humanitária e de compromisso com as biografias fragilizadas. Sem o modelo epopéico daquele que vive para socorrer o outro, a sociedade, como um todo, empobreceria o sentido moral das lógicas de interação compartilhadas entre os individuais em sua condição de “desamparabilidade ontológica”. No final do filme, como era de se esperar, a jornalista investigativa do Planeta Diário admite: “O mundo precisa do Superman”.
Essa estória serve de análise comparativa para transposição de outra leitura da realidade de vida-mundo na neomodernidade. A propósito, num mundo em que o “fim da religião”3 tem se tornado, cada vez mais, tema relevante de debates, reflexões acadêmicas, programas televisivos, temas de seriados e filmes, etc, resta saber o que sobrou de transcendente nele, com potencial terapêutico, para reorizontalizar a perspectiva de interpretação da história da sociedade (ocidental) a fim de suprimir o medo ontológico constitutivo. Traços de convergências e dessemelhanças podem ser deduzidos desse comparativo. Afinal, quem faz uma leitura do “espírito desse tempo” (“Zeitgeist”) neomoderno chega à conclusão de que o problema comum aos dois cenários analisados aqui é de natureza messiológica: em ambos, o ser humano parece estar à procura de um modo ou de alguém para reescrever uma história de aparente “irreversibilidade” contingencial.
Ainda hoje se constata que parte do esforço cognitivo empreendido para melhorar a vida humana, inserida na sociedade biotecnologicamente organizada, carrega, em si, essa disposição psicológica de querer realçar perspectivas hermenêuticas de supressão de uma panfobia que representa uma ameaça potencial à própria existência humana no mundo. Mesmo sendo necessário esse esforço, tal engenharia de conhecimento parece fazer vista grossa, muitas vezes, ao fato que a própria natureza do Dasein (para Martin Heidegger significa o “ser-aí-para-a-morte”) descortina uma estrutura ontológica na qual um processo de contingenciamento da vida humana revela um fato ontologicamente inegável: a “ameaça do não-ser” é uma condição insuperável de existir-aí, e isso é uma conclusão que não se pode alterar. Isso significa dizer que a “angústia” será sempre uma parte constitutiva da “psicologia da existência humana” que se processa na história com senso de direção tanatodefinidor, o que implica assumir essa dimensão fundante da “consciência finitizante” (Søren Kiergaard).
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