Opinião
- 10 de novembro de 2021
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Por que conservar a natureza?
Por Ruth Bancewicz
Quando nos deparamos com questões como as de mudanças climáticas, perda de habitat, aumento da população global e as consequentes demandas por gestão de recursos e resíduos, a questão não é apenas como reagir, mas porquê. Em sua palestra no curso de verão do Faraday, a doutora em estudos bíblicos Hilary Marlow descreveu três maneiras pelas quais as pessoas respondem à pergunta “Por que cuidar da Terra?”.
A primeira razão pela qual valeria a pena cuidar do mundo está centrada no valor dos organismos vivos em si. O biólogo E. O. Wilson chama isso de “biofilia”, e escreve que esta é “a ligação emocional inata dos seres humanos a outros organismos vivos. ‘Inato’ significa hereditário e, portanto, parte da essência da natureza humana”. Para ele, “a tendência biofílica [...] parece fazer parte dos programas do cérebro”. Ele sugere que criemos um novo raciocínio moral baseado nessas motivações – perguntando não apenas por que gostamos de proteger a vida, mas construindo uma “ética de conservação profunda”.
Infelizmente, disse Marlow, não há dados para apoiar essa visão – é apenas um palpite de que o amor pela natureza está de algum modo em nossos genes. Mas algumas pessoas não amam a natureza, ou até mesmo têm medo dela. A maioria de nós sente um medo automático de cobras, por exemplo. Wilson também não conseguiu explicar por que uma tendência inata – se ela existe – deve se tornar a base do raciocínio moral. [Por exemplo, eu gosto de bolo, mas isso não significa que ele é bom para mim...]
A segunda maneira de justificar a conservação da natureza selvagem é ver como ela é útil para os seres humanos. A “avaliação de serviços de ecossistemas” é agora um campo de estudo reconhecido, analisando – de acordo com o órgão do governo britânico Defra (Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais) – “uma vasta gama de benefícios valiosos que um ambiente natural saudável proporciona às pessoas, direta ou indiretamente”. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2005) e a Economia de Ecossistemas e Biodiversidade (2009) criaram categorias de benefícios, incluindo os culturais e espirituais, reconhecendo os compromissos entre categorias concorrentes, como a produção de alimentos e os “serviços reguladores do clima” (que incluem as florestas tropicais).
Mas será que a ideia de serviços ecossistêmicos realmente funciona? Esta forma de ver o mundo pode ser abusiva – é a postura do “o que eu ganho com isso?” – e também muito difícil de mensurar. Como você pode medir o valor do sol, ou do vento? Se as espécies não tiverem nenhum benefício conhecido para a humanidade, devemos deixar que sejam extintas? Como colocar um preço na beleza ou em uma experiência religiosa? Há também uma preocupação de que este sistema pode ser vulnerável à corrupção e a fraudes contábeis, sendo usado para servir a ganância corporativa ou a fins políticos. Esta forma de contabilizar a natureza pode ser um servo útil às vezes, mas também um mestre muito frágil.
Por fim, Hilary apresentou sua própria visão, que é centrada em Deus, ou teocêntrica. Como um comentarista disse, “Eu costumava pensar que os principais problemas ambientais globais eram a perda de biodiversidade, o colapso do ecossistema e a mudança climática. Pensei que com trinta anos de boa ciência poderíamos resolver estes problemas, mas eu estava errado. Os principais problemas ambientais são o egoísmo, a ganância e a apatia, e para lidar com eles precisamos de uma transformação espiritual e cultural. E nós, cientistas, não sabemos como fazer isso”. (Gus Speth, 2013)
Se 87% do mundo professa fé religiosa, incluindo cerca de 40% de cristãos, então talvez valha a pena ouvir aqui a voz da teologia. No seu livro Keeping God’s Earth, David Gushee escreveu: “Na perspectiva teocêntrica, todo o valor criativo é valor derivado, na medida em que o Deus Criador é aquele que, com autoridade, declara e demonstra o valor de todas as coisas que ele fez. Só após esclarecermos isto é que podemos nos aventurar a dizer que uma entidade tem valor intrínseco”.
Numa visão centrada em Deus, a natureza tem valor porque o Criador declarou e demonstrou o seu valor. Este panorama do mundo é relacional – entre Deus, a humanidade e o resto da criação. Uma visão relacional conecta-se com a compreensão ecológica atual, com sua teia de vida e relação entre causa e efeito na natureza. Além disso, a história da Bíblia é sobre Deus e o mundo todo, não apenas sobre Deus e as pessoas. Há uma ocasião aqui para corrigir uma visão que é comum em algumas igrejas, que foca apenas no relacionamento de Deus com as pessoas e não em toda a criação louvando a Deus.
No Antigo Testamento, temos de reconhecer que a natureza não foi vista apenas como um recurso a ser utilizado, mas também como uma ameaça contra a qual se proteger – temos de ser honestos sobre o que o texto diz. Mas a visão bíblica da criação não é apenas sobre o que podemos obter dela. Havia leis para preservar a fertilidade da terra e prover aos animais selvagens. Alguns aspectos do mundo natural – como as aves migratórias que apenas prosseguem com o trabalho – são tomados como um exemplo a seguir. Acima de tudo, a biodiversidade, as diferentes espécies e habitats são celebrados com frequência e muito alegremente. A criação, ou natureza, tem valor como um todo porque é criada e sustentada por Deus para um propósito, que é louvá-lo e refletir seu caráter.
No Novo Testamento, o nascimento, a vida e a morte de Jesus, todos envolvem sinais na criação – estrelas, parábolas da natureza e milagres, um eclipse e um terremoto. Os escritores do Novo Testamento são claros que toda a criação está incluída nos propósitos de Deus para salvar e restaurar o mundo, não apenas as pessoas, e que toda a criação anseia por esse acontecimento.
Hilary prosseguiu destacando como podemos responder eticamente às questões ecológicas, mas o cerne da questão é de onde obtemos nossa ética. Para os cristãos, como escreveu o poeta Wendell Berry, “para vivermos, temos que partir o corpo e derramar o sangue da criação diariamente. Quando o fazemos de forma consciente, com amor, destreza e reverência, é um sacramento. Quando o fazemos de forma ignorante, gananciosa, desastrada e destrutiva, é uma profanação. Em tal profanação condenamos nós mesmos à solidão moral espiritual e outros à carência”.
• Ruth Bancewicz é uma associada de pesquisa sênior do Faraday Institute for Science and Religion, onde ela trabalha na interação positiva entre ciência e fé. Depois de estudar genética na Universidade Aberdeen, ela completou um PhD na Universidade de Edimburgo. Passou dois anos como pesquisadora de pós-doutorado em tempo parcial no Wellcome Trust Centre for Cell Biology da Universidade de Edimburgo, enquanto também trabalhou como responsável pelo escritório de desenvolvimento da Christians in Science. Ruth chegou ao Faraday Institute em 2006, e atualmente é uma curadora da Christians in Science.
Publicado originalmente no site cristaosnaciencia.org.br.
Quando nos deparamos com questões como as de mudanças climáticas, perda de habitat, aumento da população global e as consequentes demandas por gestão de recursos e resíduos, a questão não é apenas como reagir, mas porquê. Em sua palestra no curso de verão do Faraday, a doutora em estudos bíblicos Hilary Marlow descreveu três maneiras pelas quais as pessoas respondem à pergunta “Por que cuidar da Terra?”.
A primeira razão pela qual valeria a pena cuidar do mundo está centrada no valor dos organismos vivos em si. O biólogo E. O. Wilson chama isso de “biofilia”, e escreve que esta é “a ligação emocional inata dos seres humanos a outros organismos vivos. ‘Inato’ significa hereditário e, portanto, parte da essência da natureza humana”. Para ele, “a tendência biofílica [...] parece fazer parte dos programas do cérebro”. Ele sugere que criemos um novo raciocínio moral baseado nessas motivações – perguntando não apenas por que gostamos de proteger a vida, mas construindo uma “ética de conservação profunda”.
Infelizmente, disse Marlow, não há dados para apoiar essa visão – é apenas um palpite de que o amor pela natureza está de algum modo em nossos genes. Mas algumas pessoas não amam a natureza, ou até mesmo têm medo dela. A maioria de nós sente um medo automático de cobras, por exemplo. Wilson também não conseguiu explicar por que uma tendência inata – se ela existe – deve se tornar a base do raciocínio moral. [Por exemplo, eu gosto de bolo, mas isso não significa que ele é bom para mim...]
A segunda maneira de justificar a conservação da natureza selvagem é ver como ela é útil para os seres humanos. A “avaliação de serviços de ecossistemas” é agora um campo de estudo reconhecido, analisando – de acordo com o órgão do governo britânico Defra (Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais) – “uma vasta gama de benefícios valiosos que um ambiente natural saudável proporciona às pessoas, direta ou indiretamente”. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2005) e a Economia de Ecossistemas e Biodiversidade (2009) criaram categorias de benefícios, incluindo os culturais e espirituais, reconhecendo os compromissos entre categorias concorrentes, como a produção de alimentos e os “serviços reguladores do clima” (que incluem as florestas tropicais).
Mas será que a ideia de serviços ecossistêmicos realmente funciona? Esta forma de ver o mundo pode ser abusiva – é a postura do “o que eu ganho com isso?” – e também muito difícil de mensurar. Como você pode medir o valor do sol, ou do vento? Se as espécies não tiverem nenhum benefício conhecido para a humanidade, devemos deixar que sejam extintas? Como colocar um preço na beleza ou em uma experiência religiosa? Há também uma preocupação de que este sistema pode ser vulnerável à corrupção e a fraudes contábeis, sendo usado para servir a ganância corporativa ou a fins políticos. Esta forma de contabilizar a natureza pode ser um servo útil às vezes, mas também um mestre muito frágil.
Por fim, Hilary apresentou sua própria visão, que é centrada em Deus, ou teocêntrica. Como um comentarista disse, “Eu costumava pensar que os principais problemas ambientais globais eram a perda de biodiversidade, o colapso do ecossistema e a mudança climática. Pensei que com trinta anos de boa ciência poderíamos resolver estes problemas, mas eu estava errado. Os principais problemas ambientais são o egoísmo, a ganância e a apatia, e para lidar com eles precisamos de uma transformação espiritual e cultural. E nós, cientistas, não sabemos como fazer isso”. (Gus Speth, 2013)
Se 87% do mundo professa fé religiosa, incluindo cerca de 40% de cristãos, então talvez valha a pena ouvir aqui a voz da teologia. No seu livro Keeping God’s Earth, David Gushee escreveu: “Na perspectiva teocêntrica, todo o valor criativo é valor derivado, na medida em que o Deus Criador é aquele que, com autoridade, declara e demonstra o valor de todas as coisas que ele fez. Só após esclarecermos isto é que podemos nos aventurar a dizer que uma entidade tem valor intrínseco”.
Numa visão centrada em Deus, a natureza tem valor porque o Criador declarou e demonstrou o seu valor. Este panorama do mundo é relacional – entre Deus, a humanidade e o resto da criação. Uma visão relacional conecta-se com a compreensão ecológica atual, com sua teia de vida e relação entre causa e efeito na natureza. Além disso, a história da Bíblia é sobre Deus e o mundo todo, não apenas sobre Deus e as pessoas. Há uma ocasião aqui para corrigir uma visão que é comum em algumas igrejas, que foca apenas no relacionamento de Deus com as pessoas e não em toda a criação louvando a Deus.
No Antigo Testamento, temos de reconhecer que a natureza não foi vista apenas como um recurso a ser utilizado, mas também como uma ameaça contra a qual se proteger – temos de ser honestos sobre o que o texto diz. Mas a visão bíblica da criação não é apenas sobre o que podemos obter dela. Havia leis para preservar a fertilidade da terra e prover aos animais selvagens. Alguns aspectos do mundo natural – como as aves migratórias que apenas prosseguem com o trabalho – são tomados como um exemplo a seguir. Acima de tudo, a biodiversidade, as diferentes espécies e habitats são celebrados com frequência e muito alegremente. A criação, ou natureza, tem valor como um todo porque é criada e sustentada por Deus para um propósito, que é louvá-lo e refletir seu caráter.
No Novo Testamento, o nascimento, a vida e a morte de Jesus, todos envolvem sinais na criação – estrelas, parábolas da natureza e milagres, um eclipse e um terremoto. Os escritores do Novo Testamento são claros que toda a criação está incluída nos propósitos de Deus para salvar e restaurar o mundo, não apenas as pessoas, e que toda a criação anseia por esse acontecimento.
Hilary prosseguiu destacando como podemos responder eticamente às questões ecológicas, mas o cerne da questão é de onde obtemos nossa ética. Para os cristãos, como escreveu o poeta Wendell Berry, “para vivermos, temos que partir o corpo e derramar o sangue da criação diariamente. Quando o fazemos de forma consciente, com amor, destreza e reverência, é um sacramento. Quando o fazemos de forma ignorante, gananciosa, desastrada e destrutiva, é uma profanação. Em tal profanação condenamos nós mesmos à solidão moral espiritual e outros à carência”.
• Ruth Bancewicz é uma associada de pesquisa sênior do Faraday Institute for Science and Religion, onde ela trabalha na interação positiva entre ciência e fé. Depois de estudar genética na Universidade Aberdeen, ela completou um PhD na Universidade de Edimburgo. Passou dois anos como pesquisadora de pós-doutorado em tempo parcial no Wellcome Trust Centre for Cell Biology da Universidade de Edimburgo, enquanto também trabalhou como responsável pelo escritório de desenvolvimento da Christians in Science. Ruth chegou ao Faraday Institute em 2006, e atualmente é uma curadora da Christians in Science.
Publicado originalmente no site cristaosnaciencia.org.br.
Leia mais:
» A ciência como instrumento de louvor e adoração
» A ciência como instrumento de louvor e adoração
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