Opinião
- 10 de agosto de 2017
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Por que a Lava-Jato não vai acabar com a corrupção
Por Henrique Ziller
O debate acerca da corrupção não encontra espaço adequado no universo teológico. No entanto, há pelo menos três aspectos fundamentais para análise e enfrentamento do fenômeno cuja formulação é essencialmente teológica, a partir dos quais a reflexão poderia ser enriquecida.
Aspectos teológicos da corrupção
A primeira questão diz respeito ao mal, e sua relação com o exercício do poder:
“Ai daqueles que nas suas camas intentam a iniquidade, e maquinam o mal; à luz da alva o praticam, porque está no poder da sua mão! E cobiçam campos, e roubam-nos, cobiçam casas, e arrebatam-nas; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança.” (Miquéias 2:1,2)
As pessoas praticam o mal simplesmente porque podem fazê-lo. A prática do mal por aqueles que ocupam posições de poder (político, em particular) gera graves consequências, dada a amplitude e o alcance de suas ações. A arena política é o espaço para a realização do bem de forma coletiva – amar o próximo nessa perspectiva – ou para perpetrar o mal a toda a coletividade.
Há atores políticos que jamais conseguiriam consumir todo o dinheiro que desviaram – ainda assim, parece que continuam incessantemente maquinando o mal em seus leitos, e praticando-os à luz da alva, pelo simples fato de que podem fazê-lo! O antídoto natural à prática do desvio do recurso público é o segundo aspecto:
“E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar.
E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mateus 22:34-40)
Quem ama ao próximo como a si mesmo não desvia dinheiro público, pois o recurso pertence também ao outro, ao próximo. Todavia, se o amor ao próximo não existe – ou está presente somente em relação aos muito próximos, inexiste, como consequência, o mecanismo que evitaria o benefício privado dos recursos públicos. E assim, pelo simples fato de que podem fazê-lo, os ocupantes de cargos de poder se valem de recursos que não são seus.
Como evitar ou impor limites à corrupção?
Como, então, impor limites aos governantes de forma que sejam impedidos de praticar à luz da alva o mal maquinado em seus leitos? Tendo em vista os dois preceitos acima, o ideal seria que gestores públicos tivessem a identificação inequívoca com o discurso de Jesus. Como essa não é a regra, trata-se, na verdade, de impor barreiras ao gestor público, de forma que suas ações fiquem condicionadas ao atendimento do interesse público em todas as áreas de atuação.
Um equívoco recorrente no País é a noção de que problemas desta natureza são resolvidos pela edição de normas de conduta, tanto na perspectiva dos procedimentos administrativos como da ética do servidor público. A profusão de normas e de jurisprudência no País cria um arcabouço legal quase impossível de ser seguido à risca. Esse ambiente de regulação excessiva não colabora para a diminuição das irregularidades. Portanto, não é essa a via preferencial para a solução do problema. Ao contrário, seria necessário repensar todo esse ambiente normativo que orienta a ação e a conduta do administrador público.
Outro equívoco é a ideia de que a punição dos corruptos, por si só, vai necessariamente depurar as ações dos gestores públicos. Conquanto seja louvável o esforço do Ministério Público, da Polícia e do Poder Judiciário – bem sucedido, por sinal – que vem sendo realizado no País, relativamente à instauração de processos e condenação de agentes políticos e empresários envolvidos com a corrupção no País, verifica-se com exemplos dramáticos que mesmo em meio a esse contexto alguns personagens na cena pública brasileira continuam com as mesmas práticas. Não vou aprofundar a análise dessa questão, mas muitos cientistas políticos e acadêmicos de outras áreas de conhecimento avaliam que sem a mudança do modelo político tais práticas dificilmente deixarão de ocorrer.
Outros problemas poderiam ainda ser identificados, mas deixemos essa análise restrita a estes dois equívocos e passemos a analisar algumas saídas necessárias para o problema. Além da sempre mencionada e nunca realizada reforma política, parece necessário que se reinvente o modelo de controle das contas públicas no Estado Brasileiro.
Transparência, controle social e a operação Lava-Jato
A Operação Lava-Jato é, entre tantas outras qualidades, uma poderosa denúncia contra os órgãos de controle, visto que não foram capazes de identificar o esquema existente na Petrobrás, a despeito dos inúmeros trabalhos de auditoria realizados ao longo de tantos anos. Quanto a isso, sem também que se aprofunde na análise do tema, um bom caminho seria a concentração de esforços na melhoria dos chamados controles primários , mediante a implementação de técnicas como a gestão de risco , e o deslocamento do momento de controle para a realização de ações essencialmente preventivas.
Outro caminho necessário a ser trilhado é a contínua profissionalização e qualificação dos servidores públicos, ao lado de uma necessária diminuição dos cargos de livre provimento . Mais uma vez, é necessário ressaltar que esses temas são tratados aqui sem maior reflexão, ainda que sua discussão deva ser aprofundada.
O caminho que se apresenta como mais promissor, todavia, é representado pelo binômio “Transparência x Controle Social”. Dentre muitas iniciativas e ações que podem contribuir para o combate à corrupção, jogar luz sobre todos os atos da gestão pública – em particular a execução orçamentária – e fomentar a efetiva participação social na fiscalização desses atos, parecem ser a melhor alternativa de enfrentamento do problema. Tratemos aqui da temática da transparência - o terceiro aspecto a ser comentado.
Foi o reverendo Caio Fábio que, no âmbito do impeachment do Presidente Collor de Mello, alertou-nos que os tronos precisam ser como aquele descrito em Apocalipse :
“E logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra jaspe e sardônica; e o arco celeste estava ao redor do trono, e parecia semelhante à esmeralda (...)
E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás.” (Apocalipse 4:2-6)
Segundo Caio, o trono deveria ser “transparente como o cristal”. A relação é direta: se o ocupante do cargo público pratica o mal somente porque pode fazê-lo, a transparência de suas ações, simbolizado pelo mar de vidro sobre o qual deve ser colocado seu trono, poderá servir de contenção dado que suas ações seriam vistas por todos.
Transparência é conceito em moda no âmbito público, particularmente com a edição da Lei de Acesso à Informação , que mudou o entendimento que prevalecia até então quanto ao acesso à informação produzida ou custodiada pelos órgãos públicos, definindo que o sigilo passava a ser a exceção e a publicidade a regra. A grande novidade foi a publicação de salários dos servidores públicos, seguida pela publicação das receitas e das despesas públicas, em níveis cada vez maiores de detalhamento .
Tronos existem, e devem estar sempre sujeitos ao escrutínio daqueles que os criam e sustentam, por meio da promoção da transparência, em todas as esferas nas quais existem – inclusive eclesiásticas.
• Henrique Moraes Ziller é Controlador-Geral do Distrito Federal. Mestre em Administração Pública pela Universidade de Brasília, foi auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e assessor parlamentar na Câmara Legislativa do Distrito Federal e na Câmara Federal.
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Política, cultura e ética no Brasil: um problema histórico
Eu quero falar sobre política... indignado!
País apodrecido, igreja insípida
O debate acerca da corrupção não encontra espaço adequado no universo teológico. No entanto, há pelo menos três aspectos fundamentais para análise e enfrentamento do fenômeno cuja formulação é essencialmente teológica, a partir dos quais a reflexão poderia ser enriquecida.
Aspectos teológicos da corrupção
A primeira questão diz respeito ao mal, e sua relação com o exercício do poder:
“Ai daqueles que nas suas camas intentam a iniquidade, e maquinam o mal; à luz da alva o praticam, porque está no poder da sua mão! E cobiçam campos, e roubam-nos, cobiçam casas, e arrebatam-nas; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança.” (Miquéias 2:1,2)
As pessoas praticam o mal simplesmente porque podem fazê-lo. A prática do mal por aqueles que ocupam posições de poder (político, em particular) gera graves consequências, dada a amplitude e o alcance de suas ações. A arena política é o espaço para a realização do bem de forma coletiva – amar o próximo nessa perspectiva – ou para perpetrar o mal a toda a coletividade.
Há atores políticos que jamais conseguiriam consumir todo o dinheiro que desviaram – ainda assim, parece que continuam incessantemente maquinando o mal em seus leitos, e praticando-os à luz da alva, pelo simples fato de que podem fazê-lo! O antídoto natural à prática do desvio do recurso público é o segundo aspecto:
“E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar.
E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mateus 22:34-40)
Quem ama ao próximo como a si mesmo não desvia dinheiro público, pois o recurso pertence também ao outro, ao próximo. Todavia, se o amor ao próximo não existe – ou está presente somente em relação aos muito próximos, inexiste, como consequência, o mecanismo que evitaria o benefício privado dos recursos públicos. E assim, pelo simples fato de que podem fazê-lo, os ocupantes de cargos de poder se valem de recursos que não são seus.
Como evitar ou impor limites à corrupção?
Como, então, impor limites aos governantes de forma que sejam impedidos de praticar à luz da alva o mal maquinado em seus leitos? Tendo em vista os dois preceitos acima, o ideal seria que gestores públicos tivessem a identificação inequívoca com o discurso de Jesus. Como essa não é a regra, trata-se, na verdade, de impor barreiras ao gestor público, de forma que suas ações fiquem condicionadas ao atendimento do interesse público em todas as áreas de atuação.
Um equívoco recorrente no País é a noção de que problemas desta natureza são resolvidos pela edição de normas de conduta, tanto na perspectiva dos procedimentos administrativos como da ética do servidor público. A profusão de normas e de jurisprudência no País cria um arcabouço legal quase impossível de ser seguido à risca. Esse ambiente de regulação excessiva não colabora para a diminuição das irregularidades. Portanto, não é essa a via preferencial para a solução do problema. Ao contrário, seria necessário repensar todo esse ambiente normativo que orienta a ação e a conduta do administrador público.
Outro equívoco é a ideia de que a punição dos corruptos, por si só, vai necessariamente depurar as ações dos gestores públicos. Conquanto seja louvável o esforço do Ministério Público, da Polícia e do Poder Judiciário – bem sucedido, por sinal – que vem sendo realizado no País, relativamente à instauração de processos e condenação de agentes políticos e empresários envolvidos com a corrupção no País, verifica-se com exemplos dramáticos que mesmo em meio a esse contexto alguns personagens na cena pública brasileira continuam com as mesmas práticas. Não vou aprofundar a análise dessa questão, mas muitos cientistas políticos e acadêmicos de outras áreas de conhecimento avaliam que sem a mudança do modelo político tais práticas dificilmente deixarão de ocorrer.
Outros problemas poderiam ainda ser identificados, mas deixemos essa análise restrita a estes dois equívocos e passemos a analisar algumas saídas necessárias para o problema. Além da sempre mencionada e nunca realizada reforma política, parece necessário que se reinvente o modelo de controle das contas públicas no Estado Brasileiro.
Transparência, controle social e a operação Lava-Jato
A Operação Lava-Jato é, entre tantas outras qualidades, uma poderosa denúncia contra os órgãos de controle, visto que não foram capazes de identificar o esquema existente na Petrobrás, a despeito dos inúmeros trabalhos de auditoria realizados ao longo de tantos anos. Quanto a isso, sem também que se aprofunde na análise do tema, um bom caminho seria a concentração de esforços na melhoria dos chamados controles primários , mediante a implementação de técnicas como a gestão de risco , e o deslocamento do momento de controle para a realização de ações essencialmente preventivas.
Outro caminho necessário a ser trilhado é a contínua profissionalização e qualificação dos servidores públicos, ao lado de uma necessária diminuição dos cargos de livre provimento . Mais uma vez, é necessário ressaltar que esses temas são tratados aqui sem maior reflexão, ainda que sua discussão deva ser aprofundada.
O caminho que se apresenta como mais promissor, todavia, é representado pelo binômio “Transparência x Controle Social”. Dentre muitas iniciativas e ações que podem contribuir para o combate à corrupção, jogar luz sobre todos os atos da gestão pública – em particular a execução orçamentária – e fomentar a efetiva participação social na fiscalização desses atos, parecem ser a melhor alternativa de enfrentamento do problema. Tratemos aqui da temática da transparência - o terceiro aspecto a ser comentado.
Foi o reverendo Caio Fábio que, no âmbito do impeachment do Presidente Collor de Mello, alertou-nos que os tronos precisam ser como aquele descrito em Apocalipse :
“E logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra jaspe e sardônica; e o arco celeste estava ao redor do trono, e parecia semelhante à esmeralda (...)
E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás.” (Apocalipse 4:2-6)
Segundo Caio, o trono deveria ser “transparente como o cristal”. A relação é direta: se o ocupante do cargo público pratica o mal somente porque pode fazê-lo, a transparência de suas ações, simbolizado pelo mar de vidro sobre o qual deve ser colocado seu trono, poderá servir de contenção dado que suas ações seriam vistas por todos.
Transparência é conceito em moda no âmbito público, particularmente com a edição da Lei de Acesso à Informação , que mudou o entendimento que prevalecia até então quanto ao acesso à informação produzida ou custodiada pelos órgãos públicos, definindo que o sigilo passava a ser a exceção e a publicidade a regra. A grande novidade foi a publicação de salários dos servidores públicos, seguida pela publicação das receitas e das despesas públicas, em níveis cada vez maiores de detalhamento .
Tronos existem, e devem estar sempre sujeitos ao escrutínio daqueles que os criam e sustentam, por meio da promoção da transparência, em todas as esferas nas quais existem – inclusive eclesiásticas.
• Henrique Moraes Ziller é Controlador-Geral do Distrito Federal. Mestre em Administração Pública pela Universidade de Brasília, foi auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e assessor parlamentar na Câmara Legislativa do Distrito Federal e na Câmara Federal.
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