Opinião
- 19 de junho de 2023
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Por que a beleza importa para a teologia e para a vida?
Por Erica Neves
Eu tinha 21 anos e estava há três meses longe de casa. Aquela foi a primeira vez que coloquei os pés fora do Brasil e começava a sentir que o passo havia sido largo demais: eu estava na Noruega e teria de esperar mais nove meses antes de finalmente voltar para casa. Àquela altura, a empolgação com a novidade de um país estrangeiro começava a desvanecer, enquanto a saudade de casa começava a apertar. Ademais, o sentimento de inadequação também deu o ar da graça, e minha total ignorância quanto à língua, costumes e clima daquele país me diziam que talvez eu estivesse no lugar errado.
Era o meu primeiro fim de semana fora da escola responsável pelo intercâmbio. Meu colega de time e eu havíamos sido enviados para passar um fim de semana com os jovens da cidade na qual iríamos viver pelos próximos seis meses. A ideia era quebrar o gelo antes da nossa mudança definitiva. O outono já ia longe e o inverno se aproximava a passos largos, o que dava aos noruegueses um excelente pretexto para escalar uma montanha antes do clima esfriar. Para mim, entretanto, o inverno já havia chegado e não havia agasalho capaz de esquentar meus pés gelados durante a noite passada em claro naquela cabana no alto de uma montanha.
Após uma noite enregelante em que meus pensamentos não paravam de se voltar para o aconchego da escola que ficara para trás, o grupo decidiu fazer uma trilha pela mata e eu decidi ficar. Precisava passar um tempo sozinha. Já ouvira norueguês o suficiente pelas últimas 24 horas. Coloquei um fone de ouvido e fui sozinha explorar as trilhas mais próximas à cabana em que estávamos. Encontrei um lugar confortável e silencioso e me sentei ali para apreciar a paisagem. Naquele instante, uma música familiar começou a tocar. Enquanto ouvia, meus olhos foram arrebatados pela beleza da paisagem ao redor. Pela primeira vez desde que cheguei àquela montanha, eu consegui apreciar os vários tons de dourado das árvores que me cercavam. O céu estava azul e o sol brilhava e sua luz tênue de outono estava agora aquecendo o meu coração e me convidado ao deslumbramento diante do mundo criado.
Aquela hora sentada no alto de uma montanha escutando músicas que me traziam memórias da infância enquanto contemplava uma paisagem completamente desconhecida mudou permanentemente algo dentro de mim. O encantamento provocado pela beleza do que via e ouvia cativou meu coração. Foi como se as camadas de gelo que haviam se acumulado pela saudade que sentia de casa, somadas ao meu senso de inadequação e medo do desconhecido fossem aos poucos derretendo e dando lugar ao calor do sol que me aquecia naquela manhã de outono.
Aquele foi para mim um ponto de inflexão naquela viagem. Algo em mim havia mudado. Eu fora cativada pela beleza e meu coração fora tocado por aquele lugar. O medo da inadequação, aos poucos, deu lugar à curiosidade. Eu queria que aquele lugar se tornasse familiar. Einstein dizia que uma sensação de encanto pelo universo muitas vezes nos conduz ao desejo de estudá-lo ou apreciá-lo com maior profundidade. E foi exatamente isso que aconteceu comigo. Eu estava encantada pela Noruega e meus próximos meses ali seriam constantemente marcados pelo maravilhamento causado pela beleza ao meu redor.
Na obra “Para que serve a teologia? Sabedoria, significado e beleza”, Alister McGrath observa que “uma experiência de encanto suspende momentaneamente as formas habituais de ver o mundo e, em vez disso, atrai as pessoas para um envolvimento novo e criativo com o ambiente" (p. 111).
Para McGrath, é precisamente essa experiência de encanto que leva o estudo da teologia a sustentar nosso senso de beleza, pois cria em nós o desejo de explorar e entender melhor as coisas - “em parte por insinuar o quanto mais há para ser descoberto” (p.111). (grifo meu)
Com isso em mente, voltemo-nos à pergunta que deu título a este artigo: “Por que a beleza importa para a teologia e para a vida?”.
“A teologia envolve nossa mente, nosso coração e nossa imaginação”, escreve McGrath. Ele continua: “Ela nos ajuda a dar sentido ao nosso mundo e à nossa vida. Ela se envolve com as grandes questões ligadas à felicidade e ao bem-estar humano e permite-nos ver a realidade de uma nova forma. A teologia tem a ver com entrar em uma narrativa abrangente e encontrar o nosso lugar dentro dessa grande história - não uma que inventamos, mas a que descobrimos junto com os outros, antes de nós, que podem enriquecer nossa própria visão a partir de suas experiências e reflexões” (p. 113). (grifo meu)
Ao possibilitar que vejamos a realidade de uma nova forma, a teologia abre os nossos olhos para o que está além de nós e que jamais teríamos visto à parte dela. A transcendência envolve todo o nosso ser, moldando a forma como enxergamos o que é imanente, ressignificando nossas dores, alegrias, sonhos e frustrações. Ao entrarmos no que McGrath chama de “uma narrativa abrangente e encontrarmos o nosso lugar dentro dessa grande história”, já não somos os protagonistas de nossas histórias, mas coadjuvantes finalmente aptos a apreciar o grande ato que criou e redimiu nossas vidas.
- Erica Neves, 35 anos, assessora de comunicação e professora de teologia. Tem graduação e mestrado em comunicação e curso de comunicação transcultural no Hald International Center, Noruega. É casada com o Fred, mãe do Pedro e da Mariana e mora em Goiânia, GO. Durante a graduação em comunicação, Erica fez parte da Aliança Bíblia Universitária (ABUB), tempo em que aprendeu a estudar a Bíblia e a ler livros de teologia. De 2012 a 2023, trabalhou como assessora de comunicação em uma agência humanitária confessional cristã, atuando cotidianamente com líderes de diversas denominações. Em 2021 e 2022 foi aluna das tutorias essencial e avançada no Invisible College, escola em que também é professora nos cursos “Sabedoria no Caos”, “Teologia pro Cotidiano” e “Mulheres em Missão”. Instagram: @erica_mrneves
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