Opinião
- 19 de setembro de 2023
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Plantar uma igreja é mais difícil do que parece
As gafes de ministério também são ocasiões para a graça
René Breuel
Quando a minha esposa, um bebê e eu nos mudamos para Roma para começar uma nova igreja, o meu coração estava cheio de idealismo. Imaginava pessoas descobrindo a beleza do evangelho, orando pela primeira vez e aprendendo a viver em comunidade.
Deus foi bom e abençoou a fundação da Igreja Hopera. Mas posso dizer que cometemos fiascos e trapalhadas para chegar lá.
Houve o caso desastroso de primeiro sermão em italiano que preguei na igreja de um amigo três meses depois de nossa chegada em Roma. Nutria sentimentos tão românticos a respeito – “Meu primeiro sermão na língua em que vou anunciar o evangelho!” –, de modo que decidi abordar uma passagem difícil e preparar uma obra-prima de homilética. Depois percebi que tinha sido longo e confuso, um sermão-fiasco.
Cheguei à igreja com grandes expectativas que duraram trinta segundos. A esposa do pastor nos disse que um casal da Inglaterra estava visitando a igreja e pediu que a Sarah traduzisse o culto para eles, enquanto ela cuidava do Pietro, nosso filho. “Isso não vai dar certo”, pensei. E não deu mesmo. A Sarah e eu, juntos, não damos conta do Pietro. Coitada da mulher do pastor. Ele se contorcia quando ela tentava segurá-lo. Quando comecei a falar, ele gritava em resposta, pensando, aparentemente, que se o pai estava falando era hora de falar. O cálculo daquele domingo foi:
A bagunça do Pietro
+ a mulher do pastor tentando domá-lo
+ o burburinho da Sarah traduzindo no meio da igreja
+ a genialidade do meu raciocínio
= um culto desastroso.
No meio do sermão, nem eu conseguia me concentrar. Vi duas alternativas ingratas à minha frente: prosseguir, mesmo que ninguém estivesse acompanhando o que eu estava dizendo, ou tentar minimizar o dano. “Precisamos de uma solução dramática”, pensei. Então me interrompi, pedi que a Sarah parasse de traduzir e levasse o Pietro para fora. Que vergonha. Depois de minha intervenção, a matemática daquele domingo se tornou:
A Sarah me olhando feio
+ a birra do Pietro sendo levado para fora da igreja
+ a mulher do pastor sentando-se derrotada na primeira fila
+ os crentes desgostosos com minha família destruindo seu culto
= um ponto baixo na história do cristianismo.
Acha que não pode piorar? Claro que pode, e piorou em um culto de Natal que celebrei depois. Naquela época, estávamos tentando ensinar o Pietro a usar o penico. Mas estávamos tão ávidos por nos livrar das fraldas que começamos a transição cedo demais. Meia hora antes do culto, notei que o Pietro precisava ser trocado. Levei-o ao banheiro. Tinha cocô. Muito cocô. Tanto cocô que joguei sua cueca e sua calça no lixo; não havia mais salvação para elas. Tanto cocô que entupi a privada com a quantidade de papel higiênico que usei para limpá-lo. E uma parte do cocô encostou na minha camisa branca, deixando uma mancha marrom.
O pior foi que, depois de cheirar e encostar em tanto cocô, senti uma vontade urgente de ir ao banheiro também. Tinha entupido a privada dos homens, então me perguntei se poderia adiar o ato de alívio. Meu intestino respondeu: “Tem que ser agora!”. Entrei no banheiro das mulheres. A porta não trancava naquele dia. “Ai ai”, pensei torcendo e orando, para que nenhuma mulher desejasse usar o banheiro naquele momento. Você acha que o Céu me salvaria dessa? A porta abriu. A esposa do do líder de louvor – a criatura mais meiga e delicada do mundo – me viu sentado no trono, gritou de horror e bateu a porta. Naquele Natal, preguei olhando só para um lado da igreja – o lado em que ela não estava – enquanto torcia para que as pessoas não adivinhassem porque minha camisa branquíssima tinha uma mancha marronzíssima.
Havia chegado à Itália cheio de ideais, ansiando dar à luz à igreja dos meus sonhos. Depois de gafes, furadas e de destruir o culto dos outros, não estava mais tão confiante. Mas Deus foi bom e me mostrou que a graça de Cristo não é para pessoas perfeitas ou igrejas impecáveis.
É para mim e para você.
A matéria de capa desta edição convida o leitor ao exercício da doxologia: a afirmação vibrante sobre o que Deus é e o que ele faz. Uma afirmação que traduz a nossa opinião sobre Deus forjada pelas Escrituras e pelas experiências com ele. Isso vai contra a correnteza do mundo em que vivemos, tão pouco propício à solitude, à contemplação e à adoração.
É disso que trata a matéria de capa da edição 403 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» A Igreja – Uma comunidade singular de pessoas, John Stott
» Tornando-se Um Pastor Teólogo – Identidade e possibilidades para a liderança da igreja, Kevin J. Vanhoozer
» Geografia do Recolhimento – O lugar da vida devocional, Cayo César Santos
René Breuel
Quando a minha esposa, um bebê e eu nos mudamos para Roma para começar uma nova igreja, o meu coração estava cheio de idealismo. Imaginava pessoas descobrindo a beleza do evangelho, orando pela primeira vez e aprendendo a viver em comunidade.
Deus foi bom e abençoou a fundação da Igreja Hopera. Mas posso dizer que cometemos fiascos e trapalhadas para chegar lá.
Houve o caso desastroso de primeiro sermão em italiano que preguei na igreja de um amigo três meses depois de nossa chegada em Roma. Nutria sentimentos tão românticos a respeito – “Meu primeiro sermão na língua em que vou anunciar o evangelho!” –, de modo que decidi abordar uma passagem difícil e preparar uma obra-prima de homilética. Depois percebi que tinha sido longo e confuso, um sermão-fiasco.
Cheguei à igreja com grandes expectativas que duraram trinta segundos. A esposa do pastor nos disse que um casal da Inglaterra estava visitando a igreja e pediu que a Sarah traduzisse o culto para eles, enquanto ela cuidava do Pietro, nosso filho. “Isso não vai dar certo”, pensei. E não deu mesmo. A Sarah e eu, juntos, não damos conta do Pietro. Coitada da mulher do pastor. Ele se contorcia quando ela tentava segurá-lo. Quando comecei a falar, ele gritava em resposta, pensando, aparentemente, que se o pai estava falando era hora de falar. O cálculo daquele domingo foi:
A bagunça do Pietro
+ a mulher do pastor tentando domá-lo
+ o burburinho da Sarah traduzindo no meio da igreja
+ a genialidade do meu raciocínio
= um culto desastroso.
No meio do sermão, nem eu conseguia me concentrar. Vi duas alternativas ingratas à minha frente: prosseguir, mesmo que ninguém estivesse acompanhando o que eu estava dizendo, ou tentar minimizar o dano. “Precisamos de uma solução dramática”, pensei. Então me interrompi, pedi que a Sarah parasse de traduzir e levasse o Pietro para fora. Que vergonha. Depois de minha intervenção, a matemática daquele domingo se tornou:
A Sarah me olhando feio
+ a birra do Pietro sendo levado para fora da igreja
+ a mulher do pastor sentando-se derrotada na primeira fila
+ os crentes desgostosos com minha família destruindo seu culto
= um ponto baixo na história do cristianismo.
Acha que não pode piorar? Claro que pode, e piorou em um culto de Natal que celebrei depois. Naquela época, estávamos tentando ensinar o Pietro a usar o penico. Mas estávamos tão ávidos por nos livrar das fraldas que começamos a transição cedo demais. Meia hora antes do culto, notei que o Pietro precisava ser trocado. Levei-o ao banheiro. Tinha cocô. Muito cocô. Tanto cocô que joguei sua cueca e sua calça no lixo; não havia mais salvação para elas. Tanto cocô que entupi a privada com a quantidade de papel higiênico que usei para limpá-lo. E uma parte do cocô encostou na minha camisa branca, deixando uma mancha marrom.
O pior foi que, depois de cheirar e encostar em tanto cocô, senti uma vontade urgente de ir ao banheiro também. Tinha entupido a privada dos homens, então me perguntei se poderia adiar o ato de alívio. Meu intestino respondeu: “Tem que ser agora!”. Entrei no banheiro das mulheres. A porta não trancava naquele dia. “Ai ai”, pensei torcendo e orando, para que nenhuma mulher desejasse usar o banheiro naquele momento. Você acha que o Céu me salvaria dessa? A porta abriu. A esposa do do líder de louvor – a criatura mais meiga e delicada do mundo – me viu sentado no trono, gritou de horror e bateu a porta. Naquele Natal, preguei olhando só para um lado da igreja – o lado em que ela não estava – enquanto torcia para que as pessoas não adivinhassem porque minha camisa branquíssima tinha uma mancha marronzíssima.
Havia chegado à Itália cheio de ideais, ansiando dar à luz à igreja dos meus sonhos. Depois de gafes, furadas e de destruir o culto dos outros, não estava mais tão confiante. Mas Deus foi bom e me mostrou que a graça de Cristo não é para pessoas perfeitas ou igrejas impecáveis.
É para mim e para você.
- René Breuel é um pastor e escritor brasileiro que mora em Roma, na Itália. Esse artigo foi adaptado do seu novo livro, Não é fácil ser pai: Como domar os leõezinhos, não chatear sua esposa e recuperar (um pouco) a sanidade depois da paternidade.
A matéria de capa desta edição convida o leitor ao exercício da doxologia: a afirmação vibrante sobre o que Deus é e o que ele faz. Uma afirmação que traduz a nossa opinião sobre Deus forjada pelas Escrituras e pelas experiências com ele. Isso vai contra a correnteza do mundo em que vivemos, tão pouco propício à solitude, à contemplação e à adoração.
É disso que trata a matéria de capa da edição 403 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» A Igreja – Uma comunidade singular de pessoas, John Stott
» Tornando-se Um Pastor Teólogo – Identidade e possibilidades para a liderança da igreja, Kevin J. Vanhoozer
» Geografia do Recolhimento – O lugar da vida devocional, Cayo César Santos
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