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Plano de contingência da epidemia de coronavírus para igrejas
Por André Tsin Chih Chen, Davi Chen Wu, Chin An Lin, Paulo Wan Chin Tsai e Wu Tu Hsing em nome da Associação Médica Ágape
Nota dos autores:
O texto abaixo foi publicado em 12/03/2020 no contexto do início da epidemia no Brasil, quando não haviam diretrizes governamentais claras para as igrejas. Atualmente (16/04/2020), as autoridades de saúde brasileiras recomendam medidas de distanciamento social, incluindo o uso de máscaras de tecido por toda a população . A Associação Médica Ágape apoia o cumprimento das recomendações de autoridades de saúde instituídas, devendo ainda os cristãos atentar-se para legislação específica local (municipal e estadual). Que Deus os abençoe.
A Associação Médica Ágape, na qualidade de associação de profissionais de saúde cristãos, tem monitorado as notícias e publicações científicas relacionadas ao desenvolvimento da epidemia de coronavírus. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a doença do coronavírus 2019 (Covid-19) uma emergência pública de interesse internacional.
À luz das evidências científicas em consolidação (1-7), sabemos que o Covid-19 pode causar pneumonia grave (15% dos casos), necessitando de suporte hospitalar avançado em 5% dos casos e evoluindo para morte em 1 a 3% dos pacientes. Pessoas com doenças associadas e idade avançada têm maior chance de desenvolver doença grave. Neste momento, nos parece cedo para dizer se as estimativas iniciais se aplicam à nossa população, mas devido ao risco significativo recomenda-se cautela.
Esse plano de contingência foi inicialmente desenvolvido para servir às igrejas de origem étnica oriental (chinesas, japonesas, coreanas entre outras) no Brasil. O contexto são comunidades na cidade de São Paulo e arredores, com frequência de 100 a 300 pessoas por culto, e proporção considerável de pessoas idosas. As propostas servem de subsídio técnico para informar a discussão da liderança. É de responsabilidade da liderança instituída de cada comunidade discutir e implementar as medidas aplicáveis ao contexto local. Desta forma, propomos:
1. Recomendações gerais durante o período da epidemia
A. Recomendamos quarentena de 14 dias para pessoas que viajaram ou tiveram contato com pessoas que voltaram da Ásia, Europa, América do Norte, Oriente Médio e Oceania. Isso significa não comparecer às reuniões por 2 semanas. Após esse período, não havendo sintomas (febre, tosse, dificuldade para respirar, dor de garganta, etc), podem voltar a congregar.
B. Indivíduos com febre, tosse ou falta de ar OU sintomas respiratórios (gripe ou resfriado comum) devem ficar 14 dias sem frequentar as reuniões da igreja. Procurar os serviços de emergência em caso de piora de sintomas ou persistência da febre.
C. Usar o cumprimento oriental (curvar a cabeça) como forma de saudação. Evitar beijos e apertos de mão, incluindo o hábito de orar de mãos dadas ou dar as mãos no louvor.
D. Lavar as mãos com água e sabão com frequência e/ou usar álcool gel (álcool 70%).
E. Seguir etiqueta de tosse, cobrindo o rosto com o cotovelo ao tossir.
F. Não coçar os olhos ou nariz. Usar lenços descartáveis e, após, higienizar as mãos.
G. Não compartilhar objetos de uso pessoal.
H. Manter os ambientes ventilados. Observar a vida útil e recomendações de filtros de ar-condicionado.
2. Cultos de adoração ou reuniões com grande aglomeração
A reunião dos crentes, enquanto culto para adoração ao SENHOR, proclamação do evangelho e vida em comunidade, é parte da intenção de Deus para sua igreja. O autor de Hebreus exorta: "não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia" (Hb 10.25). Lembramos que a igreja não é o prédio do templo, mas conforme 1 Coríntios 3, trata-se do ajuntamento dos santos, do povo que pertence ao SENHOR.
Num primeiro momento da epidemia, recomendamos medidas preventivas para proteger os grupos mais vulneráveis, em que possível contato com o vírus possa ser grave.
Caso a epidemia se agrave em demasia, para preservação do corpo de Cristo, as reuniões grandes de toda igreja podem ser momentaneamente suspensas. O tamanho das reuniões tem a ver com o alcance de caso índice (pessoa portadora do Covid-19) infectar determinada comunidade. Se esse momento chegar, outros formatos de reunião, como reuniões nos lares ou reuniões de pequenos grupos, podem ser adequados para indivíduos saudáveis.
3. Plano de contingência
À medida que a epidemia se desenvolve, propomos um plano de contingência em estágios, levando em conta riscos estratificados por condições associadas (comorbidades) e idade.
As recomendações deste texto não são rígidas ou inflexíveis. Procuramos nos basear nas melhores evidências científicas disponíveis no momento, mas reconhecemos que em algumas áreas a evidência é escassa. Optamos por adotar uma abordagem pragmática, tendo por premissa a preservação da integridade dos membros de cada igreja.
Vale ressaltar que o Brasil é um país grande e, nesse momento (10 mar 2020), a maior parte dos casos ainda se encontra na região costeira. A liderança deve avaliar a aplicabilidade das recomendações para sua localidade, reconhecendo ainda que o acesso a atenção à saúde em nosso país é heterogêneo.
Dessa forma, fazemos distinção entre dois graus de recomendação:
- Sugestão: menor grau de assertividade
- Recomendação: maior grau de assertividade
A. Transmissão local do vírus
Neste momento no Brasil, há transmissão de vírus entre pessoas, não sendo mais apenas casos de pessoas que voltaram de viagens de outros países. Sugerimos que as seguintes pessoas participem do culto por meio de transmissão via internet (não vir ao templo) (para comunidades acima de 100 pessoas):
- Pessoas com 80 anos ou mais
- Pessoas com doenças crônicas com gravidade intermediária ou alta
- Pessoas com cirurgia recente de médio ou grande porte
- Pessoas em tratamento com quimioterapia
- Pessoas com imunossupressão
B. 100 casos em território nacional
Conforme o Ministério da Saúde, quando a epidemia atinge 100 casos, a resposta do sistema visa evitar que casos evoluam para cuidados intensivos e morte. Dessa forma, caso haja 100 casos com confirmação laboratorial em território nacional, recomendamos que as seguintes pessoas participem do culto através de transmissão via internet (não vir ao templo):
- Pessoas com 80 anos ou mais
- Pessoas com doenças crônicas com gravidade intermediária ou alta
- Pessoas com cirurgia recente de médio ou grande porte
- Pessoas em tratamento com quimioterapia
- Pessoas com imunossupressão
Sugerimos que pessoas acima de 65 anos avaliem os riscos de ir a um local com aglomeração acima de 100 pessoas.
C. Situação de emergência
A situação de emergência configura-se quando há uma epidemia em franca evolução no país e o governo se esforça para conter o avanço da doença.
Se esse momento chegar, recomendamos que as seguintes pessoas participem do culto através de transmissão via internet (não vir ao templo):
- Pessoas com 65 anos ou mais
- Pessoas com doenças crônicas com gravidade intermediária ou alta
- Pessoas com cirurgia recente de médio ou grande porte
- Pessoas em tratamento com quimioterapia
- Pessoas com imunossupressão
D. Caso confirmado em membro da igreja
Em caso de confirmação diagnóstica em membro ativo da igreja ou pessoa que tenha frequentado as reuniões de culto nos últimos 14 dias (2 semanas), recomendamos suspensão das atividades de reunião da igreja até segunda ordem.
4. Visitação nos lares
O tempo e a gravidade da epidemia são nesse momento incertos. As estimativas variam de 3 meses até 1 ano. Recomenda-se que haja redes intencionais de apoio e cuidado mútuo entre os irmãos da igreja, com contato periódico por telefone ou meios eletrônicos. Deve-se haver atenção especial com os mais idosos, que têm nas reuniões da igreja, momentos preciosos de comunhão e interação social. Recomenda-se visitação nos lares, desde que haja consentimento prévio dos que receberão visita, partindo da premissa de que TODOS visitadores estejam saudáveis e atentem-se para as recomendações de higiene e prevenção de contato.
5. Outros desdobramentos
- Dentro das particularidades litúrgicas da Santa Ceia em cada comunidade, deve haver preocupação com a higiene coletiva, sem perder de vista os elementos essenciais do sacramento e o mistério da presença do Senhor.
- Recomenda-se que cada igreja implemente meios para modernizar seu sistema contábil, possibilitando dízimos e ofertas através de canais eletrônicos (internet banking).
- As igrejas em que há refeição coletiva devem atentar para recomendações de higiene, incluindo uso de máscara pelos empregados/voluntários na preparação dos alimentos. A quantidade de alimentos também deve ser estimada baseada nas recomendações acima, evitando desperdício.
Nesse momento delicado, o esfriamento ou fervor dos membros da igreja dependerá da redenção (ou não) de nossa mentalidade em Cristo. Recomenda-se a meditação diária nos Salmos, como forma de devoção a Deus e reconhecimento constante de sua soberania sobre toda a criação. Leiam a Bíblia antes de abrir o jornal. A igreja deve ainda orar e discernir as oportunidades de amar em Cristo e testemunhar diante de tempos de tribulação.
“Paz seja com os irmãos, e amor com fé da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível. ” Efésios 6:23,24
Associação Médica Ágape, 11/03/2020
Referências
- Guan W, Ni Z, Hu Y, Liang W, Ou C, He J, et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020 Feb 28.
- Lu R, Zhao X, Li J, Niu P, Yang B, Wu H, et al. Genomic characterisation and epidemiology of 2019 novel coronavirus: implications for virus origins and receptor binding. Lancet. 2020 Feb.
- World Health Organization. Coronavirus disease 2019 WHO situation report. 2020.
- John Hopkins. Coronavirus COVID-19 Global Cases by Johns Hopkins CSSE [Internet]. Available from: https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6
- Ministério da Saúde. Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19. [cited 2020 Mar 5]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/plano-contingencia-coronavirus-COVID19.pdf
- Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early Transmission Dynamics in Wuhan, China, of Novel Coronavirus–Infected Pneumonia. N Engl J Med. 2020 Jan 29.
- Wang C, Horby PW, Hayden FG, Gao GF. A novel coronavirus outbreak of global health concern. Lancet. 2020 Feb.
- Center for Disease Control and Prevention. Get Your Community- and Faith-Based Organizations Ready for Coronavirus Disease 2019. [cited 2020 Mar 9]. Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/community/organizations/guidance-community-faith-organizations.html#act.
• André Tsin Chih Chen (MD, PhD) é membro da Igreja Presbiteriana de Formosa de Mogi das Cruzes; mestrando em divindade pelo Seminário Teológico Servo de Cristo; médico radio-oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP); coordenador de Pesquisa Clínica do Departamento.
• Davi Chen Wu (MD, PhD) é presbítero da Igreja Presbiteriana Vida Nova de São Paulo; médico oftalmologista da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
• Chin An Lin (MD, PhD, FACP) é membro regular da Igreja Adventista do Sétimo Dia Central Paulistana e frequentador da Igreja Presbiteriana de Formosa de São Paulo; médico da Disciplina de Clínica Geral, HCFMUSP; Coordenador dos Ambulatórios de Clínica Geral HCFMUSP; Vice-Coordenador do Programa de Residência de Clínica Médica; Presidente do Comitê de Bioética da Diretoria Clínica HCFMUSP.
• Paulo Wan Chin Tsai é membro da Igreja Presbiteriana Vida Nova de São Paulo; médico formado e com especialização pela FMUSP; presidente da ONG Casa do Aconchego; membro do ministério Capelania na Saúde; médico voluntário na missão Asas de Socorro.
• Wu Tu Hsing (MD, PhD) é pastor titular da Igreja Presbiteriana de Formosa do Brasil TAI-AN; Professor Doutor da Disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da FMUSP; diretor do Centro de Acupuntura do IOT/HC/FMUSP.
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