Opinião
- 05 de fevereiro de 2014
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Pé na estrada
Depois de sete anos no Uruguai, enfrento o desafio de regressar ao Brasil com minha família. Sim, voltar é mais difícil do que partir. É não é porque seu país natal seja diferente ou pior do que o país onde você viveu. Voltamos diferentes ao Brasil. Somos mais uruguaios, mais latinos. Às vezes o coração dói para fazer caber essa amplidão de mais amigos, mais família, de raízes que se estenderam e nos fazem a vida mais diversa e mais rica. Com graça e sabedoria, saberemos enfrentar bem essa nova etapa.
Por outro lado, vejo que muitos que passam por esse tipo de mudança sofrem demasiadamente -- antes, durante ou depois de uma experiência transcultural. Talvez isso não fosse necessário, ou poderia ser evitado. Compartilho então algumas breves dicas sobre como preparar-se melhor e crescer com o “pé na estrada”.
Antes de sair para uma experiência transcultural
- Busque saber mais da gente, cultura e idioma de onde você irá viver. Se for possível, considerando a distância e orçamento, eu recomendaria uma breve visita exploratória. Nessa visita, busque contato com gente que já faz pelo menos algo parecido ao que você pretende fazer no país. Evite atitude de turista, não é hora para isso. Converse, ouça. Se já maneja o idioma, compre jornais, algum livro com a história do país. Livros sobre a história política são fascinantes para buscar entender melhor a mentalidade e as idiossincrasias da terra. Busque pontos de vista diferentes, faça a tarefa de casa e leia bastante sobre o novo lugar onde irá viver. Se ainda não maneja o idioma, é hora de investir pesado na tarefa. Se não é possível a visita, valem os mesmos princípios, com a diferença de buscar conversar, à distância ou pessoalmente, com quem já tenha vivido algo semelhante por aquelas bandas.
- Parece que é um erro muito comum chegar ao novo país sem ter feito qualquer curso de antropologia, deixando de lado esse esforço tão necessário de buscar entender outras culturas. Parece que na cabeça de muitos só é preciso dominar bem o conteúdo de sua própria formação, seja teologia, medicina ou engenharia. Na verdade, nosso conhecimento prévio não é suficiente, e às vezes até atrapalha. Ouvi antes de mudar-me para o Uruguai: “esqueça aquilo que você pensa que faz bem, você terá que aprender de novo”. Parecia radical, mas foi um dos melhores conselhos que recebi antes de partir. Preparar-se bem significa aprender mais sobre outras culturas ou sobre como entrar e conectar-se com elas. Também significa desaprender e estar disposto a voltar a ser como criança. É mais difícil, e nos deixa vulneráveis, mas é atitude que renderá muito aprendizado no longo prazo.
Durante a experiência
- Há três coisas bem importantes na chegada: ouvir, ver, conhecer. Fazer perguntas, observar, conhecer como se dão as coisas no novo ambiente. Não só os códigos verbais, mas especialmente os não verbais são essenciais para essa conexão autêntica. Claro, leva tempo. Por isso não sou fã de “missões de curto prazo”. Ou então mudem o nome. Chamemos de “rápida incursão exploratória”, como a visita que sugeri acima. Podemos aprender algo em uma viagem curta, talvez não muito. É algo que serve muito mais para a gente do que para quem mora lá. Deixemos de lado a ambição de que seremos muito úteis para a gente local em uma rápida estadia. Chamo de “curto prazo” as experiências de menos de um ou dois anos. Em culturas muito diferentes da sua, qualquer tempo menor aos dois ou três anos entraria na mesma categoria.
- Não tenha medo de errar, mas, sim, tema bastante a aventura de estar sozinho. Busque logo conectar-se a um contexto de equipe. Bem melhor se for uma equipe multicultural, e a situação ideal é contar com pessoas do novo país e cultura nesse grupo de trabalho.
- Tenha metas claras e saiba quando sair -- se for para o bem do projeto que está realizando. Muitas vezes ajudamos mais quando abrimos espaço para os novos líderes e gerações, em especial para os nacionais. É ótimo sentir que nos querem e que não desejam que partamos. Mas se você só decide partir quando já há queixas e certo incômodo com a sua presença é sinal de que já deveria ter saído antes.
- Prepare uma saída com antecipação, para o bem da sua família (se tiver cônjuge, filhos) e para o bem da equipe que continuará o trabalho. Busque diminuir gradualmente as suas responsabilidades e assegure-se de fechar bem os ciclos com despedidas significativas, sem medo de passar pelo luto e dor que serão parte da experiência.
Depois da experiência transcultural
- Passar alguns anos fora de seu país e cultura faz com que sejamos diferentes ao regressar. Muitos se surpreendem porque também mudaram as pessoas e o lugar de onde saíram. Busque encarar a nova etapa não como um regresso, mas como um novo desafio na vida, para o qual você também deve se preparar e se cuidar durante esse processo de reentrada. Ouvir, ver e conhecer também farão parte importante desse recomeço.
- Busque manter os vínculos com o que você viveu e experimentou. As amizades, as lições e o seu crescimento agora farão parte da pessoa que você se tornou. Faça uso desses novos dons e fortalezas para o que virá pela frente. Sua vida agora é mais rica e, com certeza, mais preparada para as novas aventuras que você terá o privilégio de enfrentar.
Preparar-se bem, viver com intensidade cada experiência e aprender a processar o vivido. Belos desafios para quem transpõe fronteiras. Acabo de atravessar essa do regresso que, na verdade, é só o início de um novo aprendizado. Espero que você se prepare bem para as que você mesmo cruzará, e que também esteja disposto a compartilhar tudo o que você aprender. Boa viagem!
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Por outro lado, vejo que muitos que passam por esse tipo de mudança sofrem demasiadamente -- antes, durante ou depois de uma experiência transcultural. Talvez isso não fosse necessário, ou poderia ser evitado. Compartilho então algumas breves dicas sobre como preparar-se melhor e crescer com o “pé na estrada”.
Antes de sair para uma experiência transcultural
- Busque saber mais da gente, cultura e idioma de onde você irá viver. Se for possível, considerando a distância e orçamento, eu recomendaria uma breve visita exploratória. Nessa visita, busque contato com gente que já faz pelo menos algo parecido ao que você pretende fazer no país. Evite atitude de turista, não é hora para isso. Converse, ouça. Se já maneja o idioma, compre jornais, algum livro com a história do país. Livros sobre a história política são fascinantes para buscar entender melhor a mentalidade e as idiossincrasias da terra. Busque pontos de vista diferentes, faça a tarefa de casa e leia bastante sobre o novo lugar onde irá viver. Se ainda não maneja o idioma, é hora de investir pesado na tarefa. Se não é possível a visita, valem os mesmos princípios, com a diferença de buscar conversar, à distância ou pessoalmente, com quem já tenha vivido algo semelhante por aquelas bandas.
- Parece que é um erro muito comum chegar ao novo país sem ter feito qualquer curso de antropologia, deixando de lado esse esforço tão necessário de buscar entender outras culturas. Parece que na cabeça de muitos só é preciso dominar bem o conteúdo de sua própria formação, seja teologia, medicina ou engenharia. Na verdade, nosso conhecimento prévio não é suficiente, e às vezes até atrapalha. Ouvi antes de mudar-me para o Uruguai: “esqueça aquilo que você pensa que faz bem, você terá que aprender de novo”. Parecia radical, mas foi um dos melhores conselhos que recebi antes de partir. Preparar-se bem significa aprender mais sobre outras culturas ou sobre como entrar e conectar-se com elas. Também significa desaprender e estar disposto a voltar a ser como criança. É mais difícil, e nos deixa vulneráveis, mas é atitude que renderá muito aprendizado no longo prazo.
Durante a experiência
- Há três coisas bem importantes na chegada: ouvir, ver, conhecer. Fazer perguntas, observar, conhecer como se dão as coisas no novo ambiente. Não só os códigos verbais, mas especialmente os não verbais são essenciais para essa conexão autêntica. Claro, leva tempo. Por isso não sou fã de “missões de curto prazo”. Ou então mudem o nome. Chamemos de “rápida incursão exploratória”, como a visita que sugeri acima. Podemos aprender algo em uma viagem curta, talvez não muito. É algo que serve muito mais para a gente do que para quem mora lá. Deixemos de lado a ambição de que seremos muito úteis para a gente local em uma rápida estadia. Chamo de “curto prazo” as experiências de menos de um ou dois anos. Em culturas muito diferentes da sua, qualquer tempo menor aos dois ou três anos entraria na mesma categoria.
- Não tenha medo de errar, mas, sim, tema bastante a aventura de estar sozinho. Busque logo conectar-se a um contexto de equipe. Bem melhor se for uma equipe multicultural, e a situação ideal é contar com pessoas do novo país e cultura nesse grupo de trabalho.
- Tenha metas claras e saiba quando sair -- se for para o bem do projeto que está realizando. Muitas vezes ajudamos mais quando abrimos espaço para os novos líderes e gerações, em especial para os nacionais. É ótimo sentir que nos querem e que não desejam que partamos. Mas se você só decide partir quando já há queixas e certo incômodo com a sua presença é sinal de que já deveria ter saído antes.
- Prepare uma saída com antecipação, para o bem da sua família (se tiver cônjuge, filhos) e para o bem da equipe que continuará o trabalho. Busque diminuir gradualmente as suas responsabilidades e assegure-se de fechar bem os ciclos com despedidas significativas, sem medo de passar pelo luto e dor que serão parte da experiência.
Depois da experiência transcultural
- Passar alguns anos fora de seu país e cultura faz com que sejamos diferentes ao regressar. Muitos se surpreendem porque também mudaram as pessoas e o lugar de onde saíram. Busque encarar a nova etapa não como um regresso, mas como um novo desafio na vida, para o qual você também deve se preparar e se cuidar durante esse processo de reentrada. Ouvir, ver e conhecer também farão parte importante desse recomeço.
- Busque manter os vínculos com o que você viveu e experimentou. As amizades, as lições e o seu crescimento agora farão parte da pessoa que você se tornou. Faça uso desses novos dons e fortalezas para o que virá pela frente. Sua vida agora é mais rica e, com certeza, mais preparada para as novas aventuras que você terá o privilégio de enfrentar.
Preparar-se bem, viver com intensidade cada experiência e aprender a processar o vivido. Belos desafios para quem transpõe fronteiras. Acabo de atravessar essa do regresso que, na verdade, é só o início de um novo aprendizado. Espero que você se prepare bem para as que você mesmo cruzará, e que também esteja disposto a compartilhar tudo o que você aprender. Boa viagem!
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Crônicas missionárias
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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