Opinião
- 21 de maio de 2013
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Paulo e as autoridades
Quem já viveu tempos atrás, obviamente não está aqui para se defender. Com isso está sujeito ao risco de que sua biografia, tudo o que disse e fez, sejam usados para defender posições que dificilmente esse alguém o faria.
Assim é com Paulo e sua relação com as autoridades civis da época. Claro que esse é só um dos temas mal compreendidos em sua vida e discurso. Sobre sua posição quanto aos poderes do império da época, suas palavras já foram, e ainda o são, usadas para defender uma obediência cega às autoridades, mas também por outro lado para apresentar a Paulo como o protótipo do revolucionário ideal contra o poder de César. Talvez nem tanto lá, nem tanto cá. Paulo é um pouco mais complexo do que isso, difícil de resumir em um curto artigo. Assim, apresento aqui algumas breves “acusações” (certamente há outras), derivadas do que julgo sejam incompreensões sobre sua vida e palavras. Pensemos por um breve momento se são justas com a biografia do missionário.
Acusação 1: “Paulo defende a submissão incondicional ao poder da autoridade humana”
Será que Paulo, em Romanos 13.1-7, estaria endossando a obediência submissa a qualquer autoridade, em qualquer circunstância? Pior, será que ele o faria por causa de uma profunda convicção teológica? Interessante que uma ênfase de Paulo, que certamente provocaria incômodo no culto às autoridades de seu tempo, era a proclamação do Messias (“Christos”) como rei de Israel e Senhor (“Kyrios”) de todo o universo (Rm 1.3-7; 9.5; Fp 3.20; 1 Co 15.24-28 combinado com Sl 110.1 e Sl. 8.6).
Paulo foi acusado de pregar obediência a outro rei (Atos 17.7). A própria promessa ao final da carta aos Romanos (15.12) era a de que viria um novo governante, inclusive para os não judeus. Dificilmente a totalidade de seu ensinamento poderia, em sã consciência, ser usada como justificativa para uma fé submissa no poder da autoridade humana. Na verdade, Paulo a relativiza, aponta a uma autoridade superior a ela, que lhe dá propósito, funções, um mandato especial por cumprir.
Acusação 2: “Paulo ensina que façamos o mal e promovamos a injustiça, se as autoridades assim o determinam”
As autoridades humanas cumprem, ou deveriam fazê-lo, o mandato para castigar os que fazem o mal e recompensar os que fazem o bem (Rm. 13.3-4). O direito e a justiça estão no centro; esta é a razão pela qual as autoridades estão lá para exercitar o seu poder concedido. Interessante que Paulo também menciona a importância da consciência de cada um. Ela, e o temor do Senhor, estão na base de nossas motivações, e não a simples submissão à autoridade civil. Há algo maior por trás, um propósito pelo qual vale a pena arriscar o pescoço, que é a busca por fazer o bem, diante daquele que está acima de tudo.
“Fazer o bem” também é a justificativa apresentada no texto semelhante do outro apóstolo, Pedro (1 Pe 2.13-17). É “por causa do Senhor”, que ele quer que todos nós façamos o bem (v. 14, 15), que vivamos como pessoas livres (v. 16) que se submetem às autoridades no contexto do temor do Senhor, do amor aos irmãos e do respeito a todos (v.17). Dificilmente Paulo, ou Pedro, poderiam ser acusados de pactuar com o mal. À luz do que nos ensinam, na verdade nos fomentam a sempre buscar a justiça, esforçando-nos para que as autoridades façam o mesmo. A justiça almejada, diga-se, é a de Deus, não a de César.
Acusação 3: “Paulo era um pragmático, faria qualquer coisa pelo anúncio do evangelho”.
Essa vem da ideia de que Paulo, ao buscar fazer qualquer coisa para que todos escutassem a mensagem (1 Co 9.22), também buscaria assentir frente às autoridades para que não houvesse obstáculo para o anúncio do evangelho. Mesmo Lutero foi um dos que defendeu a tese de que as autoridades eram importantes para manter a paz, sem a qual seria impossível pregar.
É evidente que Paulo buscava ser uma testemunha de Cristo para todos, por causa de seu chamado (At 9.15), que sua paixão era alcançar os incluídos e os excluídos do sistema (Rm 1.14), levar essa luz a todas as pessoas, para que todos pudessem recebê-la (Ef 3.19; 2 Tm 4.7,17). Mas também é claro que ele não deixava de pregar a mensagem em sua inteireza, mesmo que houvesse o risco da impopularidade, da rejeição ao juiz que julgará o mundo com justiça (At 17.30-31). Ele também não teve medo de confrontar a autoridade, mesmo quando preso, com uma mensagem sobre a vida correta e o juízo (At 24.25). Seu suposto pragmatismo certamente tinha limites, e estes eram o da justiça verdadeira da autoridade suprema.
Acusação 4: “Paulo queria estar bem com as autoridades e gozar os privilégios que viriam dessa relação”.
Paulo era um cidadão romano e algumas vezes utilizou essa prerrogativa para que o sistema o levasse a uma situação onde pudesse realizar sua missão, como quando apelou ao imperador para que fosse a Roma, para evitar ser morto nas mãos das autoridades religiosas e, principalmente, para ir até aonde acreditava que o Senhor o estava conduzindo. Mas seria muito incorreto crer que ele buscasse privilégios para si próprio através de uma relação promíscua com as autoridades civis.
Paulo e seus companheiros foram açoitados em Filipos (At 17.23). Logo em seguida eles não saíram correndo quando viram as portas da cadeia abertas (v. 26-27), numa evidência a mais de que não buscavam em primeiro lugar o seu próprio interesse ou conforto. Pelo contrário, desde o princípio (At 9.16), ele sabia que seu chamado implicaria em sofrimento. Estava certo de haveria um confronto de poderes quando chamasse todos à submissão ao senhorio de Cristo. Sabia que haveria consequências para todos os que seguissem, em suas vidas privadas e públicas, esse novo estilo de vida modelado por Jesus (2 Tm 3.12).
Conclusão
Parece que uma importante conclusão deve ser a de evitar reducionismos que considerem Paulo como alguém que, ou estava totalmente comprometido em ser uma engrenagem submissa do regime imperial de seu tempo ou de que ele fosse uma espécie de pregador anti-imperialista revolucionário. É possível que sua preocupação não estivesse tão focada em desenvolver uma política única ou absoluta para a relação entre cidadão e autoridade civil.
A comunidade redimida dos discípulos de Cristo era instada por Paulo a fazer o bem, a procurar a justiça e viver de maneira digna do evangelho que eles acolheram (Fp 1.27). Se isso os levaria a sofrer por causa dessa fidelidade última ao Senhor Jesus, então seria necessário suportar com paciência esses sofrimentos. De uma maneira importante, não seria um sofrimento passivo, porque o poder do evangelho continuaria a trabalhar em suas vidas por meio de Cristo para reconciliar consigo todas as coisas (Cl 1.20). O que foi exigido de Paulo, e é esperado dos cristãos de hoje, é obediência ao Senhor Jesus Cristo. Devemos seguir o exemplo de Paulo neste mandato missionário, custe o que custar, “proclamando o Reino de Deus e ensinando sobre o Senhor Jesus Cristo com toda a ousadia e sem impedimento" (At 28.31). Ao final da sua vida, Paulo o fez numa prisão domiciliar, apesar das limitações importas pelas autoridades da época. Também seria bom e desejável ver a continuidade desse último versículo de Atos na vida e missão da igreja hoje.
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Cosmovisão cristã e transformação
Assim é com Paulo e sua relação com as autoridades civis da época. Claro que esse é só um dos temas mal compreendidos em sua vida e discurso. Sobre sua posição quanto aos poderes do império da época, suas palavras já foram, e ainda o são, usadas para defender uma obediência cega às autoridades, mas também por outro lado para apresentar a Paulo como o protótipo do revolucionário ideal contra o poder de César. Talvez nem tanto lá, nem tanto cá. Paulo é um pouco mais complexo do que isso, difícil de resumir em um curto artigo. Assim, apresento aqui algumas breves “acusações” (certamente há outras), derivadas do que julgo sejam incompreensões sobre sua vida e palavras. Pensemos por um breve momento se são justas com a biografia do missionário.
Acusação 1: “Paulo defende a submissão incondicional ao poder da autoridade humana”
Será que Paulo, em Romanos 13.1-7, estaria endossando a obediência submissa a qualquer autoridade, em qualquer circunstância? Pior, será que ele o faria por causa de uma profunda convicção teológica? Interessante que uma ênfase de Paulo, que certamente provocaria incômodo no culto às autoridades de seu tempo, era a proclamação do Messias (“Christos”) como rei de Israel e Senhor (“Kyrios”) de todo o universo (Rm 1.3-7; 9.5; Fp 3.20; 1 Co 15.24-28 combinado com Sl 110.1 e Sl. 8.6).
Paulo foi acusado de pregar obediência a outro rei (Atos 17.7). A própria promessa ao final da carta aos Romanos (15.12) era a de que viria um novo governante, inclusive para os não judeus. Dificilmente a totalidade de seu ensinamento poderia, em sã consciência, ser usada como justificativa para uma fé submissa no poder da autoridade humana. Na verdade, Paulo a relativiza, aponta a uma autoridade superior a ela, que lhe dá propósito, funções, um mandato especial por cumprir.
Acusação 2: “Paulo ensina que façamos o mal e promovamos a injustiça, se as autoridades assim o determinam”
As autoridades humanas cumprem, ou deveriam fazê-lo, o mandato para castigar os que fazem o mal e recompensar os que fazem o bem (Rm. 13.3-4). O direito e a justiça estão no centro; esta é a razão pela qual as autoridades estão lá para exercitar o seu poder concedido. Interessante que Paulo também menciona a importância da consciência de cada um. Ela, e o temor do Senhor, estão na base de nossas motivações, e não a simples submissão à autoridade civil. Há algo maior por trás, um propósito pelo qual vale a pena arriscar o pescoço, que é a busca por fazer o bem, diante daquele que está acima de tudo.
“Fazer o bem” também é a justificativa apresentada no texto semelhante do outro apóstolo, Pedro (1 Pe 2.13-17). É “por causa do Senhor”, que ele quer que todos nós façamos o bem (v. 14, 15), que vivamos como pessoas livres (v. 16) que se submetem às autoridades no contexto do temor do Senhor, do amor aos irmãos e do respeito a todos (v.17). Dificilmente Paulo, ou Pedro, poderiam ser acusados de pactuar com o mal. À luz do que nos ensinam, na verdade nos fomentam a sempre buscar a justiça, esforçando-nos para que as autoridades façam o mesmo. A justiça almejada, diga-se, é a de Deus, não a de César.
Acusação 3: “Paulo era um pragmático, faria qualquer coisa pelo anúncio do evangelho”.
Essa vem da ideia de que Paulo, ao buscar fazer qualquer coisa para que todos escutassem a mensagem (1 Co 9.22), também buscaria assentir frente às autoridades para que não houvesse obstáculo para o anúncio do evangelho. Mesmo Lutero foi um dos que defendeu a tese de que as autoridades eram importantes para manter a paz, sem a qual seria impossível pregar.
É evidente que Paulo buscava ser uma testemunha de Cristo para todos, por causa de seu chamado (At 9.15), que sua paixão era alcançar os incluídos e os excluídos do sistema (Rm 1.14), levar essa luz a todas as pessoas, para que todos pudessem recebê-la (Ef 3.19; 2 Tm 4.7,17). Mas também é claro que ele não deixava de pregar a mensagem em sua inteireza, mesmo que houvesse o risco da impopularidade, da rejeição ao juiz que julgará o mundo com justiça (At 17.30-31). Ele também não teve medo de confrontar a autoridade, mesmo quando preso, com uma mensagem sobre a vida correta e o juízo (At 24.25). Seu suposto pragmatismo certamente tinha limites, e estes eram o da justiça verdadeira da autoridade suprema.
Acusação 4: “Paulo queria estar bem com as autoridades e gozar os privilégios que viriam dessa relação”.
Paulo era um cidadão romano e algumas vezes utilizou essa prerrogativa para que o sistema o levasse a uma situação onde pudesse realizar sua missão, como quando apelou ao imperador para que fosse a Roma, para evitar ser morto nas mãos das autoridades religiosas e, principalmente, para ir até aonde acreditava que o Senhor o estava conduzindo. Mas seria muito incorreto crer que ele buscasse privilégios para si próprio através de uma relação promíscua com as autoridades civis.
Paulo e seus companheiros foram açoitados em Filipos (At 17.23). Logo em seguida eles não saíram correndo quando viram as portas da cadeia abertas (v. 26-27), numa evidência a mais de que não buscavam em primeiro lugar o seu próprio interesse ou conforto. Pelo contrário, desde o princípio (At 9.16), ele sabia que seu chamado implicaria em sofrimento. Estava certo de haveria um confronto de poderes quando chamasse todos à submissão ao senhorio de Cristo. Sabia que haveria consequências para todos os que seguissem, em suas vidas privadas e públicas, esse novo estilo de vida modelado por Jesus (2 Tm 3.12).
Conclusão
Parece que uma importante conclusão deve ser a de evitar reducionismos que considerem Paulo como alguém que, ou estava totalmente comprometido em ser uma engrenagem submissa do regime imperial de seu tempo ou de que ele fosse uma espécie de pregador anti-imperialista revolucionário. É possível que sua preocupação não estivesse tão focada em desenvolver uma política única ou absoluta para a relação entre cidadão e autoridade civil.
A comunidade redimida dos discípulos de Cristo era instada por Paulo a fazer o bem, a procurar a justiça e viver de maneira digna do evangelho que eles acolheram (Fp 1.27). Se isso os levaria a sofrer por causa dessa fidelidade última ao Senhor Jesus, então seria necessário suportar com paciência esses sofrimentos. De uma maneira importante, não seria um sofrimento passivo, porque o poder do evangelho continuaria a trabalhar em suas vidas por meio de Cristo para reconciliar consigo todas as coisas (Cl 1.20). O que foi exigido de Paulo, e é esperado dos cristãos de hoje, é obediência ao Senhor Jesus Cristo. Devemos seguir o exemplo de Paulo neste mandato missionário, custe o que custar, “proclamando o Reino de Deus e ensinando sobre o Senhor Jesus Cristo com toda a ousadia e sem impedimento" (At 28.31). Ao final da sua vida, Paulo o fez numa prisão domiciliar, apesar das limitações importas pelas autoridades da época. Também seria bom e desejável ver a continuidade desse último versículo de Atos na vida e missão da igreja hoje.
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Profetismo – item esquecido da missão integral
O espírito democrático e a espiritualidade cristã
Cosmovisão cristã e transformação
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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