Opinião
- 03 de março de 2017
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Pastores não choram?
Por Sergio Fortes
Meus heróis eram os meus pastores
Fui levado pelos meus pais à igreja com oito dias de idade para consagração, há mais de seis décadas. Assim como acontecera com o Menino Jesus. Passei minha infância e adolescência sob total influência da igreja.
Meus heróis eram os meus pastores. Como se vestiam, como falavam, como oravam, como pregavam, como viviam. Eram minhas referências. Mais tarde descobriria que eram também referências exemplares de meus pais. Mamãe orava pedindo a DEUS que Ele me transformasse como um deles.
Não é de se estranhar que, ao final da minha adolescência, estava convicto de um chamado divino e queria ser como um deles.
Solidariedade regada a lágrimas
Um dos aspectos que me marcaram profundamente era ver esses homens, culto após culto, pregação depois de pregação, reunião de oração após reunião de oração, chorando na presença de DEUS, com tal angústia de alma, que terminavam o culto, a pregação, a oração com olhos inchados e vermelhos.
E o que mais me tocava profundamente era o fato de que eles não choravam por causa de suas necessidades materiais – e estas eram inúmeras e sérias – mas era a favor da igreja em geral e das pessoas em particular.
Nas visitas às casas de membros e não membros, doentes, presos, necessitados em geral, que aconteciam regularmente ao longo da semana e excepcionalmente em qualquer dia e hora, também eram marcados com atos de solidariedade que iam desde o choro diante da tragédia, da dificuldade e da tristeza alheia, como o repartir do pouco que tinham, ou até mesmo ficam sem para que o outro pudesse ter sua necessidade mitigada.
Os anos se passaram e o exercício do ministério pastoral foi tomando outras formas, outros matizes. E como ele difere hoje, em termos gerais, em relação do que acontecia há quatro, cinco décadas atrás!
Chamado pastoral versus planos de carreira
O ministério pastoral moderno tornou-se profissional. Pouco se fala em chamado. Quase nenhuma preocupação com a vocação. O encanto do chamado e a inspiração da vocação, premissas fundamentais para o exercício ministerial, deram lugar a projetos de sucessão familiar e planos de carreira inspirados em exercícios bi-vocacionais.
Os desafios da Igreja-Empresa passaram a exigir homens e mulheres “profissas”, capazes de administrar com eficiência, pragmatismo e competência, como em qualquer outra atividade que precisa ser auto-sustentável, para não dizer lucrativa.
O trato cotidiano das mazelas existenciais, o lidar intenso com a dor, o choro, a tristeza, as perdas, os infortúnios, as desgraças alheias, são hoje tratadas com parcimônia e o mínimo de envolvimento emocional e afetivo. Somente o indispensável para dar um toque de humanidade e manter uma salutar impressão de sensibilidade.
Chorar é coisa rara para um pregador hoje?
Não se costuma ver hoje um pregador chorando no púlpito enquanto transmite sua mensagem. Coisa rara. A gente fica até assustada e sem saber o que fazer de tão incomum que é.
A mensagem é, via de regra, consubstanciada com todos os recursos necessários de embasamento técnico e teológico (nem sempre exegético e muito menos doutrinário), extraídos de fontes respeitáveis, geralmente pelo eficiente processo “Ctrl C, Ctrl V”.
Faz sentido isso.
Pois raramente essa mensagem é gerada com dores de parto, ao longo de horas a sós na presença de DEUS, na quietude do quarto fechado, joelhos no chão, gemidos de alma.
Os pastores da minha adolescência não tinham bibliografia alguma, nenhum comentário bíblico, um ou outro possuía uma surrada “Chave Bíblica” – olhe lá! – nem compêndios, muito menos recursos de Internet, Google, sites especializados.
Eu me lembro de um deles, citando um autor de que não me lembro, afirmar que, “aquele que orou bem, se preparou bem”. E assim, na dependência de DEUS, o Espírito Santo os conduzia como canais, como verdadeiros instrumentos.
Discursos empolgados, mas quase sempre com olhos secos
As orações de hoje se contrapõem às de outrora. Discursos empolgados, inflamados, alguns absurdamente gritados. Mas quase sempre com olhos secos. Com gritos, mas sem gemidos. Com empolgação, mas sem intercessão.
Por isso, pastores de outrora eram homens de olhos molhados pelas lágrimas. Lágrimas de quem entendia a essência do ministério. De quem carregava, como Jesus, os pecados do rebanho e por ele, intercedia como Moisés, disposto a renunciar à vida, caso DEUS não fosse atender tal intercessão.
Hoje predomina o ministério de olhos secos. Secos de lágrimas. Secos de comprometimento. Secos de solidariedade.
O Jesus que chorou ao avistar Jerusalém, chorou diante das irmãs de Lázaro – e deve ter chorado outras tantas vezes quando a Palavra diz que “Ele foi movido de íntima compaixão” – espera seguidores que não exerçam um ministério de olhos secos.
• Sergio Fortes é formado em teologia, direito e administração, sendo mestrando em Ciência das Religiões. Atua como Consultor em logística e assuntos estratégicos. Serve como leigo na Igreja Batista Central de São Bernardo do Campo.
Leia mais
Não quero cantar canções de alegria quando é tempo de cantar canções de tristeza [Elben César]
Cantil de lágrimas
Estou cansado
Meus heróis eram os meus pastores
Fui levado pelos meus pais à igreja com oito dias de idade para consagração, há mais de seis décadas. Assim como acontecera com o Menino Jesus. Passei minha infância e adolescência sob total influência da igreja.
Meus heróis eram os meus pastores. Como se vestiam, como falavam, como oravam, como pregavam, como viviam. Eram minhas referências. Mais tarde descobriria que eram também referências exemplares de meus pais. Mamãe orava pedindo a DEUS que Ele me transformasse como um deles.
Não é de se estranhar que, ao final da minha adolescência, estava convicto de um chamado divino e queria ser como um deles.
Solidariedade regada a lágrimas
Um dos aspectos que me marcaram profundamente era ver esses homens, culto após culto, pregação depois de pregação, reunião de oração após reunião de oração, chorando na presença de DEUS, com tal angústia de alma, que terminavam o culto, a pregação, a oração com olhos inchados e vermelhos.
E o que mais me tocava profundamente era o fato de que eles não choravam por causa de suas necessidades materiais – e estas eram inúmeras e sérias – mas era a favor da igreja em geral e das pessoas em particular.
Nas visitas às casas de membros e não membros, doentes, presos, necessitados em geral, que aconteciam regularmente ao longo da semana e excepcionalmente em qualquer dia e hora, também eram marcados com atos de solidariedade que iam desde o choro diante da tragédia, da dificuldade e da tristeza alheia, como o repartir do pouco que tinham, ou até mesmo ficam sem para que o outro pudesse ter sua necessidade mitigada.
Os anos se passaram e o exercício do ministério pastoral foi tomando outras formas, outros matizes. E como ele difere hoje, em termos gerais, em relação do que acontecia há quatro, cinco décadas atrás!
Chamado pastoral versus planos de carreira
O ministério pastoral moderno tornou-se profissional. Pouco se fala em chamado. Quase nenhuma preocupação com a vocação. O encanto do chamado e a inspiração da vocação, premissas fundamentais para o exercício ministerial, deram lugar a projetos de sucessão familiar e planos de carreira inspirados em exercícios bi-vocacionais.
Os desafios da Igreja-Empresa passaram a exigir homens e mulheres “profissas”, capazes de administrar com eficiência, pragmatismo e competência, como em qualquer outra atividade que precisa ser auto-sustentável, para não dizer lucrativa.
O trato cotidiano das mazelas existenciais, o lidar intenso com a dor, o choro, a tristeza, as perdas, os infortúnios, as desgraças alheias, são hoje tratadas com parcimônia e o mínimo de envolvimento emocional e afetivo. Somente o indispensável para dar um toque de humanidade e manter uma salutar impressão de sensibilidade.
Chorar é coisa rara para um pregador hoje?
Não se costuma ver hoje um pregador chorando no púlpito enquanto transmite sua mensagem. Coisa rara. A gente fica até assustada e sem saber o que fazer de tão incomum que é.
A mensagem é, via de regra, consubstanciada com todos os recursos necessários de embasamento técnico e teológico (nem sempre exegético e muito menos doutrinário), extraídos de fontes respeitáveis, geralmente pelo eficiente processo “Ctrl C, Ctrl V”.
Faz sentido isso.
Pois raramente essa mensagem é gerada com dores de parto, ao longo de horas a sós na presença de DEUS, na quietude do quarto fechado, joelhos no chão, gemidos de alma.
Os pastores da minha adolescência não tinham bibliografia alguma, nenhum comentário bíblico, um ou outro possuía uma surrada “Chave Bíblica” – olhe lá! – nem compêndios, muito menos recursos de Internet, Google, sites especializados.
Eu me lembro de um deles, citando um autor de que não me lembro, afirmar que, “aquele que orou bem, se preparou bem”. E assim, na dependência de DEUS, o Espírito Santo os conduzia como canais, como verdadeiros instrumentos.
Discursos empolgados, mas quase sempre com olhos secos
As orações de hoje se contrapõem às de outrora. Discursos empolgados, inflamados, alguns absurdamente gritados. Mas quase sempre com olhos secos. Com gritos, mas sem gemidos. Com empolgação, mas sem intercessão.
Por isso, pastores de outrora eram homens de olhos molhados pelas lágrimas. Lágrimas de quem entendia a essência do ministério. De quem carregava, como Jesus, os pecados do rebanho e por ele, intercedia como Moisés, disposto a renunciar à vida, caso DEUS não fosse atender tal intercessão.
Hoje predomina o ministério de olhos secos. Secos de lágrimas. Secos de comprometimento. Secos de solidariedade.
O Jesus que chorou ao avistar Jerusalém, chorou diante das irmãs de Lázaro – e deve ter chorado outras tantas vezes quando a Palavra diz que “Ele foi movido de íntima compaixão” – espera seguidores que não exerçam um ministério de olhos secos.
• Sergio Fortes é formado em teologia, direito e administração, sendo mestrando em Ciência das Religiões. Atua como Consultor em logística e assuntos estratégicos. Serve como leigo na Igreja Batista Central de São Bernardo do Campo.
Leia mais
Não quero cantar canções de alegria quando é tempo de cantar canções de tristeza [Elben César]
Cantil de lágrimas
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