Opinião
- 03 de novembro de 2016
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Pastor não é uma vítima
Nos últimos tempos temos recebido várias mensagens e estatísticas sobre o sofrimento do pastor. Elas podem ser uteis como um alerta, mas precisamos ter cuidado em como as encaramos. Sou pastor, filho de pastor, irmão de pastor, sobrinho de pastor. Eu sei, pela experiência pessoal e pela descrição das Escrituras, que há sofrimentos no ministério pastoral, momentos de solidão e stress. Entendo que ser pastor só é possível graças à ação sobrenatural de Deus nos capacitando com seu Espírito.
Na minha juventude tive algo parecido com o que se chama hoje de depressão. Eu me sentia pressionado pela faculdade de Direito, pela expectativa da igreja, pela pressão de ser filho de pastor, pela falta de dinheiro. Mas meu problema era que tinha passado por uma decepção amorosa, eu estava muito triste pelo fim de um namoro. Eu na verdade estava em um curso muito bom na faculdade, tinha uma igreja que me amava, uma família maravilhosa, muitos amigos, um Deus sempre presente e meus pais faziam tudo para que não me faltasse nada. Mas eu culpei a muitas coisas e a muitas pessoas que não eram responsáveis pelo meu sofrimento e a minha tristeza. E isto pode acontecer com um pastor.
Precisamos tomar cuidado com a vitimização do pastor.
Primeiro, porque algumas destas estatísticas sobre pastores foram feitas nos Estados Unidos pela internet e não temos acesso as variáveis desta pesquisa e nem as circunstancias em que foram feitas. Elas podem ser verdade, mas dentro do contexto em que foram realizadas. Estas estatísticas não nos informam a causa exata de cada caso e corremos o risco de colocar na conta do peso do ministério pastoral a depressão de alguns ministros e não na conta de outros fatores.
Segundo, porque se fizermos levantamento estatístico de outros segmentos de trabalho encontraremos números expressivos também. Imaginem que uma pesquisa pode constatar que os mecânicos também sofrem acusações injustas, insatisfação de clientes, excesso de trabalho, poucas férias, dificuldades financeiras, frustrações emocionais, conflitos no casamento, etc. Ou imaginem uma pesquisa entre médicos que atendem no SUS, ou de professores da rede pública, tenho até medo dos resultados. Vamos além e imaginemos uma pesquisa feita entre os pobres do Brasil e veremos gente muito sofrida, milhões de brasileiros madrugando para trabalhar, com pouco tempo de sono, pouco salário, poucas férias. O número de divórcios, de suicídios, de drogados e de depressivos é enorme e demonstra que há sofrimento em todos os seguimentos, mesmo que em diferentes graus. O sofrimento é um problema no mundo.
Terceiro, porque muitos dos sofrimentos em alguns casos de depressão e suicídio no ministério, e isto precisa ser dito, tem mais haver com pecados morais não confessados, escândalos flagrados, do que com maus tratos da igreja e uma desumana exigência no ministério pastoral. Um exemplo: um pastor se matou após ser flagrado traindo sua esposa. O fato é que o excesso de trabalho pode gerar stress, mas o pecado, a preguiça, a desorganização ministerial, a falta de vida devocional e comunhão com Deus também produzem stress, tristeza e depressão. Outros casos de situações extremas de tristeza e até suicídio foram causados na verdade por patologias, distúrbios, etc.
Quarto, porque o que se dispõe servir ao Senhor no ministério deve estar plenamente consciente do preço que isto exige. Ele deve ser honesto em admitir seus sofrimentos e deve trata-los, mas ele não deve agir como se fosse injustiçado por Deus e uma vítima do mundo e da igreja. Observemos a estatística dos sofrimentos que Paulo faz de seu ministério em 2 Coríntios 11 e daremos graças a Deus pelas bênçãos que temos em nossos ministérios.
Quinto, porque se o pastor se ver como um segmento que sofre mais do que os outros, poderá se amargurar e perder a alegria em servir ao Senhor. Um pastor com autocomiseração poderá se envolver em válvulas de escape para o stress como vícios e impureza sexual na justificativa de aliviar seus sofrimentos, na ideia de que ele merece extravasar suas dores e compensar de alguma forma seu auto sacrifício pelo Senhor. Um pastor pode se envolver com pornografia, prostituição, vícios, ociosidade na frente na TV, na justificativa que está precisando aliviar sua tensão. E o pecado na vida do pastor gera tristeza, que pode se tornar desanimo, e daí em diante.
Importante afirmar que eu acredito na depressão, ela existe mesmo, é grave, é urgente seu tratamento e não pode ser subestimada. Pessoas depressivas, muitas vezes, não tem isto ou aquilo, ou sentem isto ou aquilo, elas não têm nada, não sentem nada, se abatem completamente. Muitas não são proativas, não se auto classificam, elas não estão por aí falando de suas dores. O silêncio e a discrição podem esconder muitas vidas sucumbindo por aí.
Não devemos ignorar as lutas e os problemas dos pastores, e devemos ser sensíveis aos que estão sofrendo e não precipitados em emitir algum julgamento. Mas o ponto é que devemos evitar olhar para o ministério pastoral hoje como um desafio mais difícil do que em gerações passadas ou como uma função feita por heróis que se esforçam mais do que os demais crentes não pastores. O ponto é que devemos evitar toda a raiz de amargura no ministério, é uma grande honra servir ao Senhor.
Um pastor precisa ter cuidado com o perigo da insatisfação e descontentamento. Estamos vivendo uma época em que está na moda a vitimização. Nós pastores e aspirantes ao pastorado não podemos cair neste erro. Não estamos escolhendo o caminho mais fácil, se quisermos mesmo trabalhar para nosso Deus. Achamos que a comida do outro é melhor, comparamos e nos insatisfazemos. Servir a Deus tem lutas, privações, cruz, perseguições, fome, nudez, perigo, espada, preconceito, simplicidade.
Por vezes, podemos ser tentados a achar que servir a Deus não é o melhor, a achar melhor assistir a obra de Deus ao invés de calejarmos nossas mãos e perdermos a chance de enriquecermos, de aproveitarmos a vida, servindo em sua ingrata e difícil obra. Lutei contra estes sentimentos muito tempo, sentia o chamado de Deus para me dedicar integralmente a sua obra, mas temia o ônus e o cálice amargo que julgava já experimentar com a vida de meus pais na obra.
Após Jesus dizer a seus discípulos que seria difícil para os ricos entrarem no reino dos céus (Mc 10.23), Pedro disse: “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos” (verso 28). Podemos perceber que Jesus identificou certa autocomiseração em suas palavras. Como afirma John Piper, o que Ele disse a Pedro já fez com que milhares de missionários deixassem tudo em seus países de origem para seguir a Cristo nos lugares mais desafiadores do mundo: “Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna...” Mc 10:29-30.
Pastor não é uma vítima, é um privilegiado escolhido por Deus para viver a honra de não apenas crer nele, mas de sofrer por ele. Ser pastor é um trabalho sobre-humano, mas não desumano, porque temos um Deus Sobrenatural nos capacitando.
Quero dizer aos candidatos ao ministério que ser pastor é um dos maiores privilégios que Deus pode dar a um ser humano e não um penoso castigo. Não deixe nenhuma estatística te desanimar deste chamado tão nobre. Abrace de cabeça este caminho se sente esta vocação, se seus dons comprovam sua vocação e se sua igreja reconhece sua vocação. Atente para o que estas estatísticas apontam, para se prevenir, para se preparar, mas jamais desista do ministério que Deus colocou em suas mãos. Viva de tal forma que possa ouvir da boca do próprio Deus a sentença: “Servo bom e fiel, foste fiel no pouco sobre o muito te colocarei, entra no descanso do teu Senhor” (Mateus 25). Aconselho lerem o edificante artigo de John Piper: 30 motivos pelos quais é grandioso ser um pastor.
Estou enfrentando minhas lutas agora, e se Deus não for comigo jamais conseguirei continuar sendo pastor e abençoar alguém. Mas eu creio no meu Redentor, sou feliz pelo privilégio de servi-lo, colocarei diante dele minhas dificuldades, e seguirei servindo-o, não existe outro caminho para mim.
Tiago Leite, pastor na Igreja Cristã Evangélica Águas Claras em Brasília (DF), vice-presidente da ICEB e doutorando em Ministério pelo Centro de Pós Graduação Andrew Jumper na Universidade Mackenzie (SP).
Foto: Stefan Kunze/Unsplash
Leia também:
O caminho sombrio para o sucídio de pastores
Saúde integral e fé cristã
Na minha juventude tive algo parecido com o que se chama hoje de depressão. Eu me sentia pressionado pela faculdade de Direito, pela expectativa da igreja, pela pressão de ser filho de pastor, pela falta de dinheiro. Mas meu problema era que tinha passado por uma decepção amorosa, eu estava muito triste pelo fim de um namoro. Eu na verdade estava em um curso muito bom na faculdade, tinha uma igreja que me amava, uma família maravilhosa, muitos amigos, um Deus sempre presente e meus pais faziam tudo para que não me faltasse nada. Mas eu culpei a muitas coisas e a muitas pessoas que não eram responsáveis pelo meu sofrimento e a minha tristeza. E isto pode acontecer com um pastor.
Precisamos tomar cuidado com a vitimização do pastor.
Primeiro, porque algumas destas estatísticas sobre pastores foram feitas nos Estados Unidos pela internet e não temos acesso as variáveis desta pesquisa e nem as circunstancias em que foram feitas. Elas podem ser verdade, mas dentro do contexto em que foram realizadas. Estas estatísticas não nos informam a causa exata de cada caso e corremos o risco de colocar na conta do peso do ministério pastoral a depressão de alguns ministros e não na conta de outros fatores.
Segundo, porque se fizermos levantamento estatístico de outros segmentos de trabalho encontraremos números expressivos também. Imaginem que uma pesquisa pode constatar que os mecânicos também sofrem acusações injustas, insatisfação de clientes, excesso de trabalho, poucas férias, dificuldades financeiras, frustrações emocionais, conflitos no casamento, etc. Ou imaginem uma pesquisa entre médicos que atendem no SUS, ou de professores da rede pública, tenho até medo dos resultados. Vamos além e imaginemos uma pesquisa feita entre os pobres do Brasil e veremos gente muito sofrida, milhões de brasileiros madrugando para trabalhar, com pouco tempo de sono, pouco salário, poucas férias. O número de divórcios, de suicídios, de drogados e de depressivos é enorme e demonstra que há sofrimento em todos os seguimentos, mesmo que em diferentes graus. O sofrimento é um problema no mundo.
Terceiro, porque muitos dos sofrimentos em alguns casos de depressão e suicídio no ministério, e isto precisa ser dito, tem mais haver com pecados morais não confessados, escândalos flagrados, do que com maus tratos da igreja e uma desumana exigência no ministério pastoral. Um exemplo: um pastor se matou após ser flagrado traindo sua esposa. O fato é que o excesso de trabalho pode gerar stress, mas o pecado, a preguiça, a desorganização ministerial, a falta de vida devocional e comunhão com Deus também produzem stress, tristeza e depressão. Outros casos de situações extremas de tristeza e até suicídio foram causados na verdade por patologias, distúrbios, etc.
Quarto, porque o que se dispõe servir ao Senhor no ministério deve estar plenamente consciente do preço que isto exige. Ele deve ser honesto em admitir seus sofrimentos e deve trata-los, mas ele não deve agir como se fosse injustiçado por Deus e uma vítima do mundo e da igreja. Observemos a estatística dos sofrimentos que Paulo faz de seu ministério em 2 Coríntios 11 e daremos graças a Deus pelas bênçãos que temos em nossos ministérios.
Quinto, porque se o pastor se ver como um segmento que sofre mais do que os outros, poderá se amargurar e perder a alegria em servir ao Senhor. Um pastor com autocomiseração poderá se envolver em válvulas de escape para o stress como vícios e impureza sexual na justificativa de aliviar seus sofrimentos, na ideia de que ele merece extravasar suas dores e compensar de alguma forma seu auto sacrifício pelo Senhor. Um pastor pode se envolver com pornografia, prostituição, vícios, ociosidade na frente na TV, na justificativa que está precisando aliviar sua tensão. E o pecado na vida do pastor gera tristeza, que pode se tornar desanimo, e daí em diante.
Importante afirmar que eu acredito na depressão, ela existe mesmo, é grave, é urgente seu tratamento e não pode ser subestimada. Pessoas depressivas, muitas vezes, não tem isto ou aquilo, ou sentem isto ou aquilo, elas não têm nada, não sentem nada, se abatem completamente. Muitas não são proativas, não se auto classificam, elas não estão por aí falando de suas dores. O silêncio e a discrição podem esconder muitas vidas sucumbindo por aí.
Não devemos ignorar as lutas e os problemas dos pastores, e devemos ser sensíveis aos que estão sofrendo e não precipitados em emitir algum julgamento. Mas o ponto é que devemos evitar olhar para o ministério pastoral hoje como um desafio mais difícil do que em gerações passadas ou como uma função feita por heróis que se esforçam mais do que os demais crentes não pastores. O ponto é que devemos evitar toda a raiz de amargura no ministério, é uma grande honra servir ao Senhor.
Um pastor precisa ter cuidado com o perigo da insatisfação e descontentamento. Estamos vivendo uma época em que está na moda a vitimização. Nós pastores e aspirantes ao pastorado não podemos cair neste erro. Não estamos escolhendo o caminho mais fácil, se quisermos mesmo trabalhar para nosso Deus. Achamos que a comida do outro é melhor, comparamos e nos insatisfazemos. Servir a Deus tem lutas, privações, cruz, perseguições, fome, nudez, perigo, espada, preconceito, simplicidade.
Por vezes, podemos ser tentados a achar que servir a Deus não é o melhor, a achar melhor assistir a obra de Deus ao invés de calejarmos nossas mãos e perdermos a chance de enriquecermos, de aproveitarmos a vida, servindo em sua ingrata e difícil obra. Lutei contra estes sentimentos muito tempo, sentia o chamado de Deus para me dedicar integralmente a sua obra, mas temia o ônus e o cálice amargo que julgava já experimentar com a vida de meus pais na obra.
Após Jesus dizer a seus discípulos que seria difícil para os ricos entrarem no reino dos céus (Mc 10.23), Pedro disse: “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos” (verso 28). Podemos perceber que Jesus identificou certa autocomiseração em suas palavras. Como afirma John Piper, o que Ele disse a Pedro já fez com que milhares de missionários deixassem tudo em seus países de origem para seguir a Cristo nos lugares mais desafiadores do mundo: “Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna...” Mc 10:29-30.
Pastor não é uma vítima, é um privilegiado escolhido por Deus para viver a honra de não apenas crer nele, mas de sofrer por ele. Ser pastor é um trabalho sobre-humano, mas não desumano, porque temos um Deus Sobrenatural nos capacitando.
Quero dizer aos candidatos ao ministério que ser pastor é um dos maiores privilégios que Deus pode dar a um ser humano e não um penoso castigo. Não deixe nenhuma estatística te desanimar deste chamado tão nobre. Abrace de cabeça este caminho se sente esta vocação, se seus dons comprovam sua vocação e se sua igreja reconhece sua vocação. Atente para o que estas estatísticas apontam, para se prevenir, para se preparar, mas jamais desista do ministério que Deus colocou em suas mãos. Viva de tal forma que possa ouvir da boca do próprio Deus a sentença: “Servo bom e fiel, foste fiel no pouco sobre o muito te colocarei, entra no descanso do teu Senhor” (Mateus 25). Aconselho lerem o edificante artigo de John Piper: 30 motivos pelos quais é grandioso ser um pastor.
Estou enfrentando minhas lutas agora, e se Deus não for comigo jamais conseguirei continuar sendo pastor e abençoar alguém. Mas eu creio no meu Redentor, sou feliz pelo privilégio de servi-lo, colocarei diante dele minhas dificuldades, e seguirei servindo-o, não existe outro caminho para mim.
Tiago Leite, pastor na Igreja Cristã Evangélica Águas Claras em Brasília (DF), vice-presidente da ICEB e doutorando em Ministério pelo Centro de Pós Graduação Andrew Jumper na Universidade Mackenzie (SP).
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