Opinião
- 02 de abril de 2009
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Páscoa gospel: crentes vendidos como gado...
Derval Dasilio
À véspera da Páscoa, Jesus encontra no templo (“hieros”) a religião transformada em comércio. Chegamos ao ponto nevrálgico da revolta de Jesus. O templo é secretaria fazendária, comitê político-partidário servindo ao poder dominador, banco e loja religiosa, “emporion” de clientela cativa; a religião é compulsiva ou indutiva. É quando bem-aventurança passa a ser vendida no altar e lideranças se esforçam na pregação do deus subornável, “deus ex machina”, capaz de resolver qualquer problema financeiro, emocional ou existencial.
Hoje, tempo pascal, o público evangélico é freguês das lideranças evangélicas carismáticas. A religião de mercado se impõe. Pragmáticos e gananciosos, ideólogos da prosperidade comprada no altar imaginam que são cabos eleitorais, empresários e mercadores e orientam o povo para a ganância, com muita diversão: o evangelho até dá samba! E o pessoal se diverte muito. O verão é comemorado, a festa atravanca o trânsito de sexta a domingo: Viva o verão! O deus sol é exaltado novamente na praia. Bandas gospel, divas e “divos” da música carismática cantam um Jesus coberto de melado, fazendo propaganda eleitoral. A fina flor evangélica comparece, estacionando seus carros bacanas nas ruas próximas, gozo de flanelinhas. Candidatos à reconversão vêm da periferia, também, aos borbotões. De ônibus, claro. Porque as comunidades pobres, sem brilho moderno, desqualificadas pelo conversionismo de luxo, também não conseguem fixá-los na vida de fé. Os pastores da igreja milionária encarregam-se da bricolagem evangélica.
Três dias de “conversões” e “vidas transformadas”. Claro, não se pode exigir que hinos clássicos comovam jovens sentados na areia, agarradinhos. Hinos como “Jesus, alegria dos homens”, do protestante Johann Sebastian Bach, não são viáveis para a cultura gospel: harmonias complexas, contrapontos marcados, litania envolvente e profunda, proclamando a fé, enquanto o povo congregado responde “in toto” o que ouviu. “É Jesus minha alegria, meu prazer, consolo e paz!” “Muito clássico! Meu prazer é Aline Barros e Oficina G3” -- fala a jovem carismática e lacrimosa.
Pastores e psicanalistas, em barracas montadas nas proximidades, atendem a garotada em estado de êxtase, aos prantos, pele arrepiada e tremida: jovens acabaram de conhecer Jesus pelas vísceras! Recebem conselhos e são cadastrados. Que não ousem aparecer os totens da MPB, como Milton Nascimento. Seriam vaiados, como representantes de música profana, do mesmo modo que chiques e famosos vaiaram João Gilberto no Credicard Hall. Não cabem no marketing das diversões evangélicas. Rappers, sim.
Caricaturas protestantes, praias famosas e centros de convenções são alugados ou cedidos ao público especial. Comparecem a elite evangélica, o prefeito, o deputado, o senador e até o governador nem morno nem quente, não importa se comprometidos, expondo-se no cenário do crime organizado. O advogado acusado de roubar 300 milhões do erário preso com a Bíblia em punho; o juiz processado por assassinato do colega que o investigava por venda de sentenças em conluio com desembargadores, presos e soltos pela “justiça”; pastores e lideranças evangélicas peso-pesado marcam presença. Perderam o trem da história, dedicando-se à luta inglória pela “doutrina protestante” e à propagação do fundamentalismo do protestantismo de missões, instrumentalizado no serviço das eclesiologias recentes. Banqueiros, supermercadistas, agiotas, financistas, comerciantes, corruptos -- bem-vindos! São bem divertidas as festas gospel. O proselitismo, agora, é prático. Entre os próprios evangélicos. O novo rosto evangélico marqueteiro e político elege políticos evangélicos, vende discos e relíquias em CD. Ninguém é bobo. Protestantes históricos permanecem perplexos, mas apoiam a modernidade gospel. É pra rir ou pra chorar?
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
À véspera da Páscoa, Jesus encontra no templo (“hieros”) a religião transformada em comércio. Chegamos ao ponto nevrálgico da revolta de Jesus. O templo é secretaria fazendária, comitê político-partidário servindo ao poder dominador, banco e loja religiosa, “emporion” de clientela cativa; a religião é compulsiva ou indutiva. É quando bem-aventurança passa a ser vendida no altar e lideranças se esforçam na pregação do deus subornável, “deus ex machina”, capaz de resolver qualquer problema financeiro, emocional ou existencial.
Hoje, tempo pascal, o público evangélico é freguês das lideranças evangélicas carismáticas. A religião de mercado se impõe. Pragmáticos e gananciosos, ideólogos da prosperidade comprada no altar imaginam que são cabos eleitorais, empresários e mercadores e orientam o povo para a ganância, com muita diversão: o evangelho até dá samba! E o pessoal se diverte muito. O verão é comemorado, a festa atravanca o trânsito de sexta a domingo: Viva o verão! O deus sol é exaltado novamente na praia. Bandas gospel, divas e “divos” da música carismática cantam um Jesus coberto de melado, fazendo propaganda eleitoral. A fina flor evangélica comparece, estacionando seus carros bacanas nas ruas próximas, gozo de flanelinhas. Candidatos à reconversão vêm da periferia, também, aos borbotões. De ônibus, claro. Porque as comunidades pobres, sem brilho moderno, desqualificadas pelo conversionismo de luxo, também não conseguem fixá-los na vida de fé. Os pastores da igreja milionária encarregam-se da bricolagem evangélica.
Três dias de “conversões” e “vidas transformadas”. Claro, não se pode exigir que hinos clássicos comovam jovens sentados na areia, agarradinhos. Hinos como “Jesus, alegria dos homens”, do protestante Johann Sebastian Bach, não são viáveis para a cultura gospel: harmonias complexas, contrapontos marcados, litania envolvente e profunda, proclamando a fé, enquanto o povo congregado responde “in toto” o que ouviu. “É Jesus minha alegria, meu prazer, consolo e paz!” “Muito clássico! Meu prazer é Aline Barros e Oficina G3” -- fala a jovem carismática e lacrimosa.
Pastores e psicanalistas, em barracas montadas nas proximidades, atendem a garotada em estado de êxtase, aos prantos, pele arrepiada e tremida: jovens acabaram de conhecer Jesus pelas vísceras! Recebem conselhos e são cadastrados. Que não ousem aparecer os totens da MPB, como Milton Nascimento. Seriam vaiados, como representantes de música profana, do mesmo modo que chiques e famosos vaiaram João Gilberto no Credicard Hall. Não cabem no marketing das diversões evangélicas. Rappers, sim.
Caricaturas protestantes, praias famosas e centros de convenções são alugados ou cedidos ao público especial. Comparecem a elite evangélica, o prefeito, o deputado, o senador e até o governador nem morno nem quente, não importa se comprometidos, expondo-se no cenário do crime organizado. O advogado acusado de roubar 300 milhões do erário preso com a Bíblia em punho; o juiz processado por assassinato do colega que o investigava por venda de sentenças em conluio com desembargadores, presos e soltos pela “justiça”; pastores e lideranças evangélicas peso-pesado marcam presença. Perderam o trem da história, dedicando-se à luta inglória pela “doutrina protestante” e à propagação do fundamentalismo do protestantismo de missões, instrumentalizado no serviço das eclesiologias recentes. Banqueiros, supermercadistas, agiotas, financistas, comerciantes, corruptos -- bem-vindos! São bem divertidas as festas gospel. O proselitismo, agora, é prático. Entre os próprios evangélicos. O novo rosto evangélico marqueteiro e político elege políticos evangélicos, vende discos e relíquias em CD. Ninguém é bobo. Protestantes históricos permanecem perplexos, mas apoiam a modernidade gospel. É pra rir ou pra chorar?
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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