Opinião
- 22 de agosto de 2008
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Pascal e as razões do coração
João Heliofar de Jesus Villar
Quem leu a revista Veja, edição de 18 de junho, encontrou a entrevista do matemático John Allen Paulos, que escreveu o livro Irreligion, para demonstrar que os argumentos clássicos que sustentam a existência de Deus são absolutamente inconsistentes do ponto de vista lógico. Nas respostas dadas nas páginas amarelas, ele garante que se as pessoas gostassem mais de matemática, “pensariam com mais rigor. Isso faria com que pusessem suas crenças em xeque”.
A opinião do matemático é interessante, porque reflete uma concepção comum no meio acadêmico: a de que a fé normalmente é filha da falta de reflexão intelectual mais madura. Houvesse maior rigor lógico no pensamento da massa, a fé tenderia a desaparecer.
Esse ponto de vista de que o crente não pensa com rigor, e só por isso permanece crente, não é incomum no pensamento secular, especialmente na classe culta. Segundo esse paradigma as pessoas acreditam em Deus porque lêem muito pouco. No final das contas a fé decorre de um problema de falta de conhecimento.
A base para essa postura não decorre da irrazoabilidade dos argumentos favoráveis à existência de Deus, todos perfeitamente plausíveis. É que, ainda que razoáveis, esses argumentos não oferecem a prova definitiva que satisfaria um investigador que seguisse rigorosamente o método científico ou o raciocínio lógico.
Mas não vamos nos ocupar disso. A discussão entre ateus e crentes, já observou Donald Miller, está ficando cansativa e há muito deixou de ser sobre Deus e se tornou mais um espetáculo de ostentação onde cada lado procura mostrar que é mais inteligente do que o outro.
A menção ao livro de John Allen Paulos serve apenas de mote para observar que nem o rigor lógico nem o método científico de investigação constituem o instrumento adequado para se buscar a Deus. Talvez a inteligência não seja a ferramenta mais adequada para municiar o explorador que parte nessa aventura de investigação.
É que o objeto de investigação parece não ser um objeto. É alguém que, ao que tudo indica, não está disposto a ser esquadrinhado pela inteligência fria e objetiva, própria da investigação científica. É interessante notar a afirmação de Isaías 45.15 ao Deus que se oculta, o Deus Absconditus. Neste tempo, em que alguns líderes cristãos se sentem tão seduzidos pelo brilho espetacular da inteligência secular, é importante afirmar a impotência dessa ferramenta para perscrutar as coisas de Deus.
O intelecto humano é incapaz de, por si só, encontrar a Deus. Se há alguém por trás da cortina do mundo material, não será descoberto pelos nossos sentidos ou pelo exercício do pensamento lógico.
Na história do pensamento humano quem destacou essa verdade com admirável precisão foi Pascal, destaca Edward Tingley, filósofo canadense, num brilhante artigo publicado na edição da revista Touchstone de junho. Segundo Pascal, “é o coração e não a razão que percebe a Deus”.
Quando Pascal fala no coração não está se referindo simplesmente aos sentimentos, que são trapaceiros e nos enganam freqüentemente, mas à convicção que nasce no âmago do ser, que responde a um anseio muito mais profundo que a simples curiosidade intelectual. Ao contrário do que pensa o matemático citado no início deste artigo, não há como pôr em xeque a crença de quem foi convencido no coração, ainda que essa pessoa seja treinada a “pensar com mais rigor”. O autor de Pensamentos adverte contra dois excessos: “excluir a razão; admitir só a razão”; e ao dizer que “o coração tem razões que a própria razão desconhece” não está afirmando a prevalência dos sentimentos, mas tão-somente estabelecendo que o coração tem o poder de conhecer certas realidades que a razão não pode demonstrar.
Talvez quando Deus usa a boca de Jeremias para afirmar que será encontrado por aqueles que o buscam de todo o coração, esteja querendo afirmar que não pretende ser examinado pela curiosidade intelectual de ninguém. O que ele deseja é relacionamento. E relacionamento só é possível quando há encontro de corações.
• João Heliofar de Jesus Villar, 45, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
Quem leu a revista Veja, edição de 18 de junho, encontrou a entrevista do matemático John Allen Paulos, que escreveu o livro Irreligion, para demonstrar que os argumentos clássicos que sustentam a existência de Deus são absolutamente inconsistentes do ponto de vista lógico. Nas respostas dadas nas páginas amarelas, ele garante que se as pessoas gostassem mais de matemática, “pensariam com mais rigor. Isso faria com que pusessem suas crenças em xeque”.
A opinião do matemático é interessante, porque reflete uma concepção comum no meio acadêmico: a de que a fé normalmente é filha da falta de reflexão intelectual mais madura. Houvesse maior rigor lógico no pensamento da massa, a fé tenderia a desaparecer.
Esse ponto de vista de que o crente não pensa com rigor, e só por isso permanece crente, não é incomum no pensamento secular, especialmente na classe culta. Segundo esse paradigma as pessoas acreditam em Deus porque lêem muito pouco. No final das contas a fé decorre de um problema de falta de conhecimento.
A base para essa postura não decorre da irrazoabilidade dos argumentos favoráveis à existência de Deus, todos perfeitamente plausíveis. É que, ainda que razoáveis, esses argumentos não oferecem a prova definitiva que satisfaria um investigador que seguisse rigorosamente o método científico ou o raciocínio lógico.
Mas não vamos nos ocupar disso. A discussão entre ateus e crentes, já observou Donald Miller, está ficando cansativa e há muito deixou de ser sobre Deus e se tornou mais um espetáculo de ostentação onde cada lado procura mostrar que é mais inteligente do que o outro.
A menção ao livro de John Allen Paulos serve apenas de mote para observar que nem o rigor lógico nem o método científico de investigação constituem o instrumento adequado para se buscar a Deus. Talvez a inteligência não seja a ferramenta mais adequada para municiar o explorador que parte nessa aventura de investigação.
É que o objeto de investigação parece não ser um objeto. É alguém que, ao que tudo indica, não está disposto a ser esquadrinhado pela inteligência fria e objetiva, própria da investigação científica. É interessante notar a afirmação de Isaías 45.15 ao Deus que se oculta, o Deus Absconditus. Neste tempo, em que alguns líderes cristãos se sentem tão seduzidos pelo brilho espetacular da inteligência secular, é importante afirmar a impotência dessa ferramenta para perscrutar as coisas de Deus.
O intelecto humano é incapaz de, por si só, encontrar a Deus. Se há alguém por trás da cortina do mundo material, não será descoberto pelos nossos sentidos ou pelo exercício do pensamento lógico.
Na história do pensamento humano quem destacou essa verdade com admirável precisão foi Pascal, destaca Edward Tingley, filósofo canadense, num brilhante artigo publicado na edição da revista Touchstone de junho. Segundo Pascal, “é o coração e não a razão que percebe a Deus”.
Quando Pascal fala no coração não está se referindo simplesmente aos sentimentos, que são trapaceiros e nos enganam freqüentemente, mas à convicção que nasce no âmago do ser, que responde a um anseio muito mais profundo que a simples curiosidade intelectual. Ao contrário do que pensa o matemático citado no início deste artigo, não há como pôr em xeque a crença de quem foi convencido no coração, ainda que essa pessoa seja treinada a “pensar com mais rigor”. O autor de Pensamentos adverte contra dois excessos: “excluir a razão; admitir só a razão”; e ao dizer que “o coração tem razões que a própria razão desconhece” não está afirmando a prevalência dos sentimentos, mas tão-somente estabelecendo que o coração tem o poder de conhecer certas realidades que a razão não pode demonstrar.
Talvez quando Deus usa a boca de Jeremias para afirmar que será encontrado por aqueles que o buscam de todo o coração, esteja querendo afirmar que não pretende ser examinado pela curiosidade intelectual de ninguém. O que ele deseja é relacionamento. E relacionamento só é possível quando há encontro de corações.
• João Heliofar de Jesus Villar, 45, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
45 anos, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
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