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Opinião

Para os seguidores de Calvino, conversas com um reformador

Por Valter Graciano

Uma igreja reformada tem de ser constantemente reformada

“Sou eu, Calvino. Conversar com o Reformador”
é uma obra de um estilo único. Creio que não existe um livro sobre Calvino que use a forma de diálogo, criando um personagem hipotético para formular perguntas ao reformador, e este responde como se enfrentasse uma entrevista com base em seus próprios escritos. No dizer do próprio autor: “Nestas páginas, coloco na boca de Calvino palavras que ele mesmo escreveu em seus muitos livros e palavras que fazem jus ao seu pensamento.” E eu comprovo essa veracidade. O leitor poderá acompanhar o desenvolvimento do livro com as palavras do próprio reformador. Todo o livro mantém uma bela sincronia entre os capítulos e sua abordagem. Como seria estender demais esta apreciação da obra, escolhi como exemplo alguns capítulos cujo título revela a mente impactante do autor, como um grande erudito que é. Por exemplo:

Já na apresentação do autor, o título causa forte impacto na mente do leitor – “Uma Igreja reformada tem de ser constantemente reformada”. Não que a verdade revelada e pela igreja confessada deva ser atualizada; mas, ao contrário, tem de ser aperfeiçoada, não intrinsecamente, mas em sua forma externa em razão de nossa profunda carência de inteligência espiritual e a dificuldade de interpretação. Aí o autor mostra que é a Igreja que tem de ser constantemente reformada, pois sua tendência natural é afastar-se da verdade divina como se deu com o Israel de outros tempos e na própria Idade Média. Daí o slogan: “A Igreja Reformada Sempre Se Reformando.” Aquela Reforma do século dezesseis não foi estática nem final, e sim um ponto de partida que avança a passos firmes em busca da perfeição da Igreja. O autor tem em mente que encontramos nas próprias obras do Reformador os princípios norteadores que conduzirão a igreja atual a uma constante reforma, principalmente suas “Institutas”.

O doutor que não tinha mais fé do que um porco

Temos outro exemplo no capítulo 7 – “O doutor que não tinha mais fé do que um porco”. A mera leitura nos choca e desperta em nós o desejo de ver pessoalmente o que o autor quer dizer com isso. O próprio autor abre um pouco mais o leque e se expressa: “O maligno tem triunfado sobre nós de forma a nos obrigar a abaixar a cabeça.” O leitor verá que aqui ele trata primordialmente da heresia e da apostasia. Pouca coisa ofendia mais o reformador do que ter ele de enfrentar a heresia e a apostasia. Ele não buscou a morte de ninguém, exceto a de um dos maiores hereges da história. De fato, quem conhece bem a sã doutrina tem muita dificuldade em enfrentar os hereges que se apresentam à nossa porta e bem armados. Calvino dá conta ao indagador hipotético que ele era demasiadamente duro com os que se apartavam da fé genuína e da sã doutrina. As palavras do título foram ditas por ele mesmo acerca de um herege. Hoje, não podemos relevar pacificamente as heresias defendidas por pseudo-cristãos. Temos a grande chance de aprender isso com o reformador genebrino.

Dependendo do espelho o ser humano se vê feio demais

Outro exemplo: “Dependendo do espelho o ser humano se vê feio demais”. Aqui ele trata da doutrina da depravação total ou radical do ser humano, tão aversiva para a maioria dos cristãos atuais. Quem simpatizará com uma ideia tão abrupta como essa? E não foi Calvino quem a inventou, senão que ela permeia toda a Santa Escritura e nos mostra no espelho da experiência. Quando o Espírito de Deus regenera um de nós, então este passa a se ver tal como é diante de Deus – um ser miserável e perdido, que necessita da graça do Eterno. Então vem o dístico revelador: “O homem peca com o consentimento de uma vontade pronta e disposta.” Por quê? Porque essa é sua natureza; o ser humano já nasce com ela. Aliás, é composto no útero com todas as moléculas de pai e mãe, que também, por sua vez, herdaram de seus pais pecadores o gérmen do pecado. Essa doutrina é tão bíblica, que o leitor fará bem em ler e reler este capítulo com sua Bíblia aberta com a máxima atenção e reverência, pois esta verdade é dura, porém imutável.

Por que evangelizar se certas pessoas já estão eleitas?

Ainda outro exemplo: “A eleição requer evangelização”. Aliás, não existiria eleição sem que o evangelho de nosso Senhor seja proclamado para que os eleitos se manifestem no exercício daquela fé que é dom de Deus. Daí o dístico do autor: “Se não entrarmos no santuário da sabedoria divina para entender a predestinação, entraremos em um labirinto sem saída.” O evangelho é o dedo que aponta para a saída do labirinto. É por meio da evangelização que os eleitos se manifestam. Foi assim que o Eterno quis fazer. Ao ser interrogado pelo indagador hipotético por que evangelizar se certas pessoas já estão eleitas, ele responde: “Porque evangelização e missões fazem parte da eleição.” Resposta muito sábia, pois a doutrina da eleição se compõe de todos os elementos que levam os eleitos à vida eterna. É preciso tomar a seguinte atitude: Primeiro, a eleição é uma doutrina plenamente bíblica; faz parte da revelação divina; segundo, depois de crer nela, o cristão deve procurar entender todas as partes da salvação do pecador realizadas pelo Espírito de Deus. Esta atitude nos traz grande aumento de fé e maturidade espiritual.

O intuito do autor, ao escrever este livro, foi: primeiro, para que Calvino seja mais conhecido; segundo, para que seus pensamentos teológicos, em seus muitos escritos, sejam lidos e passados para frente, sabendo nós que o reformador não escreveu para ser conhecido e obedecido, mas para que a verdade revelada na Santa Escritura seja conhecida através de suas exposições, e saibamos que “O verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a seguir: não obedecer ao próprio Calvino, mas àquele que era mestre de Calvino” (Carl Barth). Estritamente falando, não somos seguidores de Calvino, e sim do Senhor de toda a igreja da qual Calvino foi um dos maiores defensores.

O leitor descobre em João Calvino um homem plenamente consciente e engajado em sua tarefa de reformar a Igreja. Ele desistiu de tudo quanto porventura é relevante neste mundo para canalizar a totalidade de sua vida numa obra que ele cria ser da máxima importância; ou, melhor, de importância única para esta vida terrena e para a vida celestial. A vida terrena não passa de uma peregrinação rumo à vida celestial. Para ele, seu viver era Cristo e seu reino.

No último capítulo, o leitor lerá as próprias palavras do autor: “Meses depois, estudantes recém-chegados a Genebra foram ao cemitério para visitar o túmulo de Calvino, na certeza de encontrar ali um mausoléu à altura de seu nome. Nada encontraram, nem sequer uma pequena placa com a inscrição: ‘Aqui jaz João Calvino.’ Até hoje, passados 450 anos de sua morte, ninguém sabe, por determinação dele, onde se encontram seus restos mortais.” Esse foi e é João Calvino!

Eu pergunto ao leitor: Acaso não vale a pena ler e reler este precioso “livrinho”, pequeno no porte, sim, porém grande em seu conteúdo, de um dos mais eminentes vultos da história da Igreja Cristã? Tenho certeza de que você vai gostar e continuará buscando mais conhecimento, não só da pessoa e obras de João Calvino, mas, sobretudo, do Senhor e Mestre de João Calvino, a quem ele amou, viveu em seu glorioso serviço e tudo fez para tornar mais conhecido e admirado em sua glória. E conseguiu!

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