Opinião
- 16 de fevereiro de 2022
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Palavra e/ou contextualização fiel, outras religiões, missão urbana
Por Fernanda Schimenes
O livro A Missão da Igreja Hoje é fruto de um curso de introdução à missiologia ministrado pelo autor por 25 anos. O conteúdo teve forte influência da obra Missão Transformadora de David Bosch. De acordo com Goheen, a obra é uma tentativa de produzir um material mais breve e de mais fácil compreensão, porém contemplando todos os tópicos propostos por Bosch. No Brasil, foi publicado pela Editora Ultimato em parceria com o Martureo e o Seminário Teológico Servo de Cristo em 2019.
Além da introdução, o livro tem três partes:
1. Reflexão bíblica e teológica sobre missão;
2. Reflexão história e contemporânea sobre missão;
3. Temas atuais na missão hoje.
Aqui, o resumo da introdução e da primeira parte da obra; e aqui o da segunda parte. A seguir você lê o resumo da parte 3.
Parte 3 – Temas atuais na missão hoje
Capítulo 6 – Missão holística: testemunho na vida, nas palavras e nas ações
Trata, basicamente, do equilíbrio entre pregação e ação na missão. No século 20, houve um grande debate entre as tradições evangélica e ecumênica acerca disso.
As harmonizações propostas na história, conforme o autor apresenta, ainda que: Qual seria a solução? Uma harmonização entre ambas as tradições?
• Reconheçam a importância de palavra e ação, em geral, priorizam uma em detrimento da outra.
• Coloquem palavra e ação no mesmo nível, as enxergam de maneira distinta, como uma dicotomia.
Solução = retorno do evangelho e da missão à maneira de Jesus = evangelho do reino.
“Deveríamos ver o evangelismo e a ação social não como ‘partes ou componentes separados da missão, mas dimensões da missão única e indivisível da Igreja’.” O autor conclui essa primeira parte da reflexão do capítulo 6 dizendo que a missão da igreja deve ser o testemunho, dar o testemunho e proclamar o testemunho.
Goheen, na sequência, fala sobre o evangelismo autêntico, ressaltando que se trata de uma dimensão indispensável da missão da igreja, não podendo ser substituído por obras.
O evangelismo é a proclamação do reino de Deus em Jesus, e Leslie Newbigin alerta que “nosso evangelismo atual quase nunca usa a categoria do reino de Deus”, sendo que “a pregação original do evangelho nos lábios de Jesus era, precisamente, o anúncio da vinda desse reino”.
O evangelismo, também:
• Deve ser contextual, e, portanto, relevante e desafiador;
• Exige que estejamos presentes na vida das pessoas de maneira atraente – “Evangelismo não é gritar de longe”;
• Requer uma comunicação organicamente conectada à vida cotidiana – Por exemplo: crise global está ligada à ganância generalizada e à idolatria coletiva que fazem do crescimento econômico uma meta central cultural;
• Deve fluir de uma comunidade cuja vida demonstra a verdade do evangelho – “Nossas palavras evangelísticas só serão autenticadas pela vida da comunidade cristã”.
No que tange à compaixão e justiça (o capítulo 1 da obra traz dados espantosos de nossos dias), Goheen afirma:
A missão da igreja é participar da missão de Deus de restaurar toda a criação e toda a vida humana. Se o escopo da salvação é tão amplo quanto a criação, nossa participação deve ser igualmente ampla.
Harvie Conn, por sua vez, refere-se à igreja como uma “réplica antecipada da ordem de um novo mundo que ela prega”. E Newbigin completa: “A ação em favor da justiça social é a salvação em ação”.
O último tópico do capítulo fala sobre o chamado dos cristãos na sociedade, e nele destaca-se a importância dos leigos como a interface real entre a igreja e o mundo. A igreja não é um corpo de pessoas reunidas somente para adorar – isso também –, mas é um corpo, um grupo de pessoas inseridas nas sociedades que agem de forma diferente ao ponto de impactar o mundo. Cristãos como “cartas vivas conhecidas e lidas por todos os homens”.
O dualismo – as pessoas não entenderem que são cristãs “24/7” e mudarem de postura quando em ambientes seculares – continua sendo um problema. A congregação local precisa assumir seu papel de treinar e capacitar seus membros, bem como apoiá-los nas suas dificuldades, para serem fiéis no meio da sociedade. Goheen termina lembrando que fidelidade significa sofrimento. Somos chamados a ser diferentes, chamados a resistir à idolatria, e com isso somos também chamados a sofrer.
Capítulo 7 – Contextualização fiel: igreja, evangelho e cultura(s)
O evangelho saiu de um contexto macrocultural (Europa), e hoje a igreja está presente em todas as culturas do mundo. Diante disso, surgem perguntas:
• Como o evangelho se relaciona com esses novos contextos culturais, seja em outros locais geográficos, seja por conta de influências como o pós-modernismo?
• O que é contextualização fiel?
São questões não apenas de missionários interculturais ou estudantes de missão, mas de toda a igreja. Por exemplo: como o cristão que trabalha em um hospital psiquiátrico incorpora fielmente o evangelho quando toda a indústria se baseia em um entendimento humanista defeituoso sobre o ser humano?
Para Leslie Newbigin: “A igreja, como portadora do evangelho, vive numa estrutura de plausibilidade da qual discorda, e a qual questiona, (…) sem exceção”.
Diante disso, Goheen cita a frase de Martim Lutero: “O evangelho é como um leão enjaulado; ele não precisa ser defendido, apenas liberado”. Tal ilustração introduz a descrição de quatro jaulas muito comuns que precisam ser eliminadas para uma contextualização fiel: etnocentrismo X relativismo; sincretismo X irrevelância.
Etnocentrismo: visão de mundo em que uma expressão cultural do evangelho é considerada normativa para todos. O evangelho e sua forma cultural não são distintos. (Essa jaula foi bem comum durante o colonialismo.)
Relativismo: nenhuma expressão cultural pode ser julgada boa ou ruim pela Escritura ou pela igreja proveniente de outra cultura. Não há critério para julgar as manifestações fiéis ou infiéis do evangelho.
• Como a igreja pode ser fiel a um único evangelho (sem cair no etnocentrismo) e aceitar expressões culturais (sem cair no relativismo)?
Sincretismo: o evangelho é absorvido por formas, estruturas e categorias idólatras da cultura e, consequentemente, fica comprometido.
Irrelevância: o evangelho perde a sua autoridade de boas-novas por não ser bem comunicado adequadamente à cultura. Isso resulta da tentativa de ser fiel ao evangelho apegando-se a formas antigas ou estrangeiras do evangelho.
• Como podemos ser fiéis ao evangelho (sem sermos irrelevantes), e relevantes para a cultura (sem sermos sincretistas)?
Respostas às duas questões anteriormente colocadas são dadas valendo-se do evangelho de João como exemplo, que chega a uma expressão autêntica no contexto local e, ao mesmo tempo, o transforma de maneira profética. “Toda linguagem evangelística deve estar familiarizada e em desacordo com a cultura.”
Por conta de o evangelho ser traduzível, ele sempre assumirá alguma forma cultural. Já nos três primeiros séculos, havia uma pluralidade de expressões dele: judaica, grega, bárbara, trácia, egípcia e romana (igreja apostólica); e siríaca, grega, romana, egípcia, etíope etc. (pós-apostólica).
No período medieval, a igreja europeia ganhou poder. Houve, então, uma tendência a uma encarnação macrocultural do evangelho, um esforço por uma “uniformidade oficial”. Os séculos 15 e 16, época dos descobrimentos, fizeram as missões fora da Europa avançarem, e a questão da relação do evangelho com as culturas ganhou força, principalmente com os missionários interculturais jesuítas. No século 19, os questionamentos foram levantados mais uma vez pelas missões protestantes no movimento missionário moderno. Dois exemplos (dentre muitos):
• Como comunicar quem é Jesus dentro de uma cultura hindu em que o termo “senhor” (swami) também é utilizado para outros 330 milhões de “swamis”?
• Como alguém traduz a palavra “pecado” para a cultura japonesa, que é baseada na vergonha, na qual a palavra mais próxima significa algo como “imprudente”?
Além das questões relativas à tradução da Bíblia, certas práticas sociais, culturais e morais (a poligamia, por exemplo), também levantaram questionamentos sobre como o evangelho e a cultura se relacionam. A forma de adoração e de liturgia, bem como questões em torno da teologia, também exigem novas reflexões.
E Newbigin adverte:
Nenhum apelo [a credos e confissões] pode alterar o fato de que a igreja tem de declarar em cada nova geração [e em cada nova cultura] o modo como interpreta a fé histórica, e como a relaciona com o novo pensamento e a experiência de seu tempo.
Como deve, então, se dar a contextualização hoje? Antes de Goheen expor dois modelos, ele fala de seis pontos gerais de consenso quanto à contextualização.
1. Nenhuma expressão singular no evangelho deve ser universalmente normativa.
2. A contextualização deve ser abrangente.
3. Deve ser preocupação de todas as igrejas em todas as partes do mundo.
4. É um processo contínuo.
5. É constitutiva do evangelho.
6. É o evangelho que deve ser contextualizado, não um sistema teológico ou ensino religioso.
Em relação aos modelos, ele apresenta o de tradução e o antropológico, os dois que estão em lados opostos do espectro.
Por fim, o capítulo traz elementos a serem considerados em uma compreensão fiel da contextualização.Ambos os modelos têm pontos fortes e fracos. O de tradução enfatiza a redenção, a mensagem cristológica, mas não leva em conta a cultura local, e a comunicação do evangelho, muitas vezes, torna-se irrelevante à cultura. O modelo antropológico, por sua vez, enfatiza a criação (cultura é boa, cenário da obra de Deus), a revelação geral, contudo tende a um sincretismo, aceitando de forma acrítica questões locais.
Cruzamento entre evangelho e cultura. “Contextualização não é o exercício teórico de relacionar duas entidades, evangelho e cultura, em vez disso, é a tarefa diária concreta de encontrar maneiras de viver fielmente o evangelho em todo o aspecto da vida humana em meio a uma cultura moldada por um conjunto diferente de crenças religiosas.”
O primeiro compromisso é com o evangelho e a história bíblica. “A narrativa cultural e sua expressão vivida devem ser avaliadas do ponto de vista da Escritura, não o contrário.”
Encontro missionário com a cultura. “Toda a cultura é moldada por crenças idólatras centrais, mas, ao mesmo tempo, é um lugar onde ainda há muita coisa boa a ser descoberta.”
Para um discernimento dessa idolatria, o autor sugere um diálogo tríplice:
1. Interconfessional
2. Intercultural
3. Inter-histórico
E, por fim, a contextualização é um processo contínuo. A tarefa nunca estará completa.
Capítulo 8 – Rumo a uma missiologia da cultura ocidental
Dada a influência da cultura ocidental no mundo globalizado, e o engano de que seria uma cultura “cristianizada”, é urgente desenvolver uma missiologia dessa cultura. Para Newbigin, inclusive, é a tarefa mais urgente da igreja universal.
• É necessário um encontro missionário com a cultura ocidental.
• As crenças fundamentais compartilhadas precisam ser desafiadas.
• A igreja deve oferecer o evangelho como história, como um modo de vida alternativo e crível.
• A vida e a postura da igreja indicam a necessidade de uma conversão radical para uma vida à luz desse evangelho.
Por que a igreja no Ocidente não assume essa postura de um encontro missionário?
• Não tem distância crítica de sua própria cultura.
• Mito de uma cultura cristã anestesia a mente da igreja no Ocidente.
• Mito de uma sociedade secular ou pluralista neutra.
“A fé humanista do Ocidente é uma fé religiosa poderosa que não tolera rivais. Mas tem um rosto sorridente: oferece paz, privilégio, prosperidade (…).”
Há, portanto, um encargo teológico de liberar o evangelho que envolve estes cinco pontos inter-relacionados
1. Tomar posse do evangelho como verdade absoluta – É especialmente na vida, morte e ressurreição de Jesus que entendemos a verdade sobre o mundo.
2. Apegar-se ao evangelho como história verdadeira – Ela oferece o contexto para o significado de toda a vida em sua totalidade canônica (metanarrativa).
3. Considerar o escopo completo do evangelho – Uma história universal que tem direito completo sobre a nossa vida (individual e comunal, social e cultural) e sobre a vida de todos os povos.
4. Considerar a natureza de restauração do evangelho – Novos céus e nova terra prometidos por Deus e nossa prometida ressurreição em Cristo.
5. Tomar posse do evangelho como um poder presente que confronta a poderosa e autoritária história idólatra que molda nossa cultura.
Também há um encargo missiológico, que envolve:
Recuperar nossa identidade missional – A própria identidade da igreja quando assume seu papel na história de Deus no contexto de sua cultura e participa da missão de Deus no mundo. “Uma comunidade alternativa pelo bem do mundo.”
Recuperar as dimensões contraculturais de nossa missão – Uma tensão redentora com a cultura que envolve tanto solidariedade e participação como também separação e rejeição.
Considerar o escopo integral da missão e o engajamento autêntico na esfera pública –
Nesse tópico, Goheen fala de algumas compreensões missionais de engajamento: pietismo, teologia da libertação, anabatismo e reformismo.
Por fim, há o encargo cultural, que trata da necessidade de uma análise missionária da cultura ocidental. “O primeiro passo necessário (…) é desmascarar a tendência secular de nossa cultura e expor sua essência religiosa.”
Para Goheen e muitos outros pensadores, o fato de o homem se recusar a centrar a sua vida no Deus vivo não significa que ele seja menos religioso; pelo contrário, ele serve a algum aspecto da vida da criação ao qual oferece lealdade absoluta.
É necessário, também, entender a história que nos molda para avançarmos em uma missiologia da cultura ocidental.
• Entre 1500 e 2000, a cultura ocidental se tornou secular.
• O humanismo tira Deus do centro e coloca o homem no centro (seres humanos entram no papel do Criador).
• O Iluminismo (século 18) exclui Deus da vida pública.
• Se não há Deus, não há Salvador para este mundo mal, então os seres humanos devem assumir esse papel e se salvar com seus próprios recursos.
• Universo mecanicista esvazia o mundo natural do propósito, ação e presença de Deus.
• “Conhecimento é poder” – fé na ciência e no homem.
• Sai o governo providencial de Deus e entra a ideia de progresso, da capacidade humana de construir um mundo melhor.
• Prosperidade material e liberdade para buscá-la e dela desfrutar – paraíso secular para o qual o Ocidente é dirigido.
• Revoluções dos séculos 19 e 20 (Industrial, Francesa, Norte-Americana, Democrática, Marxista) – adequação da sociedade à fé iluminista.
• Diversas crises (ambiental, econômica, pobreza, ameaça nuclear) são golpes na visão iluminista => Pós-modernismo => Uma nova geração já não acredita em grandes propostas de progresso, não confia na razão para chegar à verdade.
• Suspeita de reivindicações exclusivas de verdade => Pluralismo.
Como seria uma comunidade de contraste neste presente século? O autor finaliza com uma lista de 18 características, dentre as quais selecionamos 3 delas. Seria uma comunidade:
• De amor altruísta em um mundo de interesse próprio
• De paciência em um mundo de satisfação imediata
• De compromisso em um mundo de apatia
Capítulo 9 – Um confronto missionário com as religiões do mundo
Pelo menos quatro fatores mostram a urgência da questão do confronto missionário com as religiões do mundo.
1. Expansão da pluralidade – Globalização, grandes migrações de pessoas por todo o mundo.
2. No Sul global, há uma minoria cristã em meio a um mar de pluralidade religiosa – E, diferente de uma compreensão ocidental, a religião não é considerada um departamento da vida pessoal.
3. Ideologia do pluralismo religioso – Encarada como uma conjuntura enriquecedora, é comum ignorar alegações de verdade de qualquer tradição religiosa.
4. Crises globais e frágil interdependência do mundo – Tensões religiosas têm intensificado crises ecológicas, políticas, econômicas e militares.
A postura correta em meio ao pluralismo religioso é a de confronto missionário.
Isso demanda um escopo abrangente do evangelho e da religião.
• O evangelho é de validade universal; é verdade para todas as pessoas em todos os lugares e em todos os momentos.
• Na cultura ocidental (diferente do que ocorre em outras culturas), o filtro da razão científica faz com que reivindicações de verdade sejam consideradas opiniões/ valores particulares.
• Religião é uma visão ampla da vida, um fenômeno social e cultural que molda sociedades e culturas.
• Em relação ao secularismo, religião é uma questão de poder espiritual: estamos em uma batalha espiritual
• O termo confronto significa que haverá um choque de pontos de vista que envolve todas as esferas da vida, o termo missionário, que esse choque não será nem coercivo nem violento.
Precisamos atentar para duas posições que impedem o confronto missionário:
1. Pluralismo ideológico – Todas as religiões são igualmente verdadeiras
2. Estudo das religiões comparadas – Pressupõe a existência de um ponto de vista científico neutro
Também é necessário entender e considerar a história humanista ocidental como mais uma visão religiosa (essa ideia já foi explorada no capítulo anterior desta obra). O cristianismo ocidental tornou-se um servo do secularismo.
É necessário que os cristãos desafiem o pluralismo! Mas, por que o pluralismo “cristão” se tornou tão popular? Três razões:
1. Os pluralistas inspiram o ambiente relativista do Ocidente pós-Iluminismo
2. Nossa proximidade com adeptos de outras religiões nos fez ver certa espiritualidade e retidão moral que não vemos em muitos que se declaram cristãos
3. Há um medo de que a afirmação exclusiva de uma verdade coloque em risco a frágil unidade e a paz.
E por que o pluralismo precisa ser criticado?
• No pluralismo, a fé cristã procura se conformar com a história humanista controladora do Ocidente, não o contrário.
• Os pluralistas, diferente do que se prega, também mantém um centro exclusivo em torno do qual convidam todas as religiões a se reunirem.
• Conceitos abstratos como justiça e paz não bastam para unir e reconciliar um mundo profundamente dividido, só a pessoa e a obra de Cristo.
É necessária, também, uma teologia sadia das religiões que assuma sua posição confessional dentro da verdade do evangelho. Ela começa com a confissão, de modo humilde, mas ousado, de que a salvação é encontrada somente em Cristo. Em seguida, Goheen expõe as posições exclusivista (defendida no capítulo) e inclusivista (sustentam a base ontológica em Cristo, mas não a necessidade epistemológica). Para o autor, a pergunta apropriada não é “quem será salvo?”, mas sim “como Deus cumprirá a salvação abrangente para o mundo e a humanidade?”.
Afirmar a verdade exclusiva do evangelho não significa, contudo, negar a revelação fora do evangelho; antes, a verdade é mais plenamente revelada em Jesus, e esse é o critério pelo qual todas as outras afirmações de verdade são avaliadas. A revelação na criação (“graça comum”) não pode ser confundida com a graça de Deus revelada em Cristo.
Também é importante entender que a revelação de Deus na criação produz uma consciência religiosa que, por sua vez, dá origem a religiões históricas/ empíricas. Elas tentam responder aos anseios religiosos mais profundos do ser humano, os cinco “pontos magnéticos” (teoria de J. H. Bavinck apresentada por Goheen). Os seres humanos:
1. Buscam a Deus
2. Desejam a salvação
3. Procuram seu lugar no Universo
4. Percebem um padrão ou norma moral
5. Buscam significado
Revelação de Deus + resposta corrompida + várias circunstâncias históricas = religião particular.
Diante disso, é possível identificar em cada religião um “núcleo direcional”. Por exemplo:
Hinduísmo – Busca para escapar do ciclo infinito e sem sentido da existência finita.
Budismo – Busca pela libertação da existência transitória.
Islã – Proclamar um ser transcendente e fundar uma comunidade governada por Deus e seu profeta.
Propõe-se, então, uma abordagem missionária chamada de “satisfação subversiva”. Ela é tanto interna e compreensiva como externa e crítica.
Abordagem interna e compreensiva – Entrar no mundo do próximo de outras tradições religiosas, “sentir” os anseios religiosos fundamentais, as necessidades, aspirações e os desejos centrais. Por exemplo, ouvimos da pessoa secular (entendendo o secularismo como uma das “grandes religiões empíricas”) moldada pelo consumismo: “Não consigo obter satisfação, embora tenha tentado, tentado e tentado”.
Abordagem externa e crítica – Apesar de as religiões empíricas serem uma resposta aos anseios religiosos do ser humano, trata-se de uma resposta distorcida em função do pecado, então a forma que esse anseio assume precisa ser criticada à luz do evangelho. Essa crítica envolve, também, a consciência de que uma batalha espiritual está ocorrendo em toda a vida humana.
Compreender e criticar concomitantemente outras crenças é chamado por Kraemer de “satisfação subversiva”. Envolve considerar tanto os pontos de continuidade como os de descontinuidade com o cristianismo em uma religião empírica. Por exemplo, é preciso afirmar o desejo de contato com a realidade espiritual maior presente no budismo e, ao mesmo tempo, explicar a descontinuidade: Brama é impessoal e o Deus bíblico, pessoal.
Dentro do contexto do pluralismo religioso, a missão da igreja envolve dois aspectos importantes:
1. Ponto de contato – Aquilo que pessoas de diferentes tradições religiosas têm em comum que possibilita a verdadeira comunicação. “Chegamos ao nosso próximo não como um adepto de outra religião, mas como um ser humano que vive no mesmo mundo em que vivemos e enfrenta a mesma miséria, frustração, for, tristeza e tentação que enfrentamos.”
2. Diálogo – Devemos ter cuidado porque se o diálogo moderno é racionalista, o pós-moderno é relativista. Não é admissível suspender nossos compromissos, nem relativizar os compromissos de fé que nos molda. Não há neutralidade na esfera pública, apenas posturas de fé.
Capítulo 10 – Missão urbana: a nova fronteira
Os dados sobre o crescimento fenomenal das cidades em todo o mundo devem despertar a igreja para o desafio da missão urbana.
• Espera-se que em 2050 80% da população mundial seja urbana e, em 2100, 90%. Especialmente no hemisfério sul, os dados das últimas décadas impressionam: em 1950, as únicas megacidades (Nova York e Londres) estavam no hemisfério norte, mas hoje 21 das 27 megacidades do mundo estão no hemisfério sul.
• Hoje os pobres são encontrados principalmente nas cidades: mais de 80% da população urbana dos países mais pobres do mundo vive em favelas. Adis Abeba, na Etiópia, por exemplo, tem 90% de sua população, cerca de 2,5 milhões de pessoas, em habitações urbanas precárias.
“Se quiser alcançar as pessoas do mundo, a igreja deve estar nas cidades onde elas moram.”
Além disso, é necessário entender:
O poder e a influência cultural das cidades – Nelas encontramos concentrações de poder político e governamental, instituições de ensino superior, negócios e finanças, locais de lazer e entretenimento, comunidades de artes e centros de mídia.
As cidades como ponto focal de um encontro missionário global – Coexistência pluralista com todas as religiões do mundo e com a modernidade econômica e a globalização com sua outra face no consumismo.
A necessidade de os cristãos permanecerem na cidade – Muitos cristãos debandam das cidades em prol de um estilo de vida mais confortável.
A agenda para a missão urbana inclui:
1. Aprender como acolher e envolver pessoas não cristãs – Timothy Keller (citado por Goheen) traz a seguinte “agenda” com a qual temos de aprender a conversar não oferecendo respostas defensivas ou moralistas:
• Todas as religiões são igualmente válidas
• Como um Deus bom permite o mal e o sofrimento
• Temos de ser livre para escolher como viver sem uma camisa-de-força ética
• O histórico controverso de pressão da igreja
• Um Deus irado que exige sacrifícios de sangue até mesmo para perdoar
• Não aceitação de relatos bíblicos que não passam pelo crivo da ciência
• A autoridade da Bíblia como Palavra de Deus
2. Estabelecer uma identidade contracultural por meio da comunidade – Keller elenca cinco áreas fundamentais.
• Sexualidade – Nem puritana, nem adaptada à idolatria do sexo
• Dinheiro – Promovendo um modo de vida radicalmente generoso
• Poder – Compromisso com a divisão de poder e com relações edificantes entre classes e raças
• Unidade – Atentarmos para a essência do evangelho, não para detalhes teológicos divisivos
• Comunidade – Vida comunal (pequenos grupos) onde muitas vezes falta apoio da família estendida
3. Praticar a missão holística – Responder às necessidades sociais urgente da cidade (pobreza), especialmente nas cidades do hemisfério sul
4. Treinar cristãos para seu chamado no setor público – Cristãos exercendo suas responsabilidades como um sacerdócio fora das estruturas institucionais da igreja. Igrejas de centros urbanos têm, cada vez mais, estabelecido programas de treinamento e de apoio para unir fé e trabalho. O intuito é moldar o cristão urbano para seu chamado no mercado.
5. Implantar igrejas urbanas – Não apenas mais igrejas, mas comunidades missionais cuja presença (palavras e ações) tornem o evangelho conhecido.
Para que tudo isso seja uma realidade, o autor chama atenção para a necessidade de uma teologia da missão para a cidade, o desafio seria integrar teologia, estudos urbanos e contextualização. Ela parte de perguntas tais como:
• Que tipo de idolatria está atuando na formação da cultura da cidade?
• Na questão do urbanismo, como promover um modo de vida na cidade com uma conexão adequada entre “religião” e urbanismo?
• Existem tipo diferentes de cidade? Quais são eles e como transformá-las à luz do evangelho?
• Que mudanças urbanas estão em curso hoje e como a igreja pode e deve se envolver com elas?
Para finalizar o capítulo de missão urbana, são citados elementos de congregações missionais fiéis, dentre os quais estão:
• Alta demanda do envolvimento de “leigos”
• Identificação e preocupação com os pobres
• Priorização da comunhão (pequenos grupos)
Capítulo 11 – Missões: um testemunho do evangelho onde não há
Na linguagem popular, a missão foi concebida nos séculos 19 e início do século 20 exclusivamente em função da tarefa de levar o evangelho da cultura ocidental para outras partes do mundo.
O significado expandiu-se, tornou-se um termo mais amplo/ abrangente. Missão é toda a tarefa da igreja de testemunhar todo o evangelho a todo o mundo.
Daí a necessidade de fazer distinções. Missões seriam um dos aspectos da missão, diz respeito a estabelecer um testemunho do evangelho em lugares ou entre povos onde não há ou onde esse testemunho é fraco.
Missões normalmente serão interculturais, mas não é isso que as define.
Pode haver parcerias interculturais que não envolvem missões (testemunho do evangelho onde não há). Por exemplo: um brasileiro que vai para Moçambique assumir um cargo de professor em um seminário para treinar líderes africanos.
É importante distinguir os termos pois:
• Missões são entendidas por muitos apenas como algo que acontece no “exterior” (fruto da mentalidade colonialista).
• Com isso, a tarefa de levar o evangelho àqueles que nunca ouviram está sendo negligenciada.
• Missão sem missões é um conceito enfraquecido e paroquial.
O movimento missionário moderno nos deixou um legado. Ele precisa ser valorizado e criticado. O valor está no fato de que hoje a igreja está viva em todas as partes do mundo devido à fidelidade à tarefa de levar o evangelho a lugares onde ele precisa ser ouvido. As severas críticas estão ligadas a como isso foi feito.
• A iniciativa missionária moderna não criticou a visão de mundo do Iluminismo nem a estrutura colonial que a moldou.
• Missão foi reduzida a missões (igreja que não criticava a própria cultura).
Tendo em vista o legado deixado pelas visões modernas, faz-se necessário um retorno às Escrituras atentando para os quatro elementos a seguir:
1. O evangelho é verdadeiro e tem um significado universal.
2. A missãso de Deus desde o início teve um horizonte universal.
3. Temos de levar a sério o modelo central do Novo Testamento para missões no livro de Atos.
4. As missões são a tarefa da congregação local.
E quais são as necessidades do mundo?
Nos dias do apóstolo Paulo: qualquer lugar além dos limites de Jerusalém e de Israel.
Séculos 19 e 20: além dos países do Ocidente.
E como identificamos as necessidades do mundo hoje, quando a igreja é encontrada em todas as nações da terra? Existem, ainda, muitos lugares e povos sem uma comunidade de testemunho no meio deles. Esses grupos de pessoas não alcançadas ou povos não alcançados (PNAs), como são chamados no meio missionário (há uma vasta história sobre como defini-los), necessitam de um esforço missionário intercultural até que tenham uma comunidade local de cristãos com números e recursos adequados para evangelizar esse grupo de pessoas sem assistência externa.
De acordo com o Joshua Project, há em fevereiro de 2022 mais de 17 mil grupo de pessoas identificados, dos quais 7.398 são considerados não alcançados (grupos em que há menos de 5% que se declaram cristãos e em que menos de 2% são evangélicos).
Há muitas críticas a respeito de desenhar toda uma estratégia de missões baseada em grupos culturais homogêneos, principalmente agora em função da urbanização, globalização e migrações. (Aqui há três artigos publicados pelo Martureo em torno disso.)
Há os que consideram últil enxergar a tarefa inacabada levando em conta três grandes blocos: muçulmanos, hindus e chineses. No entanto, cada um desses grandes blocos conta com minorias distintas.
Outra ferramenta popular para identificar a necessidade mundial é a chamada janela 10/40, um cinturão que se estende da África Ocidental, passando pela Ásia, entre 10 graus ao norte e 40 graus ao norte da linha do Equador. Nessa janela estão:
• 2/3 da população mundial
• A maioria das pessoas e países não evangelizados
• A maioria das megacidades menos evangelizadas do mundo
• A maioria dos três principais blocos religiosos não cristãos do mundo
Outra forma de olhar para as necessidades atuais do mundo seria observar a Ásia, onde vivem 81% dos 4,7 bilhões de não cristãos do mundo e onde as três maiores religiões não cristãs estão enraizadas.
Quanto aos problemas que dificultam uma nova iniciativa de missões, Goheen aponta três principais:
1. Falta de fervor – Visão morna de pastores, de seminários e do povo de Deus como um todo.
2. Alocação inadequada de recursos – Mais de 90% vão para parcerias interculturais, e uma quantidade mínima (algo como 1,2%), é alocada para alcançar o 1,1 bilhão de pessoas nas partes menos evangelizadas.
3. Legado do colonialismo.
Em termos de estruturas de missões, quem realizará o trabalho?
Há um despertamento da igreja local para as missões. Durante séculos, foram as sociedades missionárias independentes e denominacionais que realizaram a tarefa. O crescimento das missões do Sul global também é outra realidade deste século. Segundo a Operation World, China, Índia, Coreia do Sul e Nigéria são quatro das cinco maiores nações que enviam missionários. Nesse contexto, parcerias entre várias agências missionárias, entre várias igrejas, agências missionárias e igrejas, órgãos ocidentais e não ocidentais são imprescindíveis.
Por fim, muitos modelos de realizar a tarefa missionária são obsoletos, mas nem todos. O missionário “profissional” ainda é uma parte importante do todo, ainda que haja uma maturidade da igreja global no sentido de apoiar obreiros locais. Fazedores de tentas, missões de curto prazo e BAM são outros modelos que podem compor esforços uma vez que o tempo das missões ainda não acabou.
Artigo originalmente publicado por Martureo.com. Reproduzido com permissão.
O livro A Missão da Igreja Hoje é fruto de um curso de introdução à missiologia ministrado pelo autor por 25 anos. O conteúdo teve forte influência da obra Missão Transformadora de David Bosch. De acordo com Goheen, a obra é uma tentativa de produzir um material mais breve e de mais fácil compreensão, porém contemplando todos os tópicos propostos por Bosch. No Brasil, foi publicado pela Editora Ultimato em parceria com o Martureo e o Seminário Teológico Servo de Cristo em 2019.
Além da introdução, o livro tem três partes:
1. Reflexão bíblica e teológica sobre missão;
2. Reflexão história e contemporânea sobre missão;
3. Temas atuais na missão hoje.
Aqui, o resumo da introdução e da primeira parte da obra; e aqui o da segunda parte. A seguir você lê o resumo da parte 3.
Parte 3 – Temas atuais na missão hoje
Capítulo 6 – Missão holística: testemunho na vida, nas palavras e nas ações
Trata, basicamente, do equilíbrio entre pregação e ação na missão. No século 20, houve um grande debate entre as tradições evangélica e ecumênica acerca disso.
As harmonizações propostas na história, conforme o autor apresenta, ainda que: Qual seria a solução? Uma harmonização entre ambas as tradições?
• Reconheçam a importância de palavra e ação, em geral, priorizam uma em detrimento da outra.
• Coloquem palavra e ação no mesmo nível, as enxergam de maneira distinta, como uma dicotomia.
Solução = retorno do evangelho e da missão à maneira de Jesus = evangelho do reino.
“Deveríamos ver o evangelismo e a ação social não como ‘partes ou componentes separados da missão, mas dimensões da missão única e indivisível da Igreja’.” O autor conclui essa primeira parte da reflexão do capítulo 6 dizendo que a missão da igreja deve ser o testemunho, dar o testemunho e proclamar o testemunho.
Goheen, na sequência, fala sobre o evangelismo autêntico, ressaltando que se trata de uma dimensão indispensável da missão da igreja, não podendo ser substituído por obras.
O evangelismo é a proclamação do reino de Deus em Jesus, e Leslie Newbigin alerta que “nosso evangelismo atual quase nunca usa a categoria do reino de Deus”, sendo que “a pregação original do evangelho nos lábios de Jesus era, precisamente, o anúncio da vinda desse reino”.
O evangelismo, também:
• Deve ser contextual, e, portanto, relevante e desafiador;
• Exige que estejamos presentes na vida das pessoas de maneira atraente – “Evangelismo não é gritar de longe”;
• Requer uma comunicação organicamente conectada à vida cotidiana – Por exemplo: crise global está ligada à ganância generalizada e à idolatria coletiva que fazem do crescimento econômico uma meta central cultural;
• Deve fluir de uma comunidade cuja vida demonstra a verdade do evangelho – “Nossas palavras evangelísticas só serão autenticadas pela vida da comunidade cristã”.
No que tange à compaixão e justiça (o capítulo 1 da obra traz dados espantosos de nossos dias), Goheen afirma:
A missão da igreja é participar da missão de Deus de restaurar toda a criação e toda a vida humana. Se o escopo da salvação é tão amplo quanto a criação, nossa participação deve ser igualmente ampla.
Harvie Conn, por sua vez, refere-se à igreja como uma “réplica antecipada da ordem de um novo mundo que ela prega”. E Newbigin completa: “A ação em favor da justiça social é a salvação em ação”.
O último tópico do capítulo fala sobre o chamado dos cristãos na sociedade, e nele destaca-se a importância dos leigos como a interface real entre a igreja e o mundo. A igreja não é um corpo de pessoas reunidas somente para adorar – isso também –, mas é um corpo, um grupo de pessoas inseridas nas sociedades que agem de forma diferente ao ponto de impactar o mundo. Cristãos como “cartas vivas conhecidas e lidas por todos os homens”.
O dualismo – as pessoas não entenderem que são cristãs “24/7” e mudarem de postura quando em ambientes seculares – continua sendo um problema. A congregação local precisa assumir seu papel de treinar e capacitar seus membros, bem como apoiá-los nas suas dificuldades, para serem fiéis no meio da sociedade. Goheen termina lembrando que fidelidade significa sofrimento. Somos chamados a ser diferentes, chamados a resistir à idolatria, e com isso somos também chamados a sofrer.
Capítulo 7 – Contextualização fiel: igreja, evangelho e cultura(s)
O evangelho saiu de um contexto macrocultural (Europa), e hoje a igreja está presente em todas as culturas do mundo. Diante disso, surgem perguntas:
• Como o evangelho se relaciona com esses novos contextos culturais, seja em outros locais geográficos, seja por conta de influências como o pós-modernismo?
• O que é contextualização fiel?
São questões não apenas de missionários interculturais ou estudantes de missão, mas de toda a igreja. Por exemplo: como o cristão que trabalha em um hospital psiquiátrico incorpora fielmente o evangelho quando toda a indústria se baseia em um entendimento humanista defeituoso sobre o ser humano?
Para Leslie Newbigin: “A igreja, como portadora do evangelho, vive numa estrutura de plausibilidade da qual discorda, e a qual questiona, (…) sem exceção”.
Diante disso, Goheen cita a frase de Martim Lutero: “O evangelho é como um leão enjaulado; ele não precisa ser defendido, apenas liberado”. Tal ilustração introduz a descrição de quatro jaulas muito comuns que precisam ser eliminadas para uma contextualização fiel: etnocentrismo X relativismo; sincretismo X irrevelância.
Etnocentrismo: visão de mundo em que uma expressão cultural do evangelho é considerada normativa para todos. O evangelho e sua forma cultural não são distintos. (Essa jaula foi bem comum durante o colonialismo.)
Relativismo: nenhuma expressão cultural pode ser julgada boa ou ruim pela Escritura ou pela igreja proveniente de outra cultura. Não há critério para julgar as manifestações fiéis ou infiéis do evangelho.
• Como a igreja pode ser fiel a um único evangelho (sem cair no etnocentrismo) e aceitar expressões culturais (sem cair no relativismo)?
Sincretismo: o evangelho é absorvido por formas, estruturas e categorias idólatras da cultura e, consequentemente, fica comprometido.
Irrelevância: o evangelho perde a sua autoridade de boas-novas por não ser bem comunicado adequadamente à cultura. Isso resulta da tentativa de ser fiel ao evangelho apegando-se a formas antigas ou estrangeiras do evangelho.
• Como podemos ser fiéis ao evangelho (sem sermos irrelevantes), e relevantes para a cultura (sem sermos sincretistas)?
Respostas às duas questões anteriormente colocadas são dadas valendo-se do evangelho de João como exemplo, que chega a uma expressão autêntica no contexto local e, ao mesmo tempo, o transforma de maneira profética. “Toda linguagem evangelística deve estar familiarizada e em desacordo com a cultura.”
Por conta de o evangelho ser traduzível, ele sempre assumirá alguma forma cultural. Já nos três primeiros séculos, havia uma pluralidade de expressões dele: judaica, grega, bárbara, trácia, egípcia e romana (igreja apostólica); e siríaca, grega, romana, egípcia, etíope etc. (pós-apostólica).
No período medieval, a igreja europeia ganhou poder. Houve, então, uma tendência a uma encarnação macrocultural do evangelho, um esforço por uma “uniformidade oficial”. Os séculos 15 e 16, época dos descobrimentos, fizeram as missões fora da Europa avançarem, e a questão da relação do evangelho com as culturas ganhou força, principalmente com os missionários interculturais jesuítas. No século 19, os questionamentos foram levantados mais uma vez pelas missões protestantes no movimento missionário moderno. Dois exemplos (dentre muitos):
• Como comunicar quem é Jesus dentro de uma cultura hindu em que o termo “senhor” (swami) também é utilizado para outros 330 milhões de “swamis”?
• Como alguém traduz a palavra “pecado” para a cultura japonesa, que é baseada na vergonha, na qual a palavra mais próxima significa algo como “imprudente”?
Além das questões relativas à tradução da Bíblia, certas práticas sociais, culturais e morais (a poligamia, por exemplo), também levantaram questionamentos sobre como o evangelho e a cultura se relacionam. A forma de adoração e de liturgia, bem como questões em torno da teologia, também exigem novas reflexões.
Somente à medida que a teologia for contextual é que os cristãos serão capazes
de possuir a fé e desafiar os espíritos idólatras de seu tempo.
de possuir a fé e desafiar os espíritos idólatras de seu tempo.
E Newbigin adverte:
Nenhum apelo [a credos e confissões] pode alterar o fato de que a igreja tem de declarar em cada nova geração [e em cada nova cultura] o modo como interpreta a fé histórica, e como a relaciona com o novo pensamento e a experiência de seu tempo.
1. Nenhuma expressão singular no evangelho deve ser universalmente normativa.
2. A contextualização deve ser abrangente.
3. Deve ser preocupação de todas as igrejas em todas as partes do mundo.
4. É um processo contínuo.
5. É constitutiva do evangelho.
6. É o evangelho que deve ser contextualizado, não um sistema teológico ou ensino religioso.
Em relação aos modelos, ele apresenta o de tradução e o antropológico, os dois que estão em lados opostos do espectro.
Por fim, o capítulo traz elementos a serem considerados em uma compreensão fiel da contextualização.Ambos os modelos têm pontos fortes e fracos. O de tradução enfatiza a redenção, a mensagem cristológica, mas não leva em conta a cultura local, e a comunicação do evangelho, muitas vezes, torna-se irrelevante à cultura. O modelo antropológico, por sua vez, enfatiza a criação (cultura é boa, cenário da obra de Deus), a revelação geral, contudo tende a um sincretismo, aceitando de forma acrítica questões locais.
Cruzamento entre evangelho e cultura. “Contextualização não é o exercício teórico de relacionar duas entidades, evangelho e cultura, em vez disso, é a tarefa diária concreta de encontrar maneiras de viver fielmente o evangelho em todo o aspecto da vida humana em meio a uma cultura moldada por um conjunto diferente de crenças religiosas.”
O primeiro compromisso é com o evangelho e a história bíblica. “A narrativa cultural e sua expressão vivida devem ser avaliadas do ponto de vista da Escritura, não o contrário.”
Encontro missionário com a cultura. “Toda a cultura é moldada por crenças idólatras centrais, mas, ao mesmo tempo, é um lugar onde ainda há muita coisa boa a ser descoberta.”
Para um discernimento dessa idolatria, o autor sugere um diálogo tríplice:
1. Interconfessional
2. Intercultural
3. Inter-histórico
E, por fim, a contextualização é um processo contínuo. A tarefa nunca estará completa.
Capítulo 8 – Rumo a uma missiologia da cultura ocidental
Dada a influência da cultura ocidental no mundo globalizado, e o engano de que seria uma cultura “cristianizada”, é urgente desenvolver uma missiologia dessa cultura. Para Newbigin, inclusive, é a tarefa mais urgente da igreja universal.
• É necessário um encontro missionário com a cultura ocidental.
• As crenças fundamentais compartilhadas precisam ser desafiadas.
• A igreja deve oferecer o evangelho como história, como um modo de vida alternativo e crível.
• A vida e a postura da igreja indicam a necessidade de uma conversão radical para uma vida à luz desse evangelho.
Por que a igreja no Ocidente não assume essa postura de um encontro missionário?
• Não tem distância crítica de sua própria cultura.
• Mito de uma cultura cristã anestesia a mente da igreja no Ocidente.
• Mito de uma sociedade secular ou pluralista neutra.
“A fé humanista do Ocidente é uma fé religiosa poderosa que não tolera rivais. Mas tem um rosto sorridente: oferece paz, privilégio, prosperidade (…).”
Há, portanto, um encargo teológico de liberar o evangelho que envolve estes cinco pontos inter-relacionados
1. Tomar posse do evangelho como verdade absoluta – É especialmente na vida, morte e ressurreição de Jesus que entendemos a verdade sobre o mundo.
2. Apegar-se ao evangelho como história verdadeira – Ela oferece o contexto para o significado de toda a vida em sua totalidade canônica (metanarrativa).
3. Considerar o escopo completo do evangelho – Uma história universal que tem direito completo sobre a nossa vida (individual e comunal, social e cultural) e sobre a vida de todos os povos.
4. Considerar a natureza de restauração do evangelho – Novos céus e nova terra prometidos por Deus e nossa prometida ressurreição em Cristo.
5. Tomar posse do evangelho como um poder presente que confronta a poderosa e autoritária história idólatra que molda nossa cultura.
Também há um encargo missiológico, que envolve:
Recuperar nossa identidade missional – A própria identidade da igreja quando assume seu papel na história de Deus no contexto de sua cultura e participa da missão de Deus no mundo. “Uma comunidade alternativa pelo bem do mundo.”
Recuperar as dimensões contraculturais de nossa missão – Uma tensão redentora com a cultura que envolve tanto solidariedade e participação como também separação e rejeição.
Considerar o escopo integral da missão e o engajamento autêntico na esfera pública –
Nesse tópico, Goheen fala de algumas compreensões missionais de engajamento: pietismo, teologia da libertação, anabatismo e reformismo.
Por fim, há o encargo cultural, que trata da necessidade de uma análise missionária da cultura ocidental. “O primeiro passo necessário (…) é desmascarar a tendência secular de nossa cultura e expor sua essência religiosa.”
Para Goheen e muitos outros pensadores, o fato de o homem se recusar a centrar a sua vida no Deus vivo não significa que ele seja menos religioso; pelo contrário, ele serve a algum aspecto da vida da criação ao qual oferece lealdade absoluta.
Por baixo da superfície da cultura ocidental está um credo inquestionável e oculto, uma confissão religiosa de crenças, que deve ser analisado. (…) A cultura ocidental, por exemplo, faz do crescimento econômico e da prosperidade material o objetivo da vida humana.
É necessário, também, entender a história que nos molda para avançarmos em uma missiologia da cultura ocidental.
• Entre 1500 e 2000, a cultura ocidental se tornou secular.
• O humanismo tira Deus do centro e coloca o homem no centro (seres humanos entram no papel do Criador).
• O Iluminismo (século 18) exclui Deus da vida pública.
• Se não há Deus, não há Salvador para este mundo mal, então os seres humanos devem assumir esse papel e se salvar com seus próprios recursos.
• Universo mecanicista esvazia o mundo natural do propósito, ação e presença de Deus.
• “Conhecimento é poder” – fé na ciência e no homem.
• Sai o governo providencial de Deus e entra a ideia de progresso, da capacidade humana de construir um mundo melhor.
• Prosperidade material e liberdade para buscá-la e dela desfrutar – paraíso secular para o qual o Ocidente é dirigido.
• Revoluções dos séculos 19 e 20 (Industrial, Francesa, Norte-Americana, Democrática, Marxista) – adequação da sociedade à fé iluminista.
• Diversas crises (ambiental, econômica, pobreza, ameaça nuclear) são golpes na visão iluminista => Pós-modernismo => Uma nova geração já não acredita em grandes propostas de progresso, não confia na razão para chegar à verdade.
• Suspeita de reivindicações exclusivas de verdade => Pluralismo.
Como seria uma comunidade de contraste neste presente século? O autor finaliza com uma lista de 18 características, dentre as quais selecionamos 3 delas. Seria uma comunidade:
• De amor altruísta em um mundo de interesse próprio
• De paciência em um mundo de satisfação imediata
• De compromisso em um mundo de apatia
Capítulo 9 – Um confronto missionário com as religiões do mundo
Pelo menos quatro fatores mostram a urgência da questão do confronto missionário com as religiões do mundo.
1. Expansão da pluralidade – Globalização, grandes migrações de pessoas por todo o mundo.
2. No Sul global, há uma minoria cristã em meio a um mar de pluralidade religiosa – E, diferente de uma compreensão ocidental, a religião não é considerada um departamento da vida pessoal.
3. Ideologia do pluralismo religioso – Encarada como uma conjuntura enriquecedora, é comum ignorar alegações de verdade de qualquer tradição religiosa.
4. Crises globais e frágil interdependência do mundo – Tensões religiosas têm intensificado crises ecológicas, políticas, econômicas e militares.
A postura correta em meio ao pluralismo religioso é a de confronto missionário.
Isso demanda um escopo abrangente do evangelho e da religião.
• O evangelho é de validade universal; é verdade para todas as pessoas em todos os lugares e em todos os momentos.
• Na cultura ocidental (diferente do que ocorre em outras culturas), o filtro da razão científica faz com que reivindicações de verdade sejam consideradas opiniões/ valores particulares.
• Religião é uma visão ampla da vida, um fenômeno social e cultural que molda sociedades e culturas.
• Em relação ao secularismo, religião é uma questão de poder espiritual: estamos em uma batalha espiritual
• O termo confronto significa que haverá um choque de pontos de vista que envolve todas as esferas da vida, o termo missionário, que esse choque não será nem coercivo nem violento.
Precisamos atentar para duas posições que impedem o confronto missionário:
1. Pluralismo ideológico – Todas as religiões são igualmente verdadeiras
2. Estudo das religiões comparadas – Pressupõe a existência de um ponto de vista científico neutro
Também é necessário entender e considerar a história humanista ocidental como mais uma visão religiosa (essa ideia já foi explorada no capítulo anterior desta obra). O cristianismo ocidental tornou-se um servo do secularismo.
É necessário que os cristãos desafiem o pluralismo! Mas, por que o pluralismo “cristão” se tornou tão popular? Três razões:
1. Os pluralistas inspiram o ambiente relativista do Ocidente pós-Iluminismo
2. Nossa proximidade com adeptos de outras religiões nos fez ver certa espiritualidade e retidão moral que não vemos em muitos que se declaram cristãos
3. Há um medo de que a afirmação exclusiva de uma verdade coloque em risco a frágil unidade e a paz.
E por que o pluralismo precisa ser criticado?
• No pluralismo, a fé cristã procura se conformar com a história humanista controladora do Ocidente, não o contrário.
• Os pluralistas, diferente do que se prega, também mantém um centro exclusivo em torno do qual convidam todas as religiões a se reunirem.
• Conceitos abstratos como justiça e paz não bastam para unir e reconciliar um mundo profundamente dividido, só a pessoa e a obra de Cristo.
É necessária, também, uma teologia sadia das religiões que assuma sua posição confessional dentro da verdade do evangelho. Ela começa com a confissão, de modo humilde, mas ousado, de que a salvação é encontrada somente em Cristo. Em seguida, Goheen expõe as posições exclusivista (defendida no capítulo) e inclusivista (sustentam a base ontológica em Cristo, mas não a necessidade epistemológica). Para o autor, a pergunta apropriada não é “quem será salvo?”, mas sim “como Deus cumprirá a salvação abrangente para o mundo e a humanidade?”.
Afirmar a verdade exclusiva do evangelho não significa, contudo, negar a revelação fora do evangelho; antes, a verdade é mais plenamente revelada em Jesus, e esse é o critério pelo qual todas as outras afirmações de verdade são avaliadas. A revelação na criação (“graça comum”) não pode ser confundida com a graça de Deus revelada em Cristo.
Também é importante entender que a revelação de Deus na criação produz uma consciência religiosa que, por sua vez, dá origem a religiões históricas/ empíricas. Elas tentam responder aos anseios religiosos mais profundos do ser humano, os cinco “pontos magnéticos” (teoria de J. H. Bavinck apresentada por Goheen). Os seres humanos:
1. Buscam a Deus
2. Desejam a salvação
3. Procuram seu lugar no Universo
4. Percebem um padrão ou norma moral
5. Buscam significado
Revelação de Deus + resposta corrompida + várias circunstâncias históricas = religião particular.
Diante disso, é possível identificar em cada religião um “núcleo direcional”. Por exemplo:
Hinduísmo – Busca para escapar do ciclo infinito e sem sentido da existência finita.
Budismo – Busca pela libertação da existência transitória.
Islã – Proclamar um ser transcendente e fundar uma comunidade governada por Deus e seu profeta.
Propõe-se, então, uma abordagem missionária chamada de “satisfação subversiva”. Ela é tanto interna e compreensiva como externa e crítica.
Abordagem interna e compreensiva – Entrar no mundo do próximo de outras tradições religiosas, “sentir” os anseios religiosos fundamentais, as necessidades, aspirações e os desejos centrais. Por exemplo, ouvimos da pessoa secular (entendendo o secularismo como uma das “grandes religiões empíricas”) moldada pelo consumismo: “Não consigo obter satisfação, embora tenha tentado, tentado e tentado”.
Abordagem externa e crítica – Apesar de as religiões empíricas serem uma resposta aos anseios religiosos do ser humano, trata-se de uma resposta distorcida em função do pecado, então a forma que esse anseio assume precisa ser criticada à luz do evangelho. Essa crítica envolve, também, a consciência de que uma batalha espiritual está ocorrendo em toda a vida humana.
Compreender e criticar concomitantemente outras crenças é chamado por Kraemer de “satisfação subversiva”. Envolve considerar tanto os pontos de continuidade como os de descontinuidade com o cristianismo em uma religião empírica. Por exemplo, é preciso afirmar o desejo de contato com a realidade espiritual maior presente no budismo e, ao mesmo tempo, explicar a descontinuidade: Brama é impessoal e o Deus bíblico, pessoal.
Dentro do contexto do pluralismo religioso, a missão da igreja envolve dois aspectos importantes:
1. Ponto de contato – Aquilo que pessoas de diferentes tradições religiosas têm em comum que possibilita a verdadeira comunicação. “Chegamos ao nosso próximo não como um adepto de outra religião, mas como um ser humano que vive no mesmo mundo em que vivemos e enfrenta a mesma miséria, frustração, for, tristeza e tentação que enfrentamos.”
2. Diálogo – Devemos ter cuidado porque se o diálogo moderno é racionalista, o pós-moderno é relativista. Não é admissível suspender nossos compromissos, nem relativizar os compromissos de fé que nos molda. Não há neutralidade na esfera pública, apenas posturas de fé.
Capítulo 10 – Missão urbana: a nova fronteira
Os dados sobre o crescimento fenomenal das cidades em todo o mundo devem despertar a igreja para o desafio da missão urbana.
• Espera-se que em 2050 80% da população mundial seja urbana e, em 2100, 90%. Especialmente no hemisfério sul, os dados das últimas décadas impressionam: em 1950, as únicas megacidades (Nova York e Londres) estavam no hemisfério norte, mas hoje 21 das 27 megacidades do mundo estão no hemisfério sul.
• Hoje os pobres são encontrados principalmente nas cidades: mais de 80% da população urbana dos países mais pobres do mundo vive em favelas. Adis Abeba, na Etiópia, por exemplo, tem 90% de sua população, cerca de 2,5 milhões de pessoas, em habitações urbanas precárias.
“Se quiser alcançar as pessoas do mundo, a igreja deve estar nas cidades onde elas moram.”
Além disso, é necessário entender:
O poder e a influência cultural das cidades – Nelas encontramos concentrações de poder político e governamental, instituições de ensino superior, negócios e finanças, locais de lazer e entretenimento, comunidades de artes e centros de mídia.
As cidades como ponto focal de um encontro missionário global – Coexistência pluralista com todas as religiões do mundo e com a modernidade econômica e a globalização com sua outra face no consumismo.
A necessidade de os cristãos permanecerem na cidade – Muitos cristãos debandam das cidades em prol de um estilo de vida mais confortável.
A agenda para a missão urbana inclui:
1. Aprender como acolher e envolver pessoas não cristãs – Timothy Keller (citado por Goheen) traz a seguinte “agenda” com a qual temos de aprender a conversar não oferecendo respostas defensivas ou moralistas:
• Todas as religiões são igualmente válidas
• Como um Deus bom permite o mal e o sofrimento
• Temos de ser livre para escolher como viver sem uma camisa-de-força ética
• O histórico controverso de pressão da igreja
• Um Deus irado que exige sacrifícios de sangue até mesmo para perdoar
• Não aceitação de relatos bíblicos que não passam pelo crivo da ciência
• A autoridade da Bíblia como Palavra de Deus
2. Estabelecer uma identidade contracultural por meio da comunidade – Keller elenca cinco áreas fundamentais.
• Sexualidade – Nem puritana, nem adaptada à idolatria do sexo
• Dinheiro – Promovendo um modo de vida radicalmente generoso
• Poder – Compromisso com a divisão de poder e com relações edificantes entre classes e raças
• Unidade – Atentarmos para a essência do evangelho, não para detalhes teológicos divisivos
• Comunidade – Vida comunal (pequenos grupos) onde muitas vezes falta apoio da família estendida
3. Praticar a missão holística – Responder às necessidades sociais urgente da cidade (pobreza), especialmente nas cidades do hemisfério sul
4. Treinar cristãos para seu chamado no setor público – Cristãos exercendo suas responsabilidades como um sacerdócio fora das estruturas institucionais da igreja. Igrejas de centros urbanos têm, cada vez mais, estabelecido programas de treinamento e de apoio para unir fé e trabalho. O intuito é moldar o cristão urbano para seu chamado no mercado.
5. Implantar igrejas urbanas – Não apenas mais igrejas, mas comunidades missionais cuja presença (palavras e ações) tornem o evangelho conhecido.
Para que tudo isso seja uma realidade, o autor chama atenção para a necessidade de uma teologia da missão para a cidade, o desafio seria integrar teologia, estudos urbanos e contextualização. Ela parte de perguntas tais como:
• Que tipo de idolatria está atuando na formação da cultura da cidade?
• Na questão do urbanismo, como promover um modo de vida na cidade com uma conexão adequada entre “religião” e urbanismo?
• Existem tipo diferentes de cidade? Quais são eles e como transformá-las à luz do evangelho?
• Que mudanças urbanas estão em curso hoje e como a igreja pode e deve se envolver com elas?
Para finalizar o capítulo de missão urbana, são citados elementos de congregações missionais fiéis, dentre os quais estão:
• Alta demanda do envolvimento de “leigos”
• Identificação e preocupação com os pobres
• Priorização da comunhão (pequenos grupos)
Capítulo 11 – Missões: um testemunho do evangelho onde não há
Na linguagem popular, a missão foi concebida nos séculos 19 e início do século 20 exclusivamente em função da tarefa de levar o evangelho da cultura ocidental para outras partes do mundo.
O significado expandiu-se, tornou-se um termo mais amplo/ abrangente. Missão é toda a tarefa da igreja de testemunhar todo o evangelho a todo o mundo.
Daí a necessidade de fazer distinções. Missões seriam um dos aspectos da missão, diz respeito a estabelecer um testemunho do evangelho em lugares ou entre povos onde não há ou onde esse testemunho é fraco.
Missões normalmente serão interculturais, mas não é isso que as define.
Pode haver parcerias interculturais que não envolvem missões (testemunho do evangelho onde não há). Por exemplo: um brasileiro que vai para Moçambique assumir um cargo de professor em um seminário para treinar líderes africanos.
É importante distinguir os termos pois:
• Missões são entendidas por muitos apenas como algo que acontece no “exterior” (fruto da mentalidade colonialista).
• Com isso, a tarefa de levar o evangelho àqueles que nunca ouviram está sendo negligenciada.
• Missão sem missões é um conceito enfraquecido e paroquial.
O movimento missionário moderno nos deixou um legado. Ele precisa ser valorizado e criticado. O valor está no fato de que hoje a igreja está viva em todas as partes do mundo devido à fidelidade à tarefa de levar o evangelho a lugares onde ele precisa ser ouvido. As severas críticas estão ligadas a como isso foi feito.
• A iniciativa missionária moderna não criticou a visão de mundo do Iluminismo nem a estrutura colonial que a moldou.
• Missão foi reduzida a missões (igreja que não criticava a própria cultura).
Tendo em vista o legado deixado pelas visões modernas, faz-se necessário um retorno às Escrituras atentando para os quatro elementos a seguir:
1. O evangelho é verdadeiro e tem um significado universal.
2. A missãso de Deus desde o início teve um horizonte universal.
3. Temos de levar a sério o modelo central do Novo Testamento para missões no livro de Atos.
4. As missões são a tarefa da congregação local.
E quais são as necessidades do mundo?
Nos dias do apóstolo Paulo: qualquer lugar além dos limites de Jerusalém e de Israel.
Séculos 19 e 20: além dos países do Ocidente.
E como identificamos as necessidades do mundo hoje, quando a igreja é encontrada em todas as nações da terra? Existem, ainda, muitos lugares e povos sem uma comunidade de testemunho no meio deles. Esses grupos de pessoas não alcançadas ou povos não alcançados (PNAs), como são chamados no meio missionário (há uma vasta história sobre como defini-los), necessitam de um esforço missionário intercultural até que tenham uma comunidade local de cristãos com números e recursos adequados para evangelizar esse grupo de pessoas sem assistência externa.
De acordo com o Joshua Project, há em fevereiro de 2022 mais de 17 mil grupo de pessoas identificados, dos quais 7.398 são considerados não alcançados (grupos em que há menos de 5% que se declaram cristãos e em que menos de 2% são evangélicos).
Há muitas críticas a respeito de desenhar toda uma estratégia de missões baseada em grupos culturais homogêneos, principalmente agora em função da urbanização, globalização e migrações. (Aqui há três artigos publicados pelo Martureo em torno disso.)
Há os que consideram últil enxergar a tarefa inacabada levando em conta três grandes blocos: muçulmanos, hindus e chineses. No entanto, cada um desses grandes blocos conta com minorias distintas.
Outra ferramenta popular para identificar a necessidade mundial é a chamada janela 10/40, um cinturão que se estende da África Ocidental, passando pela Ásia, entre 10 graus ao norte e 40 graus ao norte da linha do Equador. Nessa janela estão:
• 2/3 da população mundial
• A maioria das pessoas e países não evangelizados
• A maioria das megacidades menos evangelizadas do mundo
• A maioria dos três principais blocos religiosos não cristãos do mundo
Outra forma de olhar para as necessidades atuais do mundo seria observar a Ásia, onde vivem 81% dos 4,7 bilhões de não cristãos do mundo e onde as três maiores religiões não cristãs estão enraizadas.
Quanto aos problemas que dificultam uma nova iniciativa de missões, Goheen aponta três principais:
1. Falta de fervor – Visão morna de pastores, de seminários e do povo de Deus como um todo.
2. Alocação inadequada de recursos – Mais de 90% vão para parcerias interculturais, e uma quantidade mínima (algo como 1,2%), é alocada para alcançar o 1,1 bilhão de pessoas nas partes menos evangelizadas.
3. Legado do colonialismo.
Em termos de estruturas de missões, quem realizará o trabalho?
Há um despertamento da igreja local para as missões. Durante séculos, foram as sociedades missionárias independentes e denominacionais que realizaram a tarefa. O crescimento das missões do Sul global também é outra realidade deste século. Segundo a Operation World, China, Índia, Coreia do Sul e Nigéria são quatro das cinco maiores nações que enviam missionários. Nesse contexto, parcerias entre várias agências missionárias, entre várias igrejas, agências missionárias e igrejas, órgãos ocidentais e não ocidentais são imprescindíveis.
Por fim, muitos modelos de realizar a tarefa missionária são obsoletos, mas nem todos. O missionário “profissional” ainda é uma parte importante do todo, ainda que haja uma maturidade da igreja global no sentido de apoiar obreiros locais. Fazedores de tentas, missões de curto prazo e BAM são outros modelos que podem compor esforços uma vez que o tempo das missões ainda não acabou.
Artigo originalmente publicado por Martureo.com. Reproduzido com permissão.
- 16 de fevereiro de 2022
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