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Opinião

Os Traças da Bíblia foram realmente longe demais...

Por Gercymar Wellington Lima e Silva

Quem foram os Traças da Bíblia, como surgiram, como se reproduziram? Brincadeira à parte, os Traças da Bíblia remontam a história do início do metodismo na Inglaterra antes ainda do Clube Santo.

A história dos Traças da Bíblia não partiu inicialmente de uma atenção para a erudição ou para as expressões clássicas ou sérias do conhecimento, lembra a matéria da Christian History. Mas, quem 1°) eram os Traças da Bíblia? 2°) Como surgiram? 3°) Que legado os “Traças” deixaram? 4°) Como trataram a leitura da Bíblia? É isso, em linhas gerais, que propomos ponderar nesta breve reflexão.

Por tradição, a Universidade de Oxford não era, por incrível que pareça, um centro de referência acadêmica e/ou de um lugar de vivência espiritual da fé cristã ou de uma vida de “obediência a Deus”, nem mesmo por parte de seus professores. Embora os Wesley tivessem sido educados primariamente para serem pastores, por seus princípios familiares, eles queriam aproveitar o máximo, como quaisquer outras pessoas, no intuito de alcançar postos confortáveis. Esses rapazes vinham das classes pobres ou média baixa, já que Samuel, o pai, era pastor em Epowrth, uma região essencialmente agrária da Inglaterra.

Na verdade, Oxford era um centro acadêmico conhecido por ser “liberal” no sentido mais crítico e popular que concebemos hoje em dia, “no qual os estudantes dedicavam a maior parte de seu tempo a beber, jogar, e conversar com os amigos” (Christian History, edição 69). Em 1720, quando John Wesley entrou em Oxford, para o Christ Church (Igreja de Cristo) e, ao que tudo indica, ele se adaptou bem. “Conhecido por ser sério, mas sociável, ele jogava tênis, dançava, lia e assistia a peças, mantendo relações estreitas – mas não escandalosas – com várias jovens”. Dizem que chegou a ser punido uma vez, por uma infração menor ao código de vestimentas. Nada que tenha sido muito relevante negativamente, no sentido moral.

Muitos contornos sociais da vida em Oxford, no início do século 18, acabaram não sendo amplamente admitidos ou descritos nas breves narrativas ou recortes da história do metodismo, exceto por aquilo que mais interessou aos críticos e escritores mais recentes ou da atualidade. É justamente por isso que desconhecemos o contexto do surgimento do movimento wesleyano.



Quem eram os traças da Bíblia?
No ano de 1726, no contexto em que John Wesley foi eleito fellow no Lincoln College, isto é, quando ele se tornou professor associado ou tutor (professor acompanhante dos alunos), Charles matriculou-se no Christ Church, traçando o mesmo caminho inicial de seu irmão John. Como qualquer rapaz, encantou-se e se deixou levar pela vida social de Oxford, “mas, devido em parte à influência de seu irmão [John], rapidamente voltou sua atenção para a espiritualidade”, passando a participar fielmente das orações e dos cultos promovidos pela escola, seguindo essa premissa.

Provavelmente, nenhum outro grupo tenha sofrido tanto desprezo quanto os Traças, antes mesmo de formarem o primeiro núcleo wesleyano ou clube de santidade, como concebemos na história do povo chamado metodista. A partir da reorientação de John, Charles Wesley iniciou aquilo que seus críticos chamariam de “sociedade ridícula”: leituras sistemáticas e regulares da Bíblia, fossem nas celas individuais ou ao ar livre, contando com mais dois ou três companheiros que ele persuadiu a acompanhá-lo (William Morgan e Bob Kirkham).

Na história dos “Traças da Bíblia”, a leitura bíblica, constituiu, a rigor, o ponto de partida da ação daqueles primeiros metodistas em Oxford. No início, diante de uma espiritualidade mais rústica, tomar parte dos cultos (sermões) e nas orações, tomando a iniciativa de organizarem um grupo de estudo e leitura da Bíblia a que chamaram Clube Santo mais tarde. Pelas costas eram chamados de Traças da Bíblia, que significa exatamente serem roedores, comedores de Bíblia, tartufos da Bíblia.

Como surgiram os Traças da Bíblia?
A revista Christian History (edição 69, sobre “os irmãos Wesley”) nos lembra, prioritariamente, que: “Por seus esforços, Charles recebeu o apelido de ‘caipira dos sermões’ e seus amigos foram logo chamados de Traças da Bíblia (do inglês Bible Moths)”. Depois, pela disciplina de participarem da comunhão eucarística regular, receberam a alcunha de “sacramentistas” e “metodistas”, os quais viveram sob ataque daqueles que queriam, desde o início, explodir a ação do clube religioso que veio a se tornar.

De fato, “Traças da Bíblia” é o primeiro apelido que os metodistas tiveram, depois vieram outros nomes, como o clube santo, sacramentistas e o último, metodistas, um apelido que os Traças assumiram sem nenhuma dificuldade. Outros apelidos ou cognomes foram atribuídos a eles, na forma singular da literatura ou por escritores que os atacaram, como “entusiastas”, “seita metodista”, “loucos entusiastas”, mas nenhum se fixou tão fortemente como “metodistas”.

Nos grupos pequenos, a leitura da Bíblia era praticamente uma disciplina requerida para os encontros ou era a parte maior da vivência das reuniões em seus compartilhamentos.

Como trataram a leitura da Bíblia?
A leitura da Bíblia, isto é, a “Palavra Viva” sempre esteve no horizonte dos Traças. A experiência como possibilidade interpretativa, ou seja, como fonte do conhecimento de Deus e, por consequência para a interpretação da Bíblia, aliada às outras fontes chamadas posteriormente de fontes teológicas. Assim, surgia o Quadrilátero Wesleyano (QW), formado por Bíblia, Tradição, Razão e Experiência, considerado pelos estudiosos como uma metodologia de interpretação para a leitura e/ou estudo da Bíblia, em perspectiva wesleyana.

Como isso funciona(va)? Ou como deveríamos ler o texto bíblico?
A cultura de valorização das Escrituras está contida no pensamento do quão importante é: lê-la, estudá-la, usá-la, e conferir ou com ela dialogar. É fundamental lembrarmos que as Escrituras, em Wesley, constituem o critério para a sua primeira avaliação própria, para o estudo e interpretação do texto bíblico, seguindo a lógica de que um texto bíblico ilumina e lança luz sobre outro texto mais difícil, “o que requer de nós humildade diante da Bíblia”.

As Escrituras (A Bíblia) para os “Traças”, assim como para John Wesley era a literatura mais querida/lida, como lembra no Evangelho: “Examinai as Escrituras, porque cuidais ter nelas [as palavras de] vida eterna e são elas mesmas que de mim testificam” (cf. João 5.39, ARA). John Wesley comenta este verso em suas Notas sobre o Novo Testamento: “Um mandamento claro para todos os homens. Nela vocês têm a segurança da vida eterna. Vocês sabem que elas lhes mostram o caminho da vida eterna. E essas escrituras realmente testificam de mim [disse Jesus]”. Entendemos porque Wesley se autodenominou homem de um único livro.

Que legado os traças deixaram?
Conferir as Escrituras pelas Escrituras. Depois, seguir ou conferir o que a Tradição – os intérpretes e pensadores cristãos e a Igreja – tinham considerado sobre o tema ou passagem bíblica. Por conseguinte, como qualquer inglês de seu tempo, no século 18 – a Idade da Razão –, fazer o uso incontestável dos atributos da Razão, pesquisando e/ou refletindo sobre o significado do texto bíblico, as terminologias mais complexas. Acrescentando a Experiência, como lembrado acima, evidenciando que a Palavra de Deus é “teoria e prática”; é vida e prática devocional e relacional; assim como A Palavra é poder de Deus para nos salvar, vivificar e santificar!

A autoridade das Escrituras tinha importância fundamental para os Traças: Não podemos nos esquecer que o valor e autoridade da Bíblia antecede, por assim dizer, qualquer movimento cristão contemporâneo e moderno. Vejamos uma preocupação com essa questão nas Notas Explicativas de John Wesley sobre o NT: “O conceito de autoridade vem do grego exousia e é definido no Dicionário do Novo Testamento (NT) Grego como “poder de domínio” ou “governo” ou ainda como “autoridade divina”.

Nas Notas Explicativas, de John Wesley, sobre Mateus 7.28,29 ele diz: “O evangelista tende a evidenciar que os escribas eram meros expoentes da Lei, por isso a expunham de uma maneira “ineficaz” e “sem vida”, enquanto Jesus ensinava como um representante da autoridade que só pertence a Deus, o que equivale a afirmar que a autoridade de Jesus vinha e vem diretamente de Deus”. Por isso, Jesus fala “com autoridade”, não como os demais mestres de sua época ou intérpretes da Lei.
  • Gercymar Wellington Lima e Silva, especialista em estudos wesleyanos e pastor.

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