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Opinião

“Os racistas não entram no reino dos Céus”, diz pastor

As palavras são duras, nascidas de um pastor batista negro que enfrenta as barreiras do preconceito no Brasil. Marco Davi é pastor da Igreja Batista em Parque Dorotéia, São Paulo, mestre em Ciências da Religião e coordenador-fundador da ANNEB (Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil). Na entrevista a seguir, Davi fala sobre a luta por uma “reconciliação racial” e sobre a Conferência Nacional Negritude & Evangélicos que começa nesta quinta-feira, dia 13, e termina no sábado, dia 15, no Rio de Janeiro (RJ).

Portal Ultimato - Qual o objetivo da Conferência Nacional Negritude e & Evangélicos?

Marco Davi - Temos como objetivo consolidar o Movimento Negro Evangélico enquanto organismo agregador de todos os movimentos e iniciativas evangélicas de negritude. Para isto, precisamos tornar realidade o objetivo do Movimento Negro Evangélico: engajar, agregar, motivar e potencializar todos os organismos e grupos evangélicos que trabalham, discutem e mobilizam em torno da questão racial no Brasil, a partir da Igreja Evangélica e nos movimentos sociais.

A Conferência Nacional Negritude & Evangélicos não é um evento único, mas o início de um processo que culminará na formação de uma rede de organizações, pessoas e igrejas que trabalham a temática da população negra no Brasil e fora dele. Queremos realizar em 2015 o Congresso Nacional Negritude & Evangélicos e, se Deus permitir, em 2016, o Congresso Latino Americano Negritude & Evangélicos.

Portal Ultimato - Um dos preletores será John Perkins, uma das grandes vozes na defesa da reconciliação racial. O que Perkins poderá acrescentar à Igreja Evangélica Brasileira?

Marco Davi - A presença do Rev. John Perkins por si só já é um presente para nós como negros e como igreja. A sua história de luta pelos Direitos Humanos, na organização da população negra do Mississipi e nos Estados Unidos já o qualifica para estar entre nós. Suas propostas de reconciliação que não deixam de lado a necessidade de igualdade farão com que tenhamos novas perspectivas. Até, quem sabe, novos discursos sobre a questão negra entre nós.

Portal Ultimato - Quando falamos de “reconciliação racial” do que estamos falando?

Marco Davi - Creio que, no Brasil, precisamos elaborar mais o assunto. Precisamos lutar pela reconciliação. Mas para que isto aconteça duas coisas são necessárias e importantes. Primeiro, os negros devem gostar de serem negros. Há uma autoestima baixa entre os negros do Brasil em geral. Muitos têm dificuldades até de discutir o assunto sobre raça. Outros procuram se juntar mais e mais com brancos, não porque acham natural, mas porque têm dificuldades com a sua cor da pele, sua raça. Não é porque eles sejam racistas, , como afirmam alguns preconceituosos (até porque os racistas sempre são aqueles que fazem parte do grupo de maior poder econômico, politico e sistêmico). Portanto, é impossível, de forma radical, que os negros sejam racistas. Mas quando alguns têm sentimentos racistas, como sabemos de alguns que nutrem esse sentimentos pecaminosos, o fazem talvez porque não se aceitam como são: imagem e semelhança de Deus.

Outra realidade importante para que haja reconciliação entre negros e brancos no Brasil são os brancos compreenderem que eles têm vantagens no Brasil. Os brancos pobres ou ricos já nascem com vantagens nesta nação. A raça dos brancos não foi escravizada por mais de 350 anos. Os brancos têm vantagens emocionais, psicológicas, econômicas, sociais, geográficas, etc. Os brancos não são o objeto principal da violência policial, mas sim os negros. São os negros que precisam conversar com os filhos que sofrem angústias por serem discriminados no país. E muitas outras coisas.

Não estou legitimando a postura de “coitados” para os negros, mas sim mostrando que se os brancos não reconhecerem isso, que o Estado brasileiro deve à população negra, não conseguiremos muitas avanços. A reconciliação sem direitos é imposição da Injustiça.

Portal Ultimato - Quando defendemos os negros, desvalorizamos os brancos?

Marco Davi - De maneira nenhuma. Os brancos e os negros são imagem e semelhança do Pai. O que queremos falar com a defesa dos negros - e que causa sim muitas dificuldades para brancos e negros pelos motivos ressaltados acima - é a busca dos direitos diante desta sociedade que evidencia o racismo e a sua exclusão. O Estado do Brasil deve muito aos negros que trabalharam muito sem nada receberem, somente alimentação horrível, violência, estupros, segregação, imposições de leis que favoreciam aos brancos da época, principalmente, aos ricos e fazendeiros, etc. Quando os negros estavam prontos e preparados para o trabalho e próprio ganho pessoal e não para seus senhores, o Estado do Brasil criou outras formas de prejudicar os negros, como a lei do ventre livre, o branqueamento que posteriormente se tornou uma política a partir da qual muitos brancos de outros países vieram para cá subsidiados pelo governo. Foi muita covardia. Se o Brasil não reparar isto continuará sob o juízo de Deus.

Portal Ultimato - Um assunto urgente é a violência que tem os jovens negros como as maiores vítimas. Para este assunto, haverá uma mesa de debate. Qual a gravidade do tema?

Marco Davi - Agora mesmo saiu uma pesquisa que mostra que os negros jovens são as maiores vítimas da violência. O Mapa da Violência no Brasil 2014 revela isto. Em todo o país, sete jovens são mortos a cada duas horas. São 82 jovens mortos por dia, 30 mil por ano, todos com idades de 15 a 29 anos. E, entre os jovens assassinados, 77% são negros (somando aqui os pretos e pardos, pelos critérios do IBGE).

Isso é muito grave, porque basta ser negro. Ninguém está preocupado se ele é evangélico, do candomblé, ou católico. É negro e ponto. O que é muito triste é ler alguns comentários nas redes sociais de gente que é racista, mas nunca tem coragem de avisar ao outro. Nesta hora, esta gente se sente livre e detona o seu azedume racista. Gente de igreja também que diz não ser bem assim, que isso é notícia plantada. Ora, quem vai plantar uma desgraça dessa? Qual objetivo? Isso é uma realidade, e a violência pode atingir também aos cristãos, como já tem acontecido.

Confesso que tenho medo, pois tenho um filho de 18 anos e uma filha de 16. Negros lindos por sinal, estudiosos, dedicados. Quando eles saem, eu fico com muito medo do que pode acontecer. Como cristão e pastor, coloco, é claro, nas mãos do Senhor. Mas digo a Ele que o medo existe, porque moro no Brasil onde os negros - como em outros lugares - são preteridos em muitas coisas. O negro é objeto de violência em primeiro lugar.

A igreja brasileira denominou alguns problemas no Brasil como coisas do diabo, tais como: homossexualismo, casamento gay, aborto, etc. Mas tantos jovens negros são assassinados no Brasil e isso nunca foi motivo para levante midiático, campanhas no Youtube, Facebook, televisão , etc. Ou seja, o genocídio aos negros pode continuar, desde que não atinja os dogmas religiosos das igrejas. Mas o que será o que o Senhor Jesus dirá à nossa igreja do Brasil? Racismo é pecado. E quando você que é racista e acha que os negros devem morrer mesmo, não devem nem falar sobre direitos, e devem continuar no seu lugar, estiver lendo este texto, peça perdão ao Senhor e peça a ele que tenha misericórdia de sua vida. Porque talvez você, no juízo final diante do Senhor, o encontre negro. E isso acontecendo, ele dirá “apartai de mim maldito para o fogo eterno”, pois racistas não entram no reino dos céus.


Serviço:
Conferência Nacional Negritude & Evangélicos
Tema: Reflexão, Resistência e Engajamento
Data: 13, 14 e 15 de novembro
Local: Seminário Teológico Batista do Sul (RJ)
Informações: aqui



Equipe Editorial Web
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