Opinião
- 05 de abril de 2013
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Os políticos evangélicos e a violência social
Um colega duvidava da presença honesta de evangélicos na política. Foi "sempre" assim? Não. Lisâneas Maciel permanece como referência a bons políticos evangélicos na ocasião da reforma constitucional, confundindo-se com grandes nomes nacionais. Até à formação dos "blocos evangélicos", depois da ditadura militar, não havia essa ideologia corporativa absurda. Por isso defendem Feliciano. Por serem "evangélicos", e representarem, dizem eles, um seguimento de 32% da população brasileira, que reclama privilégios e exceções constitucionais, além de se acharem no direito de pressionar a “nação permissiva” em nome da “religião”. Mas a adoção de leis autoritárias sobre criminalidade juvenil, orientação sexual, pedofilia, homoafetividade, entre outros aspectos, camuflam uma realidade ampla, extensa, que representa o ingresso sem volta da sociedade brasileira na “era do vazio”, como diria G. Lipovetsky. É tempo de “medo”, de violência e insegurança pública.
Nos nossos dias, trocou-se o cenário bucólico das cidades do interior por outro, dos espigões de concreto, estruturas metálicas, ruas e avenidas asfaltadas, câmeras para vigiar desde o cidadão honesto ao que pratica um assalto num banco ou num supermercado. A violência se dissolve na paisagem poluída, enquanto sobem as taxas de agressões físicas, reconhecendo-se que o culto à força cresce em nível exponencial. Até algumas décadas, a violência física era atribuída à embriaguez, e a mídia se alimentava atacando os botequins. Ali ocorriam “cenas de sangue”, dava até samba, como cantou Emílio Santiago, na canção de Paulo Vanzolini que ninguém esquece.
Hoje, o crack, a cocaína, drogas populares, recebem a condenação, como parte da violência e como referência à quebra de normas sociais. Cidades como o Rio de Janeiro, que foi a capital da pátria até o fim da minha adolescência – e este autor experimentava o primeiro emprego em Brasília, sonho de Niemeyer –, sucumbem à violência. Tornam-se capitais da corrupção ou do crime organizado. A população tem medo. Dali, evangélicos pentecostais pretendem ditar sua “hegemonia moral” sobre o resto do país, e reavivar moralmente a nação.
A repulsa pelas condutas violentas, por outro lado, além da “catarse”, encontra culpados ideais no sistema de governo, acompanha a disseminação dos valores da sociedade hedonista que não quer ser incomodada, imersa na intensa propaganda em favor do consumo supérfluo, turismo, música, shows, festivais, futebol, espetáculos que camuflam a realidade assustadora das desigualdades. Então, o que é chocante, impactante, é o enfoque invertido sobre os reais problemas das urbes. Vai repercutir nas urnas. As vítimas não servem ao autoritarismo ideológico moralista. A manipulação da psicologia subliminar sobre o medo, o repulsivo e nojento, ganha espaço: "criança abusada"; "adolescente ladrão e assassino", “rejeição ao homoafetivo”. Quem não se interessa por esses “slogans” falso-moralistas?
Vai além da impotência da sociedade lidar com assuntos tão complexos. A pedofilia acompanha as sociedades humanas, como a prostituição infantil, desde tempos remotos, consentida nas práticas escravagistas e nos contratos matrimoniais e de concubinato, ao contrário do incesto. A criminalidade juvenil – fenômeno urbano, concordam antropólogos e sociólogos –, é consequência dos surtos de violência contínuos que refletem a desorganização e consequente desproteção que o jovem sofre, à margem do desenvolvimento econômico, especialmente nas periferias da cidade. Resultado da ganância darwiniana do todo social, que exclui o mais fraco. Esses políticos conhecem isso, experiência que vem dos púlpitos evangélicos, explorando o medo e as perplexidades do socialmente imponderável.
No Congresso, um deputado, pastor evangélico, foi presidente da Comissão do Narcotráfico – acusado, e até admitiria posteriormente ter recebido favores do crime organizado; envolvido na “operação sanguessuga” –, saiu para a eleição ao senado com “absoluta” aprovação do eleitorado evangélico. O outro assume a presidência da Comissão de Direitos Humanos, representando a bancada evangélica, com o mesmo propósito. Retornamos ao tempo em que a justiça civil não tomava conhecimento tanto da violência intrafamiliar quanto da sevícia, abuso sexual, trabalho forçado, e escravidão do adulto e da criança. Nesse espaço cabe a receita legalista secreta, sob medo subliminar, nojo e repulsa, para condimentar a questão. Têm em comum plataformas como o “combate à pedofilia”, enquanto misturam no prato básico, autoritário, questões da homoafetividade e a criminalidade juvenil.
O exemplo de que a redução da maioridade penal para 14 ou 16 anos – como defendem parlamentares evangélicos – combate o crime precoce, afasta da violência, das drogas, é desmentido pelos próprios fatos: adolescentes e jovens envolvidos com o crime são originários de famílias extremamente violentas, segundo analistas comportamentais. Definitivamente, os parlamentares ignoram os fatores que originam a violência na sociedade. A juventude, além de tudo, é carente de direitos fundamentais quanto à saúde, escola de qualidade, saneamento básico, habitação e trabalho condigno, que o Estatuto (ECA), como lei, não resolve por inteiro. Isso não rende votos. Políticos evangélicos propõem a revogação da Constituição, em sua propaganda eleitoral e nas comissões das quais participam.
O jogo da democracia é duro, áspero como uma lixa aplicada às consciências libertárias... Tem jeito? Tem. E tudo começa no voto. Quem elege esses deputados, aparentemente, faz isso conscientemente. E o que esperam deles? Eis o nó que ninguém desata. É preciso protestar, sim. O aperfeiçoamento da democracia, no entanto, é demorado. Creio que eleições distritais de dois em dois anos, cartões eleitorais digitais, máquinas em lugares públicos ou privados, seria um avanço democrático. Políticos seriam julgados por um eleitorado geral. Prazos mais curtos para os mandatos parlamentares; mandatários sujeitos a confirmação periódica ou rejeição do eleitorado, ajudariam muito no processo eleitoral. O voto religioso teria de ser condenado e abolido. Ele é antidemocrático. A Constituição já faz a sua parte, não admitindo o mesmo. Mas esta sociedade quer isso?
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Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não
Nos nossos dias, trocou-se o cenário bucólico das cidades do interior por outro, dos espigões de concreto, estruturas metálicas, ruas e avenidas asfaltadas, câmeras para vigiar desde o cidadão honesto ao que pratica um assalto num banco ou num supermercado. A violência se dissolve na paisagem poluída, enquanto sobem as taxas de agressões físicas, reconhecendo-se que o culto à força cresce em nível exponencial. Até algumas décadas, a violência física era atribuída à embriaguez, e a mídia se alimentava atacando os botequins. Ali ocorriam “cenas de sangue”, dava até samba, como cantou Emílio Santiago, na canção de Paulo Vanzolini que ninguém esquece.
Hoje, o crack, a cocaína, drogas populares, recebem a condenação, como parte da violência e como referência à quebra de normas sociais. Cidades como o Rio de Janeiro, que foi a capital da pátria até o fim da minha adolescência – e este autor experimentava o primeiro emprego em Brasília, sonho de Niemeyer –, sucumbem à violência. Tornam-se capitais da corrupção ou do crime organizado. A população tem medo. Dali, evangélicos pentecostais pretendem ditar sua “hegemonia moral” sobre o resto do país, e reavivar moralmente a nação.
A repulsa pelas condutas violentas, por outro lado, além da “catarse”, encontra culpados ideais no sistema de governo, acompanha a disseminação dos valores da sociedade hedonista que não quer ser incomodada, imersa na intensa propaganda em favor do consumo supérfluo, turismo, música, shows, festivais, futebol, espetáculos que camuflam a realidade assustadora das desigualdades. Então, o que é chocante, impactante, é o enfoque invertido sobre os reais problemas das urbes. Vai repercutir nas urnas. As vítimas não servem ao autoritarismo ideológico moralista. A manipulação da psicologia subliminar sobre o medo, o repulsivo e nojento, ganha espaço: "criança abusada"; "adolescente ladrão e assassino", “rejeição ao homoafetivo”. Quem não se interessa por esses “slogans” falso-moralistas?
Vai além da impotência da sociedade lidar com assuntos tão complexos. A pedofilia acompanha as sociedades humanas, como a prostituição infantil, desde tempos remotos, consentida nas práticas escravagistas e nos contratos matrimoniais e de concubinato, ao contrário do incesto. A criminalidade juvenil – fenômeno urbano, concordam antropólogos e sociólogos –, é consequência dos surtos de violência contínuos que refletem a desorganização e consequente desproteção que o jovem sofre, à margem do desenvolvimento econômico, especialmente nas periferias da cidade. Resultado da ganância darwiniana do todo social, que exclui o mais fraco. Esses políticos conhecem isso, experiência que vem dos púlpitos evangélicos, explorando o medo e as perplexidades do socialmente imponderável.
No Congresso, um deputado, pastor evangélico, foi presidente da Comissão do Narcotráfico – acusado, e até admitiria posteriormente ter recebido favores do crime organizado; envolvido na “operação sanguessuga” –, saiu para a eleição ao senado com “absoluta” aprovação do eleitorado evangélico. O outro assume a presidência da Comissão de Direitos Humanos, representando a bancada evangélica, com o mesmo propósito. Retornamos ao tempo em que a justiça civil não tomava conhecimento tanto da violência intrafamiliar quanto da sevícia, abuso sexual, trabalho forçado, e escravidão do adulto e da criança. Nesse espaço cabe a receita legalista secreta, sob medo subliminar, nojo e repulsa, para condimentar a questão. Têm em comum plataformas como o “combate à pedofilia”, enquanto misturam no prato básico, autoritário, questões da homoafetividade e a criminalidade juvenil.
O exemplo de que a redução da maioridade penal para 14 ou 16 anos – como defendem parlamentares evangélicos – combate o crime precoce, afasta da violência, das drogas, é desmentido pelos próprios fatos: adolescentes e jovens envolvidos com o crime são originários de famílias extremamente violentas, segundo analistas comportamentais. Definitivamente, os parlamentares ignoram os fatores que originam a violência na sociedade. A juventude, além de tudo, é carente de direitos fundamentais quanto à saúde, escola de qualidade, saneamento básico, habitação e trabalho condigno, que o Estatuto (ECA), como lei, não resolve por inteiro. Isso não rende votos. Políticos evangélicos propõem a revogação da Constituição, em sua propaganda eleitoral e nas comissões das quais participam.
O jogo da democracia é duro, áspero como uma lixa aplicada às consciências libertárias... Tem jeito? Tem. E tudo começa no voto. Quem elege esses deputados, aparentemente, faz isso conscientemente. E o que esperam deles? Eis o nó que ninguém desata. É preciso protestar, sim. O aperfeiçoamento da democracia, no entanto, é demorado. Creio que eleições distritais de dois em dois anos, cartões eleitorais digitais, máquinas em lugares públicos ou privados, seria um avanço democrático. Políticos seriam julgados por um eleitorado geral. Prazos mais curtos para os mandatos parlamentares; mandatários sujeitos a confirmação periódica ou rejeição do eleitorado, ajudariam muito no processo eleitoral. O voto religioso teria de ser condenado e abolido. Ele é antidemocrático. A Constituição já faz a sua parte, não admitindo o mesmo. Mas esta sociedade quer isso?
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Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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