Opinião
- 17 de julho de 2020
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Os pastores e a uberização da Igreja
Por Luiz Fernando dos Santos
“No dia do Senhor achei-me em Espírito...” (Ap 1.10).
Recentemente, li um artigo, que se dizia científico, defendendo a ideia de que nesses dias de home office e stay home (“trabalho em casa” e “fique em casa”), com a utilização mais prolongada e mais intensa das plataformas digitais para as reuniões de trabalho, estudo, encontros familiares e sociais entre amigos, uma nova epidemia somou-se à pandemia de coronavírus: a epidemia do estresse psicológico e do esgotamento mental, devido exatamente ao uso frequente das redes sociais e das mídias em geral.
Não tenho o porquê duvidar da exatidão e da veracidade dos dados apresentados no artigo. Primeiro, porque não possuo formação ou treinamento nas áreas que se dedicam à saúde mental e seu bem-estar. E, segundo, após três meses lecionando no sistema remoto (via internet), comprovo por experiência pessoal o estresse e o cansaço mental devido ao alto grau de concentração que as aulas virtuais exigem.
O estresse veio de imediato pelo simples fato de que não estava minimamente preparado para isso. Fui tomado, como todo mundo, de surpresa e não possuía conhecimento técnico mínimo necessário. O estresse aumentou com o experimentalismo dos primeiros dias, as testagens nas várias plataformas e dos modos que fossem os mais apropriados. Até que o time da coisa fosse atingido, os dias e as aulas foram mentalmente desgastantes. Entretanto, foi no ministério pastoral que fiz as descobertas e as experiências mais interessantes.
Depois da pandemia, não foi difícil perceber que boa parte do nosso planejamento não faz justiça à Grande Comissão e nem mesmo obedece ao grande mandamento: “amar a Deus e ao próximo”.
A primeira coisa que descobri é que o ativismo é estrutural e sistêmico, para não dizer crônico na dinâmica do ministério pastoral. Antes das paralizações das atividades presenciais, portanto, antes da pandemia, a agenda da comunidade era doentiamente frenética. As programações que se chocavam e ‘encavalavam’ na agenda estavam, de certa maneira, à serviço da justificativa da existência não só do ministério do pastor, mas de todas as organizações internas da igreja. Não foi difícil perceber que uma maioria bastante significativa dos eventos do nosso planejamento não faz jus à agenda de Jesus Cristo. Não faz justiça à Grande Comissão e, em muitos casos, nem mesmo obedece ao grande mandamento: “amar a Deus e ao próximo”.
Muito da ‘heresia’ do ativismo tem a ver com a necessidade do preenchimento do insuportável vazio existencial e o fracasso espiritual de muitos crentes e suas vidas ensimesmadas e aburguesadas. Transformamos muito do discipulado em entretenimento ‘gospel’. Veio a pandemia e ela não trouxe a ‘cura’ para esse ativismo, antes, revelou como ele é crônico no fazimento do ministério pastoral e eclesiástico em geral. As igrejas (locais e denominacionais) entram na vibe das lives, transmissões online, webnários e coisas semelhantes.
Ao invés de a liderança prover o necessário subsídio bíblico e teológico para que os crentes desenvolvessem o seu discipulado com a redescoberta do culto doméstico, da catequese familiar e do engajamento solidário nesses dias de grandes dificuldades, optamos por produzir novos tipos, agora mais bem produzidos, de entretenimento. Algumas dessas iniciativas parecem tão sem propósito definido e com um conteúdo tão improvisado, que muitas delas me lembraram os sofríveis programas esportivos da TV fechada, também produzidos em forma de lives, videoconferências e chamadas de vídeo. São sofríveis porque na falta de assuntos pela paralisação quase total do mundo dos esportes, as pautas que sempre foram desimportantes ficam ainda menos relevantes.
Os efeitos colaterais da explosão das mídias digitais existem. Eventos sem graça – no sentido bíblico e teológico –, chatos e que abusam da boa vontade do espectador. Não podemos negar a utilidade da tecnologia à nossa disposição. Também não devemos idolatrá-la.
Nessa explosão do uso das programações virtuais, tenho ouvido de muitos crentes que efeitos colaterais existem. E essa é a minha segunda descoberta. Efeitos sentidos geralmente por estudantes e profissionais que passam o dia colado no computador para cumprir as suas obrigações diárias e ainda tem que participar das atividades da igreja, com formatos e linguagens, às vezes, que abusam da boa vontade do espectador. Esses eventos são às vezes sem graça, no sentido bíblico e teológico da palavra e também no senso comum da mesma, chatos. Claro, estou exagerando aqui, não podemos negar de maneira absoluta a bênção e a utilidade da tecnologia à nossa disposição. Também não devemos idolatrá-la.
O real perigo do uso imoderado dessas ferramentas tecnológicas é a ‘uberização’ da igreja, isto é, a construção de uma relação ‘direta’ com o produto (religião) sem a mediação da comunidade concreta de fé. Minha terceira descoberta. Essa ‘uberização’ já pode ser sentida na constatação de que muitos irmãos estão se acostumando com as vantagens da totalidade da vida eclesial virtual. Aceito tranquilamente que no futuro, no ‘novo normal’, esse hibridismo será inevitável entre virtual e presencial. Porém, não aceito o conceito substitutivo, e sim o ‘complementarista’ entre tecnologia e as relações de proximidade local e física.
Penso que seria interessante, desde já, desacelerar as nossas atividades virtuais e oferecer nas que fizermos uma sólida catequese sobre a imprescindível experiência da comunhão dos santos nos ajuntamentos solenes à luz do Salmo 133, por exemplo. Até que possamos nos reunir novamente, quando as nossas autoridades sanitárias nos garantir que é seguro, que as nossas reuniões virtuais sirvam para provocar em nós o sentimento do salmista: “Melhor é um dia nos teus átrios do que mil noutro lugar” (Sl 84.10).
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Luiz Fernando dos Santos (1970-2022), foi ministro presbiteriano e era casado com Regina, pai da Talita e professor de teologia no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo.
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