Opinião
- 20 de julho de 2007
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Os critérios do amor
Paulo Brabo
Este é um mundo de retribuição, em que ninguém ama quem não tem nada a oferecer. Quem são nossos favoritos? Os notáveis, os talentosos, os destacados, os fluentes, os bonitos, os ricos, os famosos, os sábios, os espirituais, os afinados, os inteligentes, os que lembram o nosso nome. Quanto mais admiráveis nos parecerem as qualidades de alguém, mais naturalmente — mais inevitavelmente — essa pessoa parecerá merecedora do nosso amor.
Nossa tendência mais natural é amarmos as pessoas pelo que são capazes de fazer, seja essa capacidade efetiva ou potencial. Nisso consiste o que chamo de Lei Crua do Amor: não amamos as pessoas, amamos as suas competências.
Com raras exceções, a Lei Crua do Amor rege todos os nossos relacionamentos e afeições. Sei muito bem aqueles que me sinto tentado a amar: os virtuosos, os compassivos, os articulados, os bonitos, os fluentes, os criativos, os destemidos, os galantes, os que sabem dançar, os indomáveis, os modestos, os heróis que não conhecem o seu próprio valor. São essas as competências que estão no topo da minha lista, mas cada pessoa estabelece o seu próprio critério de seleção. O que temos todos em comum é a tendência de amar aqueles que demonstram ter as competências que admiramos.
A Lei Crua do Amor:
Não amamos as pessoas, amamos as suas competências.
A Lei Crua do Amor determina ainda o modo como estimamos o nosso próprio papel num relacionamento — nosso valor. É por isso que tememos tanto a doença e a velhice, porque sabemos que estão à espreita, esperando o momento de arrancar de nós as competências que nos são mais caras, aquelas ao redor das quais construímos nossa identidade. Os primeiros sinais bastarão para nos colocar em parafuso: a primeira falha de memória, a primeira barbeiragem no trânsito, a primeira incontinência urinária, a primeira desafinada, a primeira queda de cabelo.
Por que tememos dessa forma a perda das nossas competências? Acontece que sabemos muito bem que as competências dos outros determinam em grande parte nossa afeição por eles. Intuímos, pela natureza inclemente dos nossos próprios critérios, que a perda de uma competência fará com que nos tornemos menos atraentes e menos dignos de amor aos olhos dos outros.
Aqueles que não têm alguma competência para oferecer — os feios, os desajeitados, os que não sabem cantar, os que não sabem falar, os que não sabem escrever, os que não sabem jogar bola, os que não sabem agradar — intuem, por sua vez, que nunca serão amados de forma unânime e intensa como os notáveis. Não têm competências em grau ou quantidade suficientes para merecerem o nosso amor, e sabem disso.
Jesus viveu, naturalmente, para denunciar a Lei Crua do Amor. Ele convidava, de forma singela, a que adotássemos um novo e notável critério, que é, incrivelmente, a ausência de qualquer critério.
A mensagem de Jesus deixa claro, em primeiro lugar, que na perspectiva de Deus, na perspectiva do universo, as competências que tanto celebramos e redundantemente admiramos equivalem a precisamente nada — talvez menos. Se Deus fosse premiar a competência não premiaria ninguém. É por isso, por não julgar as pessoas pelas competências que têm para oferecer, que Deus faz chover sobre justos e injustos. É com base no rigoroso critério do critério algum que ele derrama do seu sol sobre heróis e marginais.
Jesus opina que na perspectiva divina a única competência que de fato conta é a competência moral, a capacidade de não fazermos o mal aos outros e a habilidade correspondente de fazermos o bem a eles. Todo o resto é acessório e deve ser descartado do nosso caderninho de admirações. Deus, no entanto, conhece-nos o bastante para não decidir julgar-nos nem mesmo por essa competência essencial. Na verdade, explica Jesus, a mais contundente demonstração de competência moral está precisamente na nossa disposição em amar os outros, e assim o círculo se fecha.
O Filho do Homem desafia-nos a sermos nisso singulares (santos) como Deus é, disparando amor arbitrariamente, como metralhadoras, abandonando definitivamente os critérios usuais de competência. Essa regra divina é a Lei Distributiva do Amor, que pode ser expressa desta forma: ninguém merece, por isso todos podem ter.
A Lei Distributiva do Amor:
Ninguém merece, por isso todos podem ter.
Quem será capaz de sentir-se atraído pelos que não têm coisa alguma para oferecer? Quem será capaz de aceitar os desprovidos de competências? Talvez aquele que desperte para a consciência de que tem o que não merece; esse ousará, quem sabe, distribuir.
Esse estará alterando a tessitura do mundo.
• Paulo Brabo é ilustrador, leitor compulsivo e mora em Campina Grande do Sul, Paraná. www.baciadasalmas.com
Este é um mundo de retribuição, em que ninguém ama quem não tem nada a oferecer. Quem são nossos favoritos? Os notáveis, os talentosos, os destacados, os fluentes, os bonitos, os ricos, os famosos, os sábios, os espirituais, os afinados, os inteligentes, os que lembram o nosso nome. Quanto mais admiráveis nos parecerem as qualidades de alguém, mais naturalmente — mais inevitavelmente — essa pessoa parecerá merecedora do nosso amor.
Nossa tendência mais natural é amarmos as pessoas pelo que são capazes de fazer, seja essa capacidade efetiva ou potencial. Nisso consiste o que chamo de Lei Crua do Amor: não amamos as pessoas, amamos as suas competências.
Com raras exceções, a Lei Crua do Amor rege todos os nossos relacionamentos e afeições. Sei muito bem aqueles que me sinto tentado a amar: os virtuosos, os compassivos, os articulados, os bonitos, os fluentes, os criativos, os destemidos, os galantes, os que sabem dançar, os indomáveis, os modestos, os heróis que não conhecem o seu próprio valor. São essas as competências que estão no topo da minha lista, mas cada pessoa estabelece o seu próprio critério de seleção. O que temos todos em comum é a tendência de amar aqueles que demonstram ter as competências que admiramos.
A Lei Crua do Amor:
Não amamos as pessoas, amamos as suas competências.
A Lei Crua do Amor determina ainda o modo como estimamos o nosso próprio papel num relacionamento — nosso valor. É por isso que tememos tanto a doença e a velhice, porque sabemos que estão à espreita, esperando o momento de arrancar de nós as competências que nos são mais caras, aquelas ao redor das quais construímos nossa identidade. Os primeiros sinais bastarão para nos colocar em parafuso: a primeira falha de memória, a primeira barbeiragem no trânsito, a primeira incontinência urinária, a primeira desafinada, a primeira queda de cabelo.
Por que tememos dessa forma a perda das nossas competências? Acontece que sabemos muito bem que as competências dos outros determinam em grande parte nossa afeição por eles. Intuímos, pela natureza inclemente dos nossos próprios critérios, que a perda de uma competência fará com que nos tornemos menos atraentes e menos dignos de amor aos olhos dos outros.
Aqueles que não têm alguma competência para oferecer — os feios, os desajeitados, os que não sabem cantar, os que não sabem falar, os que não sabem escrever, os que não sabem jogar bola, os que não sabem agradar — intuem, por sua vez, que nunca serão amados de forma unânime e intensa como os notáveis. Não têm competências em grau ou quantidade suficientes para merecerem o nosso amor, e sabem disso.
Jesus viveu, naturalmente, para denunciar a Lei Crua do Amor. Ele convidava, de forma singela, a que adotássemos um novo e notável critério, que é, incrivelmente, a ausência de qualquer critério.
A mensagem de Jesus deixa claro, em primeiro lugar, que na perspectiva de Deus, na perspectiva do universo, as competências que tanto celebramos e redundantemente admiramos equivalem a precisamente nada — talvez menos. Se Deus fosse premiar a competência não premiaria ninguém. É por isso, por não julgar as pessoas pelas competências que têm para oferecer, que Deus faz chover sobre justos e injustos. É com base no rigoroso critério do critério algum que ele derrama do seu sol sobre heróis e marginais.
Jesus opina que na perspectiva divina a única competência que de fato conta é a competência moral, a capacidade de não fazermos o mal aos outros e a habilidade correspondente de fazermos o bem a eles. Todo o resto é acessório e deve ser descartado do nosso caderninho de admirações. Deus, no entanto, conhece-nos o bastante para não decidir julgar-nos nem mesmo por essa competência essencial. Na verdade, explica Jesus, a mais contundente demonstração de competência moral está precisamente na nossa disposição em amar os outros, e assim o círculo se fecha.
O Filho do Homem desafia-nos a sermos nisso singulares (santos) como Deus é, disparando amor arbitrariamente, como metralhadoras, abandonando definitivamente os critérios usuais de competência. Essa regra divina é a Lei Distributiva do Amor, que pode ser expressa desta forma: ninguém merece, por isso todos podem ter.
A Lei Distributiva do Amor:
Ninguém merece, por isso todos podem ter.
Quem será capaz de sentir-se atraído pelos que não têm coisa alguma para oferecer? Quem será capaz de aceitar os desprovidos de competências? Talvez aquele que desperte para a consciência de que tem o que não merece; esse ousará, quem sabe, distribuir.
Esse estará alterando a tessitura do mundo.
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