Opinião
- 13 de dezembro de 2023
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Os agrotóxicos e a saúde mental: uma resposta cristã
Amor ao próximo exige ação. Exige vozes que se levantam para clamar pela vida, pelo florescimento da criação e pela saúde mental da humanidade
Por Tiago Pereira
Há cerca de 60 anos, o livro “Primavera Silenciosa” foi responsável por uma verdadeira revolução na história ambiental. A obra escrita por Rachel Carson se tornou um marco para os movimentos ambientalistas modernos e teve um enorme impacto na conscientização sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos no meio ambiente e na saúde humana.
Carson, que era bióloga e trabalhou por muitos anos no Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, denunciou os impactos causados pelos pesticidas na natureza - especialmente nas aves e seus belos cantos - e chamou a atenção para o perigo do uso indiscriminado de produtos químicos na agricultura e no controle de pragas. Seu trabalho pioneiro nessa área foi responsável por iniciar um debate global sobre a necessidade de regulamentações mais rígidas e práticas agrícolas mais sustentáveis.
A repercussão da influente obra foi diretamente responsável pela proibição do DDT nos Estados Unidos e em outros países, incluindo uma tardia proibição no Brasil. O trabalho de Carson inspirou a criação de agências regulatórias ambientais e a implementação de leis mais rigorosas em todo o mundo, além de ter inspirado gerações subsequentes de cientistas e ambientalistas a se envolverem em iniciativas de conservação e proteção da natureza.
Apesar dos avanços científicos das últimas décadas, ainda persistem muitos desafios relacionados ao uso de produtos químicos na agricultura. A extensão dos efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana continuam sendo estudados, e pesquisas recentes têm alertado para uma preocupante correlação entre o uso de agrotóxicos e a saúde mental. Alguns produtos químicos usados no controle de pragas podem atuar como inibidores da ação de importantes neurotransmissores, como a serotonina, prejudicando o bom funcionamento do sistema nervoso. Além disso, alguns pesticidas podem agir como desreguladores endócrinos, interferindo no equilíbrio hormonal do corpo humano.
As pesquisas nesse tema têm despertado um crescente interesse em profissionais de saúde e pesquisadores de diversas áreas. Por ser um campo de estudo em constante desenvolvimento, os resultados podem variar dependendo do tipo de agrotóxico, do nível e da duração da exposição, além de outros fatores ambientais e genéticos. As evidências mais recentes, contudo, têm mostrado que agricultores que trabalham em contato direto com agrotóxicos apresentam maiores taxas de ideação suicida e de suicídio, além de distúrbios psiquiátricos como depressão e ansiedade. Outros danos envolvem o comprometimento cognitivo e problemas de atenção, memória e raciocínio, e estão associados principalmente aos trabalhadores diretamente expostos e intoxicados pelo uso indevido dos agroquímicos. Além destes impactos, os dados revelam que comunidades inteiras também podem ser prejudicadas pela exposição crônica a essas substâncias. Um fator ainda mais preocupante diz respeito à exposição aos agrotóxicos durante a gravidez ou na infância, que pode trazer prejuízos significativos no desenvolvimento neurológico das crianças, aumentando potencialmente o risco de distúrbios psicológicos e de comportamento.
Quando Rachel Carson lançou seu alerta sobre os pesticidas usados em sua época, provavelmente não imaginava que seus efeitos seriam nocivos a ponto de afetar a nossa saúde mental. Seis décadas depois, no entanto, continuamos enfrentando um desafio que exige conscientização, denúncia, compaixão e ação, atitudes dignas da vocação e da prática cristã.
Um fato que talvez seja pouco conhecido sobre a vida de Carson é que ela nasceu em uma família presbiteriana nos Estados Unidos, tendo crescido em um ambiente com fortes influências cristãs. Apesar de não haver evidências substanciais de que a fé tenha sido um ponto central em suas obras, é possível perceber como uma ética baseada em princípios cristãos teria influenciado indiretamente sua visão sobre a natureza e a responsabilidade humana.
Se entendemos que as escrituras nos ensinam que somos corresponsáveis pelo florescimento de toda a criação no papel de cultivar e guardar o jardim (Gn 2.15); e se igualmente entendemos que a mensagem do evangelho é uma mensagem de reconciliação, como nos ensinou o apóstolo Paulo (2Co 5.18,19), temos um grande fundamento bíblico para uma ética ambiental cristã. Nas palavras do pastor e teólogo luterano Joseph Sittler (1904-1987), um dos pioneiros da teologia do cuidado com a criação no século 20, “quando voltamos a atenção da igreja para uma definição da relação cristã com o mundo natural, não estamos nos afastando de ideias teológicas sérias e respeitáveis; nós estamos nos colocando bem no meio delas. Existe uma motivação profundamente enraizada e genuinamente cristã para uma atenção à criação de Deus.”
Diante da realidade de homens e mulheres, adultos e crianças, que têm sido vítimas do uso indiscriminado dos agrotóxicos, nossa obrigação enquanto cristãos é de nos posicionarmos a favor da vida e nos empenharmos no amor ao próximo. E o amor ao próximo exige ação. Assim como a Primavera Silenciosa de Rachel Carson alertou o mundo para o risco de uma natureza privada de seus sons, precisamos agora continuar sendo vozes que se levantam para clamar pela vida, pelo florescimento da criação e pela saúde mental da humanidade.
Seguindo o exemplo de Carson, podemos trabalhar em prol de influenciar a adoção de políticas públicas voltadas cada vez mais para o bem comum e para o florescimento humano, priorizando abordagens responsáveis em relação ao uso de produtos químicos na agricultura e em outros setores. Podemos atuar na sensibilização da sociedade para essas questões, organizando redes de cuidado e atenção àqueles que já foram afetados e sofreram danos irreparáveis. Além disso, podemos apoiar iniciativas voltadas para a agricultura sustentável, promover o consumo consciente e incentivar os pequenos produtores. Podemos também nos envolver em diversas iniciativas de serviço cristão, e claro, devemos falar sobre isso nas nossas igrejas.
De fato, existem muitas formas pelas quais podemos nos posicionar e exercermos influência como sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16). Finalmente, nos lembramos que devemos orar por todos: aqueles que sofrem, aqueles que trabalham e aqueles que estão no poder. Mas principalmente, oramos a oração que o Senhor Jesus nos ensinou: venha o teu Reino!
REVISTA ULTIMATO | DOENÇAS QUE FAZEM SOFRER TAMBÉM OS QUE CREEM
Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
É disso que trata a matéria de capa da edição 405 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Assim na Terra como no Céu – Experiências socioambientais na igreja local, Gínia César Bontempo (org.)
» Jesus e a Terra – A ética ambiental nos evangelhos, James Jones
» O Teste da Fé – Os cientistas também creem, Francis Collins
» Rachel Carson: a primavera e o silêncio, por Gladir Cabral
» Lançado na Europa mapa de envenenamento de alimentos no Brasil, Jornal da USP
Por Tiago Pereira
Há cerca de 60 anos, o livro “Primavera Silenciosa” foi responsável por uma verdadeira revolução na história ambiental. A obra escrita por Rachel Carson se tornou um marco para os movimentos ambientalistas modernos e teve um enorme impacto na conscientização sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos no meio ambiente e na saúde humana.
Carson, que era bióloga e trabalhou por muitos anos no Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, denunciou os impactos causados pelos pesticidas na natureza - especialmente nas aves e seus belos cantos - e chamou a atenção para o perigo do uso indiscriminado de produtos químicos na agricultura e no controle de pragas. Seu trabalho pioneiro nessa área foi responsável por iniciar um debate global sobre a necessidade de regulamentações mais rígidas e práticas agrícolas mais sustentáveis.
A repercussão da influente obra foi diretamente responsável pela proibição do DDT nos Estados Unidos e em outros países, incluindo uma tardia proibição no Brasil. O trabalho de Carson inspirou a criação de agências regulatórias ambientais e a implementação de leis mais rigorosas em todo o mundo, além de ter inspirado gerações subsequentes de cientistas e ambientalistas a se envolverem em iniciativas de conservação e proteção da natureza.
Apesar dos avanços científicos das últimas décadas, ainda persistem muitos desafios relacionados ao uso de produtos químicos na agricultura. A extensão dos efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana continuam sendo estudados, e pesquisas recentes têm alertado para uma preocupante correlação entre o uso de agrotóxicos e a saúde mental. Alguns produtos químicos usados no controle de pragas podem atuar como inibidores da ação de importantes neurotransmissores, como a serotonina, prejudicando o bom funcionamento do sistema nervoso. Além disso, alguns pesticidas podem agir como desreguladores endócrinos, interferindo no equilíbrio hormonal do corpo humano.
As pesquisas nesse tema têm despertado um crescente interesse em profissionais de saúde e pesquisadores de diversas áreas. Por ser um campo de estudo em constante desenvolvimento, os resultados podem variar dependendo do tipo de agrotóxico, do nível e da duração da exposição, além de outros fatores ambientais e genéticos. As evidências mais recentes, contudo, têm mostrado que agricultores que trabalham em contato direto com agrotóxicos apresentam maiores taxas de ideação suicida e de suicídio, além de distúrbios psiquiátricos como depressão e ansiedade. Outros danos envolvem o comprometimento cognitivo e problemas de atenção, memória e raciocínio, e estão associados principalmente aos trabalhadores diretamente expostos e intoxicados pelo uso indevido dos agroquímicos. Além destes impactos, os dados revelam que comunidades inteiras também podem ser prejudicadas pela exposição crônica a essas substâncias. Um fator ainda mais preocupante diz respeito à exposição aos agrotóxicos durante a gravidez ou na infância, que pode trazer prejuízos significativos no desenvolvimento neurológico das crianças, aumentando potencialmente o risco de distúrbios psicológicos e de comportamento.
Quando Rachel Carson lançou seu alerta sobre os pesticidas usados em sua época, provavelmente não imaginava que seus efeitos seriam nocivos a ponto de afetar a nossa saúde mental. Seis décadas depois, no entanto, continuamos enfrentando um desafio que exige conscientização, denúncia, compaixão e ação, atitudes dignas da vocação e da prática cristã.
Um fato que talvez seja pouco conhecido sobre a vida de Carson é que ela nasceu em uma família presbiteriana nos Estados Unidos, tendo crescido em um ambiente com fortes influências cristãs. Apesar de não haver evidências substanciais de que a fé tenha sido um ponto central em suas obras, é possível perceber como uma ética baseada em princípios cristãos teria influenciado indiretamente sua visão sobre a natureza e a responsabilidade humana.
Se entendemos que as escrituras nos ensinam que somos corresponsáveis pelo florescimento de toda a criação no papel de cultivar e guardar o jardim (Gn 2.15); e se igualmente entendemos que a mensagem do evangelho é uma mensagem de reconciliação, como nos ensinou o apóstolo Paulo (2Co 5.18,19), temos um grande fundamento bíblico para uma ética ambiental cristã. Nas palavras do pastor e teólogo luterano Joseph Sittler (1904-1987), um dos pioneiros da teologia do cuidado com a criação no século 20, “quando voltamos a atenção da igreja para uma definição da relação cristã com o mundo natural, não estamos nos afastando de ideias teológicas sérias e respeitáveis; nós estamos nos colocando bem no meio delas. Existe uma motivação profundamente enraizada e genuinamente cristã para uma atenção à criação de Deus.”
Diante da realidade de homens e mulheres, adultos e crianças, que têm sido vítimas do uso indiscriminado dos agrotóxicos, nossa obrigação enquanto cristãos é de nos posicionarmos a favor da vida e nos empenharmos no amor ao próximo. E o amor ao próximo exige ação. Assim como a Primavera Silenciosa de Rachel Carson alertou o mundo para o risco de uma natureza privada de seus sons, precisamos agora continuar sendo vozes que se levantam para clamar pela vida, pelo florescimento da criação e pela saúde mental da humanidade.
Seguindo o exemplo de Carson, podemos trabalhar em prol de influenciar a adoção de políticas públicas voltadas cada vez mais para o bem comum e para o florescimento humano, priorizando abordagens responsáveis em relação ao uso de produtos químicos na agricultura e em outros setores. Podemos atuar na sensibilização da sociedade para essas questões, organizando redes de cuidado e atenção àqueles que já foram afetados e sofreram danos irreparáveis. Além disso, podemos apoiar iniciativas voltadas para a agricultura sustentável, promover o consumo consciente e incentivar os pequenos produtores. Podemos também nos envolver em diversas iniciativas de serviço cristão, e claro, devemos falar sobre isso nas nossas igrejas.
De fato, existem muitas formas pelas quais podemos nos posicionar e exercermos influência como sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16). Finalmente, nos lembramos que devemos orar por todos: aqueles que sofrem, aqueles que trabalham e aqueles que estão no poder. Mas principalmente, oramos a oração que o Senhor Jesus nos ensinou: venha o teu Reino!
- Tiago Pereira é biólogo formado pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Botânica também pela UFV, com pós-doutorado em Biologia Molecular e Filogeografia. Atualmente, faz parte da equipe de trabalho da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) como coordenador nacional dos Grupos de Estudo. É membro da igreja presbiteriana, casado com Eliza e pai de Pedro e Maria Clara.
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