Opinião
- 29 de maio de 2012
- Visualizações: 6093
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Ortodoxia
Muita gente não sabe, mas C. S. Lewis foi muito influenciado, entre outros, pelo jornalista, escritor e palestrante britânico G. K. Chesterton (1874-1936), principalmente no que diz respeito à sua concepção de contos de fada. Ele se tornou conhecido pelas aventuras do memorável Padre Brown, obras que beiram o fantástico, como “O Homem que era Quinta Feira”, entre outros trabalhos mais investigativos.
Como jornalista, Chesterton contribuiu para importantes jornais de Londres. Seu estilo comunicativo bem-humorado e sua arte argumentativa e equilíbrio eram apreciadas por Jorge Luis Borges, Ernest Hemingway, Gabriel García Márquez, e T. S. Eliot, além de Mahatma Gandhi e Martin Luther King, apesar de algumas divergências.
O texto em que ele fala sobre os contos de fada encontra-se em “Ortodoxia”* (1908), um relato da peregrinação espiritual do jovem Chesterton aos seus 34 anos, ex-ateu, ex-socialista, profundamente inserido nas questões do seu tempo, à procura de respostas sinceras para perguntas honestas. Ironicamente, confessa, o navegador que saiu para “descobrir a América”, na realidade, acabou por reencontrar a boa e velha Inglaterra (Ortodoxa). Mal imaginava ele que, cem anos depois, o livro se mostraria ainda tão atual e incisivo quanto às frases que o tornaram célebre.
Mas o que vem a ser Ortodoxia? Lembrando que orto significa “reto”; e doxa, “crença ou glória”, mas no senso comum, a palavra cheira a algo retrógrado, ultrapassado e dogmático. De fato, é preciso considerar que Chesterton não pretendia ser original com um título desses. Ele fala do que há muito tempo já sabe o homem comum: Que o mal existe e deve ser combatido. Que a miséria é absurda. Que a realidade também existe e é gloriosa. Que a tirania do passado está sendo substituída pela tirania do futuro. Que as principais questões da vida e sua moral encontram-se já encravadas nos mais insuspeitos contos de fada. Que a ciência tem limites que precisam ser respeitados. Que o novo não necessariamente supera o antigo. Que não existe a neutralidade política, religiosa, econômica. Que o antropocentrismo, os extremismos e outros “ismos” são absurdos. Enfim, que somente quando partimos de um ponto de referência absoluto e reto, podemos admitir o que é relativo. É essa a sabedoria milenar por trás dos dogmas.
Quem sabe, uma das frases mais célebres de “Ortodoxia”, nesse sentido, seja: “O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão”. Por outro lado, ele defende o uso da razão, desde que dentro do que chama de “razoável” para uma obra em relação ao seu criador, o logos ou razão primordial.
Essa paradoxal postura equilibrada entre os extremos do ceticismo racionalista e do sentimentalismo irracional é a marca registrada de Chesterton. A ortodoxia, assim entendida, é “o único guardião lógico da liberdade, da inovação e do avanço”. Sem ela estaremos como cegos em tiroteio. Se você quiser conservar um poste de luz branco, explica ele, precisa passar sempre uma nova tinta nele. Inovação não significa destruição; nem tão pouco a tradição, estagnação.
A ortodoxia cristã resume-se ao “Credo dos Apóstolos”, ou confissão comum a todos os cristãos católicos e protestantes. Longe de ser uma camisa de força, esses princípios simples são a via de acesso a ideais humanos como: a justiça, a amizade, a liberdade, a coragem, a paz e a alegria. Assim, Chesterton resgata o núcleo da fé cristã, capaz de dar sentido à existência humana como um todo.
Nessa linha, o capítulo dedicado aos contos de fada (ou dos Elfos), diz que aquele é “o país ensolarado do bom senso. Não é a terra que julga o céu, mas o céu que julga a terra.” É nisso que C. S. Lewis vai apostar em seu clássico “Cristianismo Puro e Simples” e em suas famosas “Crônicas de Nárnia”, e tantos outros vão seguir o exemplo.
Nota:
* Publicado no Brasil pela Editora Mundo Cristão.
Leia mais
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
- Textos publicados: 68 [ver]
- 29 de maio de 2012
- Visualizações: 6093
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Corpos doentes [fracos, limitados, mutilados] também adoram
- Pesquisa Força Missionária Brasileira 2025 quer saber como e onde estão os missionários brasileiros
- Perigo à vista ! - Vulnerabilidades que tornam filhos de missionários mais suscetíveis ao abuso e ao silêncio
- As 97 teses de Martinho Lutero
- Lutar pelos sonhos é possível após os 60. Sempre pela bondade do Senhor
- A urgência da reconciliação: Reflexões a partir do 4º Congresso de Lausanne, um ano após o 7 de outubro
- Para fissurados por controle, cancelamento é saída fácil
- Diálogos de Esperança: nova temporada conversa sobre a Igreja e Lausanne 4
- A última revista do ano
- Vem aí "The Connect Faith 2024"