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Opinião

Orações pós-guerra

As gerações mais antigas de evangélicos certamente se lembram da “Semana Universal de Oração”, sempre realizada na primeira semana do ano. Era um movimento que as igrejas no Brasil realizavam em conjunto ou em cada congregação, acompanhando um programa pré-estabelecido a partir de uma agenda internacional.

Na edição de 4 de junho de 1920 do jornal carioca “O Paiz”, na seção ”Religião – Culto Evangélico”, encontramos a agenda de oração da Semana Universal de Oração daquele ano, proposta pela Aliança Evangélica Mundial. Cada dia trazia uma pauta de ações de graças, confissões e petições, com temáticas que demonstravam a conjuntura histórica mais voltada à igreja europeia, saída da Primeira Guerra Mundial e angustiada pelo fracasso da “cristandade”. Vozes como a de Karl Barth se levantaram refletindo teologicamente a crise, revisitando a ortodoxia e traduzindo o evangelho do Reino para a sociedade de sua época.

As ações de graças eram pelo fim da guerra (1914-1917), pela assinatura do Tratado de Paz e pela fundação da Liga das Nações. Reconhecia-se nova aspiração de fraternidade entre as nações e os homens, mas esta só seria possível pelo Evangelho de Jesus Cristo e pelo advento do seu Reino. A gratidão também era voltada para o sentimento mais aguçado dos cristãos pela unidade da igreja diante da vontade do Pai e da oração do Filho (Jo 17.20,21). Por fim, graças eram dadas pelas missões entre as diferentes categorias de “outros” considerados fora do cristianismo: os muçulmanos, os pagãos, os indígenas e os judeus.

O contraste da confissão estava no reconhecimento da fé vacilante em Deus e em Jesus Cristo por causa das lutas e das divisões na igreja. Como resultado, havia o desprezo pelo testemunho pessoal do Evangelho no poder do Espírito, de uma igreja que havia sucumbido ao espírito materialista e egoísta, cega ante os desígnios de Deus, apática moralmente e esquecida do seu compromisso dominical, da Palavra e dos mandamentos.

Daí o conjunto das petições que apontavam para uma nova postura da igreja. Eram temas destas súplicas: as lideranças e seus esforços pela unidade; a Liga das Nações e a paz entre elas; a justiça, a liberdade e a verdade entre os povos; o profundo respeito mútuo entre patrões e empregados; o fim da luta industrial e do espírito de ambição; uma igreja cheia do espírito evangelístico; os “novos apóstolos, profetas, evangelistas e instrutores cheios do Espírito Santo”; os missionários e as sociedades missionárias.

Os temas ainda traziam a necessidade de visão mais clara do trabalho missionário e da coragem de pregar o Evangelho em todo o mundo. Os judeus e Israel tinham um lugar especial nas intercessões, assim como a santidade do matrimônio, os professores, os pais, a mocidade e os idosos. E, por fim, os pedidos eram “para que a consciência moral da igreja se desenvolva, e para que todos os seus membros sejam mais verdadeiros e mais corajosos no seu testemunho e no seu trabalho de perfeição social”.

Esta pauta, embora distante da realidade das igrejas brasileiras em alguns pontos, as inseria na perspectiva de que Deus agia no seu tempo. Uma pauta universal, social, política e econômica, ao mesmo tempo eclesial e missionária. Ela poderia ter incorporado temas como a necessidade de cidadania, a violência às mulheres, aos negros e às crianças, num Brasil profundamente desigual do início do século 20.

Estes movimentos de unidade foram cíclicos no protestantismo ocidental. Eles geralmente foram reações ao divisionismo escandaloso herdado das guerras religiosas e do denominacionalismo do período pós Reforma. Eles se voltaram para a questão da missão da igreja no mundo e recolocaram a cruz e a ressurreição no centro da vida em comunhão, acima das diferenças.

A oração de Jesus em João 17 se impõe também à nossa geração que precisa se unir em torno de uma agenda universal de oração a partir do Brasil e da América Latina.

Fontes:
Jornal O PAIZ – 4 de junho de 1920. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
LATOURETTE, K. S. Historia del cristianismo. Trad. Jaime C. Quarles y Lemuel C. Quarles. 3 ed. Casa Bautista de Publicaciones: 1977.


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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
  • Textos publicados: 35 [ver]

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